A associação SOS Racismo considera a decisão no caso que opõe Cláudia Simões a um agente da PSP uma “inaceitável sentença” que “prova de que a Justiça em Portugal tem cor e que o racismo goza de proteção institucional”.
Este veredicto normaliza a violência policial racista. O SOS Racismo lamenta que, mais uma vez, a justiça tenha escolhido premiar a impunidade e legitimar a violência policial racista”, lê-se no comunicado da associação divulgado hoje.
O coletivo de juízes do Tribunal Judicial de Sintra condenou esta segunda-feira Cláudia Simões por morder o agente da PSP Carlos Canha, enquanto o polícia foi absolvido das acusações de agressão na detenção desta mulher, mas condenado por agredir outras duas pessoas na esquadra.
Tribunal condena Cláudia Simões e agente da PSP a penas suspensas
Para a organização, o tribunal “resolveu sancionar a vítima e poupar os carrascos”.
Neste julgamento, o sistema tomou um lado e duplicou a força da violência e racismo institucional a que Cláudia Simões foi sujeita, naturalizou e legitimou as práticas de violência racistas das forças policiais e, assim, voltou a desproteger e, pior ainda, a sancionar mais uma das suas vítimas”, acusou a SOS Racismo.
Para a associação, em vez de “cuidada e amparada pelo Estado”, Cláudia Simões foi sujeita a “dolorosas sessões” de julgamento, “transformadas num tribunal dos horrores”.
“Em sala de audiência, o racismo esteve sempre presente na violência psicológica, humilhação, difamação e inomináveis pressões que a procuradora da República, os juízes e advogados dos agentes agressores exerceram sobre Cláudia Simões e as suas testemunhas”, acusou a SOS Racismo.
Para a organização, “juízes, procuradora da República e advogados dos agentes da PSP orquestraram e colaboram num exercício de absoluta desumanização da Cláudia Simões. Todo o julgamento foi um exercício de tortura psicológica e moral contra Claúdia Simões”.
A organização antirracista deixou ainda críticas a juízes, Ministério Público e advogados de defesa, por reafirmarem “insistentemente que não estavam a julgar um crime de racismo” enquanto, por outro lado, “não deixaram de julgar o antirracismo”, acusando a juíza de atacar o movimento na leitura da sentença.
“Face ao cenário a que se assistiu desde o início do caso, a expectativa de que perante um agente policial racista se viesse a fazer justiça por uma pessoa negra, mormente uma mulher negra, era quase nula. Porém, o que não se esperava era que o próprio tribunal se transformasse numa amplificação tão persistente da violência racial como se viu acontecer até ao fim do julgamento”, lê-se no comunicado.
A organização manifesta ainda a sua solidariedade e disponibilidade para apoiar Cláudia Simões “no sentido de reverter esta inaceitável sentença“, após a arguida anunciar à saída do tribunal que iria recorrer da decisão.
A juíza Catarina Pires aplicou uma pena de oito meses de prisão a Cláudia Simões, suspensa na execução, por um crime de ofensa à integridade física qualificada, e condenou o polícia Carlos Canha a três anos de prisão, também com pena suspensa, por dois crimes de ofensa à integridade física e dois de sequestro relativamente aos cidadãos Quintino Gomes e Ricardo Botelho, ambos levados para a esquadra, absolvendo-o das acusações de agressão a Cláudia Simões.
Foi perante uma manifestação antirracista de cerca de 30 pessoas com tarjas e cânticos à porta do tribunal, depois da leitura do acórdão, que uma das filhas de Cláudia Simões leu, emocionada, uma curta declaração na qual garantia que irá lutar pelos seus direitos e avançar com um recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
A defesa do polícia Carlos Canha, a cargo da advogada Fátima Oliveira Esteves, manifestou também a sua vontade de recorrer da pena (aplicada em cúmulo jurídico) ao agente da PSP.
O caso remonta a 19 de janeiro de 2020, quando Cláudia Simões, cozinheira de profissão, se envolveu numa discussão entre passageiros e o motorista de um autocarro da empresa Vimeca, pelo facto de a sua filha, à data com oito anos, se ter esquecido do passe.
Chegados ao destino, o motorista decidiu chamar a polícia e, após alguns momentos de tensão, o agente Carlos Canha decidiu imobilizar Cláudia Simões, junto à paragem do autocarro, após esta se recusar a ser identificada.
A situação ganhou mediatismo com a posterior difusão nas redes sociais de vídeos da confusão à saída do autocarro e de imagens dos ferimentos de Cláudia Simões.
Carlos Canha foi acusado de três crimes de ofensa à integridade física qualificada, três de sequestro agravado, um de injúria agravada e um de abuso de poder, enquanto os agentes João Gouveia e Fernando Rodrigues respondiam por um crime de abuso de poder, por não terem atuado para impedir as alegadas agressões do colega. Cláudia Simões foi acusada de um crime de ofensa à integridade qualificada.