A auditoria aos projetos abrangidos pela Operação Maestro, ligados à Selectiva Moda, de Manuel Serrão, detetou irregularidades na atribuição de alguns fundos. E, como tal, segundo revela o Ministério da Coesão Territorial, haverá consequências, nomeadamente dentro da AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), que acaba como a única visada no processo.

Em comunicado o Ministério da Coesão Territorial indica que a auditoria, que foi pedida em abril e concluída em junho, detetou “situações de apropriação indevida de fundos europeus”. As desconformidades identificadas, revela-se agora, vão determinar a anulação de despesas que tinham sido consideradas elegíveis para recebimento dos fundos europeus. Essas situações, indica o comunicado, “obrigam à anulação de despesas já certificadas no montante de 30 milhões de euros (valor fundo), tarefa que fica a cargo da AD&C (Agência para o Desenvolvimento e Coesão), enquanto autoridade de certificação”.

“As verbas a reaver serão um reembolso ao Estado e ficarão disponíveis para alocação a projetos financiados por fundos europeus”, acrescenta ao Observador o Ministério da Coesão.

As autoridades de gestão – Compete 2030, Norte 2030 e PR Lisboa 2030 – “devem desencadear todos os procedimentos adequados, conducentes à recuperação das despesas indevidamente objeto de apoio”, indica ainda o Ministério que enviou o relatório ao Ministério Público, à Inspeção-Geral das Finanças e às autoridades de gestão. O ministro da Economia, Pedro Reis, também vai receber as conclusões da auditoria, enquanto membro que tutela a AICEP para que “possam ser ponderadas ações adicionais no âmbito daquele organismo, designadamente de natureza disciplinar” no organismo intermédio “abrangido pela ação de controlo desenvolvida”. Do comunicado concluiu-se que só a AICEP acaba por ficar em causa neste processo, já que não há referências a mais ações nomeadamente disciplinares nas autoridades de gestão.

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Já depois da publicação deste texto, o Ministério da Coesão explicou ao Observador que “o relatório identifica situações específicas que envolvem funcionários da AICEP, organismo intermédio abrangido pela ação de controlo”, pelo que “as ações a ser tomadas no âmbito deste organismo serão da responsabilidade do membro do Governo com a respetiva tutela, neste caso o ministro da Economia”.

O Ministério Público já tem em investigação os fundos atribuídos à Selectiva Moda, na designada Operação Maestro, que foi, aliás, o que levou o novo ministro com a tutela dos fundos europeus a pedir a auditoria.

Manuel Castro Almeida já tinha afirmado, no Parlamento, que a auditoria tinha revelado falhas. “Vai ser necessário tirar consequências da verificação que foi feita”, acrescentou nessa audição.

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As consequências, ao nível da gestão, só parece acontecer na AICEP, cuja administração já tinha sido mudada pelo atual Governo, tendo nomeado para presidente Ricardo Arroja.

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Em comunicado, o Governo explica que foram objeto da auditoria 16 operações com a verificação ao processo de análise de candidaturas, aos 89 pedidos de pagamento, às 17.335 linhas de despesa (cujo montante declarado para cofinanciamento pelos beneficiários ascende a 72,4 milhões), às quatro verificações no local, às nove supervisões feitas na análise da candidatura e à supervisão (1) feita nas verificações administrativas, e ainda foram avaliadas cerca de duas mil comunicações entre organismos intermédios, autoridades de gestão e promotores.

Não são referidos os anos que foram analisados, mas a AICEP optou por verificar fundos atribuídos ao abrigo do QREN, o quadro plurianual anterior ao PT 2020, até porque os sinais de alerta dentro desta entidade já vinham de trás.

“A ação de controlo, determinada pelo ministro adjunto e da Coesão Territorial, foi realizada no âmbito específico da designada Operação Maestro. As suspeitas de utilização fraudulenta de apoios do FEDER são referentes a operações aprovadas desde 2015, daí a baliza temporal estabelecida”, explica o gabinete de Castro Almeida.

Com base nessas avaliações a auditoria “identificou insuficiências ao nível da aplicação dos procedimentos de gestão nas fases de análise e seleção de candidaturas, verificações de gestão (administrativas, no local e encerramento) e supervisão das funções delegadas, concluindo que a mesma não foi eficaz na prevenção, deteção e correção de erros”.

O Ministério dá quatro exemplos de falhas detetadas. Uma está relacionada com despesas “insuficientemente justificadas, nomeadamente as realizadas numa unidade hoteleira na cidade do Porto cujo suporte é feito através de uma lista enviada pela entidade beneficiária, não sendo possível verificar, através das faturas, a identidade dos hóspedes ou o número de pessoas e de noites associadas à estada”.

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Outra falha tem a ver com fornecimentos de empresas relacionadas com o promotor do projeto. E dá o exemplo: “foram identificados fornecedores participados por consultores do projeto (com participação acionista direta ou indireta nesses mesmos fornecedores), sem evidência de que as operações entre estas partes tenham sido realizadas em condições de mercado”.

Uma terceira falha diz respeita a faturação do promotor a si próprio. E uma quarta relacionada com os alertas dentro da AICEP, que o Observador já tinha noticiado. No comunicado explica-se que se identificou emails “de uma funcionária da AICEP, relatando aos seus superiores hierárquicos situações irregulares nos projetos de um beneficiário (designadamente transferências bancárias irregulares entre partes relacionadas), sem que os seus superiores hierárquicos tenham dado seguimento a esse reporte, antes pelo contrário, desvalorizando-o”.

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“Com a análise dos projetos da Selectiva tenho vindo a reparar em transferências bancárias, que presumo tratarem-se de reforços de capital, que me parecem estranhas e que podem vir a levantar questões ….”, segundo um email recebido por Ana Pinto Machado, que respondeu: “Vamos estar atentas. Mas não será que é da conta do Manuel Serrão? O pai morreu há pouco tempo, deve ter conta conjunta com a mãe”, diz a então diretora do departamento de verificação de incentivos que num outro email com mais alerta acaba por desvalorizar a chamada de atenção.