O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) irá pronunciar-se no próximo dia 29 de julho sobre o processo do chamado “cartel da banca” portuguesa. É para esse dia que está prevista a divulgação do acórdão que com a interpretação pedida pelo Tribunal da Concorrência (Santarém), que quis do tribunal luxemburguês uma clarificação acerca de alguns aspetos deste processo. A sentença pelo tribunal português está suspensa, à espera deste acórdão do TJUE, pelo que com este acórdão ficará mais próxima a decisão sobre o caso.
A posição oficial do TJUE surge mais de dois anos depois de o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão ter dado como provado que os bancos trocaram informação sensível sobre condições comerciais, ao longo de mais de uma década. Porém, apesar de ter considerado “impressivos” os e-mails trocados entre funcionários de vários bancos, a juíza Mariana Machado pediu ao tribunal da União Europeia para esclarecer se houve restrição da concorrência, existindo dúvidas sobre se a prática teve impacto concreto nos clientes.
Pelo meio, quem já se pronunciou sobre esta matéria foi o advogado-geral do TJUE, que antecede a decisão do tribunal mas que é uma opinião que não vincula a sentença final do organismo. A posição oficial do tribunal, de acordo com o calendário oficial do tribunal europeu, só chegar na segunda-feira, 29 de julho.
Na opinião do advogado-geral, o grego Athanasios Rantos, as trocas de informação entre bancos, mesmo que referentes apenas ao spread, podem configurar restrições à concorrência – já que o spread é um elemento essencial do preço que é suportado pelo mutuário (o cliente que contrata o crédito). Já as informações trocadas entre os bancos sobre o volume de créditos concedidos, que também aconteceu, pode não ser uma ameaça à concorrência.
Em comunicado sobre as conclusões, emitido a 5 de outubro de 2023, lê-se que o advogado-geral “considera que uma troca de informações pode constituir uma prática restritiva da concorrência por objeto quando resultar da análise do seu conteúdo, dos seus objetivos e do contexto jurídico e económico em que se insere que essa troca revela um grau suficiente de nocividade para a concorrência. Por outro lado, o facto de essa troca ser ‘isolada’, no sentido de que não está associada à declaração de um cartel, não é suscetível de pôr em causa a declaração de uma restrição da concorrência por objeto, desde que a referida troca apresente suficiente grau de nocividade”.
Sendo o spread um elemento fundamental do preço, os bancos ao comunicarem entre si uma das componentes de preço “contribuíram para aumentar a transparência no mercado, reduzindo a incerteza ligada à sua estratégia atual ou futura, o que permitiu a cada um dos bancos participantes utilizar essa informação na definição da sua estratégia comercial e facilitar o alinhamento através de uma coordenação informal”. O que significa, no entender do advogado-geral, que “o conteúdo dessa troca apresenta, em si mesmo, suficiente grau de nocividade para a concorrência e pode ser considerado, pela sua própria natureza, prejudicial ao normal funcionamento da concorrência”.
Esta é a opinião do advogado-geral, que poderá ou não coincidir com as conclusões do acórdão que será divulgado nos próximos dias. O TJUE levou mais de dois anos a produzir este acórdão, tendo recusado analisar o pedido do tribunal de Santarém de forma acelerada (uma tramitação célere que tinha sido requerida pela instância nacional por causa do risco de prescrição).
Em causa está a acusação pela Autoridade da Concorrência (AdC) a onze bancos de que violaram a lei da concorrência ao trocarem informação, tendo esse organismo condenado essas entidades ao pagamento de coimas de 225 milhões de euros. Os bancos recorreram dessa condenação, processo que corre desde então em tribunal. Em junho de 2023, o atual presidente da Autoridade da Concorrência, Nuno Cunha Rodrigues, indicou que uma decisão sobre este processo poderia chegar no início de 2024 mas essa expectativa não se confirmou, já que só agora o TJUE irá emitir o acórdão que tem mantido o processo suspenso em Santarém.
A Autoridade da Concorrência acusa 11 bancos de terem concertado posições durante mais de uma década, entre 2002 e 2013, sobre diferentes modalidades de crédito (habitação, consumo e empresas). Apesar de a AdC não ter usado essa expressão, o caso ficou conhecido como o “cartel da banca”, designação que é rejeitada pelos bancos, que garantem que as trocas de informação nunca tiveram qualquer efeito prático de lesar os consumidores, direta ou indiretamente.
Em paralelo, o Tribunal da Concorrência aceitou no mês passado a quinta de cinco ações populares interpostas por uma associação de defesa do consumidor europeia, a Ius Omnibus, que reclama mais de 5.000 milhões de euros aos bancos, acusando-os de terem lesado milhões de clientes nos juros dos créditos. Os bancos inicialmente em causa eram 14, mas como Banif e BES foram objeto de medidas de resolução, a ação é sobre 12 bancos.
Ainda assim, o valor exigido inclui danos feitos por BES e Banif porque considera a Ius que a responsabilidade dos bancos é solidária. Os bancos em causa são Abanca, BBVA, BPI, BCP, Banco Santander Totta, Banif, Barclays Bank (cuja denúncia deu origem à investigação da AdC), Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, Montepio Geral, Deutsche Bank e Unión de Crédito Inmobiliarios. Os bancos dizem, em sua defesa, que os dados partilhados eram públicos, acessíveis a qualquer um e, até, poderão ter beneficiado os clientes, em vez de os prejudicar.