Os Jogos já tinham passado por St. Louis, Londres e Estocolmo ainda antes da Primeira Grande Guerra e por Antuérpia na primeira edição depois do conflito mundial mas poucos se tinham esquecido dessa organização que ficara conhecida no tempo como “Os Jogos Ridículos”. Aí, em 1900, foi a primeira vez em que entraram animais vivos nas competições (pombos) e também o primeiro momento em que uma mulher se sagrou campeã olímpica (Hélène de Pourtalés, nascida como Helen Barbey em Nova Iorque). Pouco mais ficara da segunda organização do maior evento desportivo global depois da estreia em Atenas, a ponto de vários atletas admitirem que saíram da capital francesa sem perceberem que tinham estado nos Jogos. Em 1924, Paris ia ter uma segunda oportunidade para limpar a imagem da primeira organização. Tudo acabou por mudar.

“É um milagre que o Movimento Olímpico tenha sobrevivido a essa celebração”, frisou Pierre de Coubertin, o Barão que ficou na história como o pai do evento, numa conversa mais tarde entre amigos. Por várias razões, a cabeça do olimpismo moderno queria dar essa nova hipótese a Paris para mostrar que aprendera com os erros, já depois de ter sido também a cidade que recebeu a primeira convenção do Movimento que juntou não só pessoas do desporto mas também das artes, da ciência e da cultura. Não foi fácil, os atrasos ainda fizeram com que se ponderasse alternativas na Europa e nos EUA (LA), mas Paris-1924 aconteceu mesmo.

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Piscina construída para os Jogos de 1924 foi renovada e vai funcionar como local de treinos para a natação um século depois

O contexto, esse, não era fácil. As cheias no rio Sena não tinham acontecido há muito tempo e o mundo ainda tentava curar feridas em aberto da Primeira Grande Guerra. Mais: além de toda a agitação política sentida  na Europa, somavam-se os problemas económicos e financeiros de vários países num mundo que começava a entrar numa era diferente até a nível de comunicação social, com o Le Figaro a ser comprado por François Coty para impor na publicação propaganda fascista. O mundo que continuava a ter o cinema mudo assistia calado a fenómenos que viriam a servir de génese para outra Grande Guerra duas décadas depois.

Alheia a tudo isso, a cidade de Paris tentou que nada faltasse. Em vez das infraestruturas improvisadas pelo bosque de Bolonha que marcaram a edição de 1900, construiu o Estádio de Colombes, que funcionou como o centro do evento, e a piscina de Tourelles para uns Jogos apenas com modalidades de Verão. Os atrasos ainda ameaçaram a organização mas tudo decorreu conforme previsto, com a primeira Aldeia Olímpica a ser construída com quartos de madeira com três camas e água quente. Os Jogos conseguiram “crescer”.

A edição contou com mais 500 atletas do que em Antuérpia, num total de 3.075, e recebeu delegações de 44 países depois dos 29 na edição anterior de 1920. Johnny Weissmuller, nascido no império austro-húngaro mas com nacionalidade norte-americana, foi uma das grandes figuras com três ouros na natação e ainda o bronze na equipa de polo aquático antes de ser reconhecido como uma figura única por Hollywood, a ponto de ser o escolhido para protagonizar a primeira versão do filme “Tarzan”. Paavo Nurmi mostrou o porquê da alcunha de Finlandês Voador, ganhando cinco medalhas de ouro entre atletismo de pista e corta-mato com essa particularidade de ter uns breves minutos de descanso entre a final dos 1.500 e dos 5.000 metros. Os ingleses Eric Liddel e Harold Abrahams tiveram também a história que se tornou um dos maiores filmes de sempre ligado a histórias dos Jogos Olímpicos, “Chariots of fire” (“Momentos de glória”).

Portugal teve também o seu momento de história em Paris-1924. Apesar das dificuldades em conseguir marcar presença no evento por dificuldades financeiras, algo apenas desbloqueado pelas ações do então líder do Comité Olímpico de Portugal, José Pontes, que conseguiu reunir entre muitas diligências os 300 contos necessários, foram 25 os atletas nacionais presentes em nove modalidades para aquela que viria a ser a primeira medalha de sempre do país: mesmo com um cavalo doente alimentado a açúcar durante uma semana e outro emprestado, Aníbal Borges de Almeida, Hélder de Sousa Martins e José Mouzinho de Albuquerque ganharam o bronze na prova de obstáculos de hipismo, conhecida como “Prémio das Nações”.

Imagem da cerimónia de abertura dos Jogos de 1924, que contou com cerca de 20.000 pessoas nas bancadas do Estádio Olímpico

Aqueles que seriam os últimos Jogos de Pierre de Coubertin foram uns dos mais importantes pela premência de afirmação que o movimento olímpico tinha nessa altura. Além de tudo o que foi supracitado, Paris-1924 tornou-se o primeiro a ter transmissão em direto na rádio, contou com mais de 700 jornalistas (com larga representação norte-americana), reuniu cerca de 20.000 pessoas na cerimónia de abertura e conseguiu pela primeira vez que as mulheres também conseguissem o seu espaço nas capas dos jornais. Hoje, os desafios são outros. A organização pensa sobretudo na segurança e na organização logística mas as audiências de TV têm caído, as novas gerações não seguem tanto os Jogos e existe uma necessidade premente de evitar mais descontrolos ambientais. Há 100 anos, a resposta foi positiva; agora, ainda é uma incógnita.