Enviado especial do Observador em Paris, França

Mais um dia com o despertador a tocar às 4h, mais um dia em que provavelmente a notícia seria a mesma do costume, mais um dia de virar para o lado e dormir mais um bocado. À partida, este era o pensamento esta madrugada. Pensamento dos atletas, dos treinadores, dos adeptos, dos jornalistas. Não foi, por fim, o mesmo pensamento da organização. Sem que se percebesse ao certo porquê, as águas do rio Sena passaram a ter uns níveis de poluição de tal forma controlados que permitiam realizar as provas de triatlo esta quarta-feira. Que havia condições ninguém pode (ou deve) colocar dúvidas e nem os Comités permitiam que os seus atletas fossem colocados em risco. No entanto, e mais uma vez nestes Jogos de Paris-2024, Paris bateu o pé para se mostrar ao mundo como acontecera na cerimónia de abertura e voltou a ganhar no final essa aposta.

Com Missão Olímpica também para fazer em direto na Rádio Observador acautelando as melhores condições de som sem cortes que de vez em quando aparecem quando se tenta falar em andamento, foi aí que começou também um triatlo reduzido à modalidade “andar rápido” até ao Grand Palais. Através das tecnologias, e na vertente natação, deu para ir seguindo a transmissão tal como todos estavam a fazer à exceção daqueles que se tinham deslocado especificamente para essa zona do Sena. Depois, entre ciclismo e corrida, já havia uma maior margem de manobra. Paris saiu mesmo à rua para acompanhar as provas de triatlo, em novo capítulo de demonstração de cultura desportiva que existe por cá. Havia centenas e centenas e centenas de pessoas até à chegada na Ponte Alexandre III, num ambiente que fazia esquecer o que se passara.

As condições não estavam fáceis no Sena, não tanto pela questão da qualidade da água mas pela forte corrente que se fazia sentir. Era igual para todos, claro, mas tinha um peso decisivo naquilo que depois se seguia na prova. Maria Tomé, entre dificuldades, conseguiu encontrar a margem para ficar dentro da prova, fazer o melhor circuito no ciclismo e terminar numa grande 11.ª posição, acima até das suas melhores expetativas. Melanie Santos, entre dificuldades, não mais recuperou, teve ainda uma penalização do primeiro setor, perdeu depois o capacete e fez um resto de prova quase contra si para terminar no 45.º lugar.

No final, grande explosão de euforia. Não era por acaso que víamos dezenas e dezenas de praticantes de triatlo que iam correndo quase como se estivessem num prova de um lado para o outro, entre as zonas do Grand Palais, a Concorde e a ponte Alexandre III, para não perder nada na parte final. Havia uma razão que era paralela a isso e que explicava tanto exercício: Cassandre Beaugrande, que tinha ajudado ao bronze nas estafetas mistas em Tóquio mas que desistira na prova individual, estava com possibilidade de pódio. De prata. De ouro. Num daqueles resultados que se geram quase como conjugação cósmica de correr “em casa”, a gaulesa sagrou-se campeã olímpica com 1.50.07, à frente da suíça Julie Derron (1.50.08) e a britânica Beth Potter (1.50.10). Maria Tomé acabou com 1.52.09, ao passo que Melanie Santos ficou com 1.57.53.

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Também nós fazemos um sprint para uma zona mista que tinha pouco ou nada a ver com o que acontecera no contrarrelógio masculino de ciclismo: gente a mais, espaço a menos, um bafo indesejado que deixava tudo a pingar como se tivesse saído do Sena como os atletas, uns toques para marcar posição. Antes, o Observador também teve o seu momento, com um “bom dia” de Thomas Bach, de camisola de manga curta azul clara a passar por ali enquanto iam explicando como tudo estava montado, a acenar com a cabeça e a sorrir aos jornalistas e demais pessoas com quem se cruzava. Pouco depois, chegava Maria Tomé. Pequenina, lá conseguiu ir furando até chegar ao local onde se encontravam os portugueses com um sorriso largo no rosto.

“Foi melhor do que estava à espera, sem dúvida. Qualquer resultado melhor do que no ano passado era o grande objetivo e fazer um 11.º nem tenho palavras para descrever… Foi super bom, estou super feliz… A natação nesta altura é o meu ponto fraco mas sabíamos que tínhamos de gerir bem, tentar não ser afogada e gerir ao máximo porque havia também bastante corrente e fiz uma segunda volta que nem sei bem como foi muito inteligente e deu para chegar mais à frente. Tínhamos uma boa ciclista no grupo, tentámos manter o mínimo de espaço para a frente e quando comecei a correr disseram-me que estava dentro do top 15, foi lutar até ao fim…”, começou por dizer a atleta de 23 anos que, a nível de resultados na World Series, nunca fizera sequer um top 25. Agora, tinha sido 11.ª na prova que todos queriam mas nem tudo foi fácil.

“A qualidade estava dentro dos limites, não sei bem se estava no limite ali mesmo no limite mas aconteceu hoje e toda a gente queria que fosse assim. Se não fosse hoje, na sexta-feira iria virar duatlo e estamos todos a preparar-nos para fazer triatlo. A corrente… Bem, é o que é… Estava dentro dos limites, sofremos imenso para vir para cá, acho que demorámos imenso tempo mas ao menos aconteceu e já foi positivo. No último segmento sabia que podia ser assim, ando a sentir-me muito bem a correr nos treinos, que podia ser positivo começar a correr no grupo onde desmontei e claro que saber que estava dentro do top 15 dá uma energia extra, com os portugueses a gritarem por mim ainda mais. São raparigas com quem competimos, tentei aguentar com elas, no fim perdi um bocadinho para as alemãs mas já foi bom este 11.º. Força para o sprint? Nem sei, o DTM coloca-me sempre em último porque diz que tenho uma ponta final forte”, explicou.

“Incerteza? Como a resposta era só às 4h da manhã e nós queremos é descansar, foi numa de ‘Ok, amanhã há prova, tudo bem, se não houver volto a dormir’. Basicamente foi esse o espírito, também para evitar nervos e conseguir descansar na noite antes da prova. Foi assim. Os rapazes estiveram a acordar mas aquilo que fizeram foi pôr despertador, olharam, tinham uma mensagem a dizer que não ia acontecer, viraram-se para o outro lado e dormiram mais um bocado. É a melhor forma de encarar. Na preparação o dia anterior é mais fácil, se calhar ontem tiveram de fazer um pouco mais para não estarem a fazer nada. Agora na estafeta isto dá mais confiança mas também haverá mais nervos porque não depende só de mim, é a equipa toda e eu por eles. Temos de lutar por um lugar próximo do pódio porque temos uma equipa forte”, concluiu a atleta de Clube de Natação de Torres Novas, que estuda Fisioterapia e que tinha como grande sonho marcar presença nos Jogos. Passou a realidade e dificilmente poderia ter sido melhor.