Enviado especial do Observador em França, Paris

Algumas zonas de Paris estão mais vazias do que era suposto nesta altura devido aos Jogos Olímpicos. Muita gente “rendeu-se” às evidências de uma cidade que iria ser invadida por milhares e milhares de adeptos e até os portugueses na cidade, uma das maiores comunidades que conseguimos encontrar em alguns bairros, não passaram ao lado. Em Gentilly, por exemplo, a Chez Martinho não foi de modas: papel branco escrito à mão colado no gradeamento a dizer que vai de férias, volta a 20 de agosto e está feito. No entanto, noutras zonas, sobretudo as que circundam os locais dos eventos, víamos o fenómeno oposto. E de que maneira.

Enquanto começavam a surgir as imagens da chegada dos nadadores em autocarros da organização para mais uma manhã de qualificações na La Défense Arena, com cada vez mais membros a optarem por andar de máscara para evitarem males maiores com a Covid-19 (Adam Peaty foi um dos que “caiu” assim, estando já mal na prata que ganhou nos 100 bruços), a zona logo à saída de uma das estações mais perto da piscina (a de Nanterre fica um pouco mais próxima, a de La Défense tem mais gente, agitação e potencial de histórias) estava cheia. Até chegarmos ao recinto não vimos menos de 30 polícias e mais de uma dezena de militares, daqueles que foram um quadrado e andam de um lado com a metralhadora na mão e ar de poucos amigos. Mas havia outros cuidados esta manhã, de tal forma que as pessoas iam sendo “redirecionadas”.

Ao todo, segundo a app da organização que tenta facilitar a chegada de um evento a outro, eram 1.270 metros entre a estação e a entrada nas bancadas da piscina. Ok, muito fácil de fazer as contas: estava uma fila de 1.270 metros para aceder à La Défense Arena. Quando as provas começaram as bancadas encontravam-se já cheias mas antes a confusão deu mais nas vistas do que é normal, com os voluntários a aproveitarem para aliviar o ambiente com uma boa disposição que passava de pessoas em pessoas entre os cumprimentos com luvas grandes que facilitam a orientação e os pedidos para que todos se fossem chegando mais à frente. Não sendo uma sessão com finais, estavam ali pelos franceses, pelos norte-americanos, pela modalidades, pela oportunidade, pelo desporto. E estavam ali também para ver Diogo Ribeiro naquele que era o seu dia.

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A primeira série dos 100 mariposa, a grande especialidade do primeiro campeão mundial português nesta modalidade que escolhe uma elite entre os humanos para serem maiores do que os outros, mostrou quase o ambiente com menos “glamour” que existe de manhã. Não há, por exemplo, uma chamada um a um para a piscina antes da prova. Ao invés, os atletas entram, vão para os seus locais, fazem a prova, saem e nesse momento já estão a entrar outros. Na primeira, com vários nadadores visivelmente felizes só com a hipótese de participarem na “festa”, Ysuf Marwan Abdullah Nasser, do Iémen, foi a grande figura ao terminar de longe com o pior tempo de 1.08,72 mas a ter a maior ovação do dia. De seguida, na segunda série, o mítico Chad le Clos viu a oportunidade de voltar a uma final diluir-se entre um visível olhar de frustração.

Era a vez de Diogo Ribeiro. O Diogo Ribeiro, esse mesmo, o campeão mundial da distância em título e que tinha estado a aprender nas provas de 100 e 50 livres. Estava a subir, mesmo não estando ao nível a que já vimos. Ficou nas eliminatórias dos 100, chegou às meias-finais dos 50. Agora, aqui, podia sonhar-se com uma final. Era complicado atingir algo que só Alexandre Yokochi fez nos Jogos de 1984 mas não impossível. As meias, dentro da enorme competitividade, pareciam ser um objetivo realista e concretizável.

De t-shirt de Portugal, calções e ténis, como se fosse para um estágio com a diferença de já levar a touca na cabeça, Diogo Ribeiro entrava na terceira de cinco séries. Foi logo ajeitar o bloco, colocou os óculos para baixo, tirou o equipamento, ajeitou o fim, colocou-se preparado para chegar onde chegara dois dias antes na qualificação dos 50 livres. Não correu bem. Correu mesmo mal. Virou em quinto aos 50 metros, acabou em sexto da sua série com 51,90, longe daquilo que é o seu recorde nacional. Uma descida até à zona mista e, no final da quarta série, as meias pareciam impossíveis porque já ocupava o 13.º lugar. A má notícia confirmou-se mesmo, terminando com o 20.º registo numa seleção que teve o “corte” nos 51,62. Da forma que menos se esperava, chegava ao fim a primeira participação do atleta de 19 anos nos Jogos Olímpicos.

Depois, a seguir à passagem pela zona de entrevistas rápidas da RTP, era tempo de fazer uma espécie de balanço do que se passara. Ao longo de nove minutos, Diogo Ribeiro expôs tudo o que foi encontrando como dificuldades nesta experiência inicial daquilo que pensava ser um Olimpo mas não era. E falou praticamente de tudo. A comida da Aldeia Olímpica e respetivos acessos, a piscina, a preparação, o problema que teve após o Mundial (que ninguém sabia mas condicionou os meses iniciais de fecho de ciclo olímpico), os horários, a prova da mariposa depois do crawl… Basicamente tudo. Aquilo que fica foi uma campanha abaixo do que era esperado, sendo que o esperado em termos realísticos não devia passar de meias ou final num dia em que entrasse em campo uma conjugação cósmica que andou sempre longe da sua órbita. Sobrou a experiência e vários motivos de reflexão para um atleta de 19 anos saber para onde vai a partir de agora rumo a LA.

– Não correu nada bem, Diogo…
– Correu, correu bem…

“Ganhei experiência, ganhei competitividade e agora é aproveitar as férias. O resultado não era mesmo o que estava à espera. Estava uma série forte, pensava que manter-me ali no grupo da frente ia dar para passar à meia-final, depois o grupo da frente esticou-se no final e não consegui acompanhar, pronto… Agora já sei para o que venho, quem sabe ficar num hotel, tem corrido bem sempre fico num hotel, tem corrido bem quando tenho a alimentação ao descer as escadas ou o elevador, um misto de coisas… Não consigo dizer mais, já disse lá em cima [na zona de entrevistas rápidas da RTP]… Estou contente mas ao mesmo tempo não estou. Estou contente pela experiência e porque são os Jogos Olímpicos mas claro que ambicionava fazer mais, óbvio”, começou por dizer na zona mista, ainda embalado pelas críticas deixadas minutos antes.

“Vim como campeão mundial e nem à meia-final passei, temos de ver o que aconteceu, o que falhou para o pico de forma. Não vou mentir, com as sensações que tive nesta prova pensei que ia para um tempo mais rápido mas ao mesmo tempo não me esforcei assim tanto para ir a um tempo mais rápido, sinto que tinha mais para dar. Infelizmente ia na terceira série, os outros podiam ver os tempos que estávamos a fazer e depois irem mais rápido. Não foi arriscado, é a minha primeira experiência”, prosseguiu, neste caso mais a olhar para aquilo que podia ou não ter feito de diferente para que esta qualificação tivesse um outro destino.

“Objetivo concreto? Claro, queria passar à final e depois aí tudo podia acontecer mas assim como fui campeão mundial sete décimas à frente o oitavo, também podia ter ficado fora da final. Tudo pode sempre acontecer. Nesse Mundial em todas as eliminatórias que passei fui sempre melhorando o tempo, fui sempre a ver o que podia esticar e como podia passar e estava à espera da mesma coisa, de um 51,6 que me pudesse dar a passagem mas não foi possível”, admitiu, na parte mais pragmática da paragem na zona mista.

“Acho que não estou na minha melhor forma aqui, infelizmente, custa aceitar porque são os Jogos Olímpicos, a maior competição das modalidades e não estou na minha melhor forma, mas não trocaria uma final olímpica pelo título mundial. Por isso, estou contente com a época que tive, se calhar as férias depois do Mundial interferiram um pouco. Ninguém sabe mas apanhei uma bactéria nessas férias que me condicionou os primeiros dois meses de treino mas faz tudo parte de processo. Tudo o que estou a viver agora e até aos 20, mais um aninho, é para ganhar experiência e perceber o que posso fazer daqui para a frente na minha carreira. Todos os anos tenho ganho algum título, quando não ganho consigo medalhas e por isso tenho de estar contente porque nunca houve ninguém a fazer isto na natação”, revelou o jovem nadador.

“Até os portugueses podem e devem pedir mais porque vim aqui como campeão mundial mas também têm de agradecer pelo que nós fazemos porque estamos todos os dias para trabalhar e chegar aqui. Ninguém quer mais do que nós, nós somos os que queremos mais, os melhores resultados possíveis e darmos o melhor de nós. Por isso é que costumo dizer que não tenho pressão de fora, tenha a minha própria pressão e essa é a maior de todas. A prova não foi bem gerida, não consegui obter a passagem mas ao mesmo tempo estou contente com tudo”, admitiu, sendo que mais tarde como que “corrigiu” e explicou a parte do “dar mais”.

“Quero manter a calma, ter a cabeça para cima e sobretudo não mostrar que estou a ‘bater mal da cabeça’ porque para nós atletas é assim, treinamos muito o psicológico. Só quem é campeão do mundo e tem medalhas todos os anos, que há muitos portugueses a fazer isso nas modalidades felizmente, é que percebe o quão preparados estamos para chegar e fazer. Não é por ter chegado aqui e ter falhado na primeira prova que as pessoas vão começar a fazer críticas. As críticas construtivas são boas, às vezes como aconteceu com a Simone Biles, ver tanta porcaria na net e tantos comentários maus dá cabo da cabeça de um atleta e temos de apoiar os atletas e não rebaixar mais”, pediu Diogo Ribeiro após nova eliminação nas qualificações.

“Não adorei esta experiência olímpica mas tenho a certeza que virei muito mais preparado para o próximo se conseguir o apuramento, espero que sim. Para mais três, quatro, até cinco e chegar as muitas mais alegrias e medalhas para Portugal porque ninguém quer mais do que nós. Pensava que ia conseguir passagem e se calhar não dei o máximo mas para mim eu dei o máximo pensado para aquilo que foi a eliminatória. Jogos, Mundiais, Europeus, é tudo muito diferente e estou contente porque confiei no processo de treino sempre, infelizmente só correu mal agora nos Jogos Olímpicos mas tinha de acontecer para percebermos que se calhar tínhamos de mudar alguma coisa no treino. Não sei quê, vamos tentar descobrir e tentar voltar às medalhas internacionais já no próximo ano”, destacou em jeito de balanço.

“Não gostei da Aldeia Olímpica mas não sou só eu que tem esta opinião, há vários atletas que me têm dito isso. Como sabemos isto é um mundo pequeno, falamos todos entre nós. Ainda ontem o González que também é campeão do mundo nos 200 costas estava a dizer que a piscina não tem as condições necessárias. Para mim não se trata tanto da altura, para eles trata, para mim é mais… Não sei… A própria água, o espaço para ondular, quanto mais melhor por causa das ondas na viragem. Adorei o público, quanto mais melhor para mim porque dá motivação e não pressão e lá está, foi o que estava à espera. Estava à espera do Olimpo na Aldeia Olímpica, as condições que o Comité deu foram as melhores que conseguiram arranjar para nós, tenho a certeza, mas não nos podemos comparar com uns EUA que têm tudo o que quiserem, têm tudo só para eles, não precisam de sair sequer lá de dentro porque têm chefs de cozinha, têm tudo, mas com o tempo vamos melhorar, agora já sei para o que tenho de vir preparado”, argumentou, numa comparação entre dois mundos que nunca foram, são ou serão comparáveis por se tratarem de realidades diferentes.

“Tudo é uma aprendizagem, sendo novo tudo é uma aprendizagem e mesmo sendo campeão do mundo de juniores, absolutos, bronze Europeu, prata em Mundial, três Mundiais de juniores, recorde mundial de juniores, tudo foi uma aprendizagem. Ainda não tenho a experiência porque sou novo, tenho 19 anos, já competi muito entre os nomes da natação mundial mas sinto que o trabalho realizado até aqui, pelo menos na minha cabeça, foi muito focado no que estava mal no Mundial, o subaquático e as partidas. Notou-se agora, não saí assim tão atrás no início e na viragem, mas estas provas foram uma espécie de uma armadilha porque normalmente tenho sempre a mariposa primeiro e trabalho a mariposa, parece que assim o crawl e a mariposa saem bem porque a mariposa mete-me muito em cima da água, a anca. Só ontem consegui trabalhar a mariposa, não me senti bem, hoje senti-me melhor mas a forma não foi a melhor. Fiz o que pude e o que pensava que podia fazer para passar à meia-final”, apontou também Diogo Ribeiro.

“Se a meia-final compensa? Não, sou sincero. Nem mesmo a meia-final me contentou até porque eram os 50 livres porque eram a minha pior prova, aquela em que estava preocupado, fui para lá para tentar bater recorde pessoal que é nacional mas é sempre a prova para a qual vou com menos preocupação e acaba por correr melhor às vezes. Até a meia-final não correu bem, estava preocupado com o que o rapaz do lado estava a fazer e não com a minha série, paguei o preço quando cheguei à parede e vi o tempo… Descansei o máximo possível… As horas das competições também não são as melhores mas eles fazem tudo o que podem para todos os horários, chineses, EUA… Devíamos seguir um bocado a estrutura do Mundial, que é manter os horários às seis da tarde e às nove da manhã porque os próximos Jogos são em LA e vão pôr horários que são maus para nós, eles aqui é que vieram mais cedo para estar a estagiar”, concluiu.