A violência em larga escala regressou às ruas do Reino Unido — há 13 anos que não se via algo do género. Este domingo é já o quinto dia de protestos, que têm acontecido um pouco por todo o país, depois do assassinato de três crianças em Southport. Os manifestantes, associados à extrema-direita, têm protagonizado atos de vandalismo e entrado em confrontos com a polícia em várias cidades. Com a violência a escalar ainda mais este fim de semana, o primeiro-ministro Keir Starmer — que enfrenta a primeira grande crise desde que assumiu funções, há um mês — deixou um sério aviso aos desordeiros: “vão arrepender-se”.

O que está a motivar os protestos?

Os motins eclodiram depois de um crime que chocou o Reino Unido. Um adolescente, de 17 anos, invadiu, na segunda-feira, uma aula de dança que decorria em Southport, no noroeste do país, e esfaqueou quem lhe apareceu pela frente. O balanço foi trágico: três mortos (três meninas de seis, sete e nove anos, sendo que a última Alice Dasilva Aguiar, era portuguesa) e dez feridos, entre os quais outras oito crianças.

Morreu mais uma criança esfaqueada na escola de dança em Inglaterra. Tinha nove anos e era portuguesa, filha de madeirenses

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Depressa o incidente foi conotado com o extremismo islâmico. Como habitualmente acontece com menores, a polícia inglesa não revelou a identidade do suspeito, adiantando apenas que se tratava de uma pessoa nascida em Cardiff, no País de Gales, e residente em Banks, uma vila perto de Southport. Nas redes sociais, propagou-se a grande velocidade a ideia de que o suspeito seria um imigrante muçulmano radical.

No dia seguinte ao ataque, centenas de pessoas viajaram até Southport e causaram distúrbios na pacata cidade costeira de 90 mil habitantes, a norte de Liverpool. Membros do grupo de extrema-direita Liga de Defesa Inglesa atacaram a mesquita onde decorria a vigília em homenagem às vítimas e envolveram-se em confrontos com a polícia. Cerca de 50 agentes ficaram feridos. No dia seguinte, o primeiro-ministro britânico Keir Starmer deslocou-se ao local do esfaqueamento e criticou os motins que, disse, “insultaram uma comunidade que está de luto”.

Esfaqueamento em Southport: mais de 100 detidos após confrontos entre manifestantes e a polícia no centro de Londres

Perante a especulação sobre a identidade do suspeito, a polícia britânica revelou mais tarde que o atacante é Axel Rudakubana, britânico, mas com ascendência do Ruanda, país de onde os pais são naturais. O jovem foi detido e encontra-se em prisão preventiva.

Na quarta-feira os protestos chegaram à capital, com centenas de manifestantes a concentrarem-se em Whitehall, do lado de fora da entrada para Downing Street, onde se situa a residência oficial do primeiro-ministro. Os manifestantes anti-imigração envolveram-se em confrontos com a polícia e gritaram frases como “Salvem os nossos filhos”, “Inglaterra até morrer”, “Queremos o nosso país de volta” e “Parem os barcos”. Houve também protestos noutras cidades, como Hartlepool, no nordeste do país. Atacada com garrafas de vidro e ovos, a polícia fez oito detenções, segundo a BBC.

Com os protestos a escalarem, Keir Starmer chamou na quinta-feira os representantes da polícia e prometeu-lhes mais poderes para enfrentarem as manifestações violentas: partilha de informação entre diferentes forças da polícia, utilização de tecnologia de reconhecimento facial e medidas preventivas contra comportamentos criminosos. Nesse dia, o primeiro-ministro do Reino Unido subiu o tom das críticas. Classificou os manifestantes como “um gangue de bandidos”.

Mas os protestos não acalmaram, bem pelo contrário. A noite de sexta-feira ficou marcada por violentos motins em Sunderland, nos arredores de Newcastle (no norte). Dezenas de pessoas atiraram pedras às forças da autoridade, incendiaram carros e uma esquadra. A Polícia de Northumbria confirmou que 10 pessoas foram presas e quatro polícias ficaram feridos. No entanto, foi este sábado que as manifestações ganharam uma dimensão nacional. A agência Reuters relatou protestos em várias cidades, como Liverpool, Leeds, Manchester, Hull, Nottingham e Belfast (na Irlanda do Norte). Houve também concentrações anti-imigração em Bristol e Londres.

Mais de 100 detidos num único dia

Em Hull, os manifestantes partiram as janelas de um hotel que abrigava migrantes, noticiou a BBC. Mais de 100 pessoas foram detidas em todo o país.

Este fim de semana, surgiu um elemento novo, que tem feito subir ainda mais a tensão nas ruas britânicas: manifestações anti-racistas, que se contrapõem às mais de 30 convocadas pelos grupos nacionalistas. Em Manchester, os manifestantes ergueram cartazes com a frase “Salvem as nossas crianças”; do outro lado, um contra-protesto dizia “Não ao fascismo e ao racismo”.

Em Belfast, a polícia teve de intervir depois de confrontos entre os manifestantes anti-imigração e outros manifestantes de extrema-esquerda, que seguravam bandeiras LGBT e da Palestina.

Este domingo, a tensão não se dissipou, o que levou o primeiro-ministro a deixar um aviso aos manifestantes que criem desordem pública. “Vão arrepender-se”, disse Keir Starmer, em Downing Street, citado pelo Telegraph, sublinhando que fará “o que for preciso para levar esses bandidos à justiça o mais rápido possível”. Starmer garantiu que as dezenas de pessoas detidas ao longo dos últimos dias serão acusadas e julgadas.

Em Rotheram, nos arredores de Sheffield, um grupo de ativistas tentou invadir um hotel que acreditava abrigar requerentes de asilo. A polícia fez um cordão de segurança em redor das instalações, da cadeia Holliday Inn — um agente acabou por ficar ferido. Já na noite deste domingo, há registo de um segundo ataque a outro hotel da mesma cadeia, em Tamworth, nos subúrbios de Birmingham.

Este domingo, há protestos anti-imigração um pouco por todo o Reino Unido, embora os mais violentos se concentrem a norte — em Liverpool, Bolton ou Middlesborough. Também estavam marcadas ações anti-racismo em Birmingham, Bolton, Cardiff, Derby, Lancaster, Rotherham e Weymouth, escreve o Guardian.

Há mais de uma década que o Reino Unido não registava uma onda de violência desta dimensão, desde que, em 2011, milhares de pessoas saíram ruas durante várias noites, em protesto contra a atuação da polícia — que matara a tiro um homem negro em Londres. Agora, há já quem peça o recurso ao exército para conter a violência. “Se as nossas forças policiais continuarem sobrecarregadas, encorajaria o governo a chamar o exército”, escreveu na rede social X o ex-presidente do Comité de Defesa, Tobias Ellwood.