Uma grávida de 31 anos dirigiu-se esta segunda-feira ao Hospital das Caldas da Rainha após ter sofrido um aborto espontâneo em casa, mas não lhe foi prestado qualquer atendimento num primeiro momento. A urgência de Obstetrícia e Ginecologia da unidade hospitalar estava encerrada e a mulher, que ali se tinha dirigido pelos próprios meios, acabou a ligar para o 112. Os bombeiros dizem que os cuidados foram negados, após um familiar ter tentado fazer a admissão da mulher, o hospital diz que terá sido a grávida que ao ter conhecimento do cartaz a anunciar o encerramento decidiu ligar para o número de emergência e aguardar. A Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS) já anunciou a abertura de um inquérito, o Governo está a “acompanhar desde a primeira hora o caso”.

Quando chegaram à porta do Hospital das Caldas da Rainha, os bombeiros depararam-se com a mulher com uma “hemorragia abundante”, com o “feto num saco”. Nelson Cruz, comandante dos Bombeiros das Caldas da Rainha, defende que é “completamente inadmissível, ainda que não houvesse um médico da especialidade”, que a grávida não tenha sido recebida pelo hospital. “O hospital tem de abrir portas. As portas têm de estar abertas. As pessoas têm de ser recebidas e depois encaminhadas”, acrescentou, notando que é necessário “estabilizar estas pessoas”.

O subchefe daquela corporação, António Soares, explica mesmo ao Observador que o familiar que acompanhava a grávida chegou a entrar no hospital para tentar fazer a admissão da doente, que estava no carro, mas foi informado de que a urgência estava encerrada. Terá sido depois disso que, seguindo as indicações que lhe foram dadas, ligou para o 112.

“Como é que o hospital diz que não teve conhecimento [que a grávida estava à porta]? Eu acredito que o CODU de Coimbra tenha tentado ligar para o hospital das Caldas, que inicialmente disseram não estar a conseguir, e depois o CODU de Lisboa informou”, disse, explicando que “o familiar do doente também já tinha tentado fazer a ficha de admissão”, tendo-lhe sido dito que a urgência estava fechada, para ligar para o 112. Depois disso ainda terá havido mais uma insistência do mesmo familiar, sem qualquer sucesso. “Já não é a primeira vez que isto acontece”, remata António Soares.

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Hospital diz que não recusou atendimento

Esta tarde, ao Observador, o Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde (ULS) do Oeste confirmou que a paciente se deslocou ao hospital pelos próprios meios, defendendo, porém, que possivelmente ao verificar o cartaz afixado a dar conta do encerramento terá ligado para o 112 e aguardado no carro. Na versão do hospital é referido que a grávida não tentou a admissão, sendo omissa qualquer referência às supostas tentativas de um familiar para que a utente fosse atendida.

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“Presume-se que a utente tenha ligado para a Linha SNS 24 ou para o 112 [ao ver o cartaz afixado], e que tenha aguardado na viatura respetiva pelas indicações telefónicas”, começa por dizer fonte do hospital, confirmando que foi na sequência de tal ligação que “foram acionados os bombeiros para ir ao encontro da utente”.

“Temos registo que a utente apenas entrou no Hospital às 8h04 de hoje [esta segunda-feira], tendo sido de imediato admitida”, diz o conselho de administração, garantindo que “em momento algum foi recusada a sua admissão, nem temos registo de várias insistências para admissão”.

Segundo a mesma fonte, a utente foi prontamente admitida quando houve conhecimento de que estava a aguardar, tendo a situação “merecido o atendimento necessário”. A terminar é ainda referido que “a maternidade do Hospital de Caldas da Rainha, no dia de ontem [domingo], apesar de não estar a funcionar, atendeu 4 utentes e realizou 2 partos”.

A versão apresentada pelo hospital não é convergente com a de Nelson Cruz, que à CNN Portugal, afirmou que “só após muita insistência” dos bombeiros é que “o hospital lá entendeu permitir que se fizesse a ficha [de admissão] e receber a senhora”. “A senhora depois acabou por ser atendida”, explicou, salientando que o CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) queria que a grávida fosse levada para Coimbra.

O INEM esclarece que, com base nas informações recebidas pelos bombeiros e considerando que a urgência de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital das Caldas da Rainha se encontrava em “contingência de Nível 3”, o CODU “contactou o mesmo hospital para que a utente pudesse ser admitida e avaliada e determinar se existiam condições para o transporte para Coimbra”. Após contacto, a médica obstetra dessa unidade hospitalar concordou em observar a grávida.

“O CODU informou a equipa de bombeiros sobre esta decisão às 7h50. Pelas 8h27, o CODU recebeu um novo contacto dos bombeiros informando que a utente tinha sido admitida”, lê-se na nota do INEM a que o Observador teve acesso.

IGAS anuncia que vai abrir inquérito

A Inspeção Geral das Atividades em Saúde avançou à Rádio Observador que ia, ainda esta segunda-feira, abrir um inquérito — o que já foi feito — ao caso da grávida por considerar que põe “em causa a confiança dos cidadãos”, com os “factos” relatados a serem “bastante impactantes”. Ainda assim, o inspetor-geral António Carapeto salientou que soube do caso através da comunicação social e que é nessa qualidade que será aberto o inquérito.

Ao Observador, o Ministério da Saúde confirmou ter detalhes acerca do caso, mas remeteu para a Unidade Local de Saúde (ULS) do Oeste e para o INEM para mais informações. Em declarações ao Jornal de Notícias, o Ministério tutelado por Ana Paula Martins adiantou ainda que o Governo está a “acompanhar desde a primeira hora o caso”.

Os últimos dias têm sido marcados pelo encerramento de várias urgências de Obstetrícia em todo o país devido à falta de médicos nas escalas. No fim de semana eram mais de 10 as urgências fechadas, esta segunda-feira são cinco, incluindo a do Hospital das Caldas da Rainha.

SNS está a encaminhar grávidas para hospitais privados. Urgências de Obstetrícia estiveram sob pressão mas situação normalizou

No domingo, o fecho das urgências levou Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista, a defender que é “evidente que o Plano de Emergência e Transformação na Saúde da AD está a falhar”. Na rede social X, o líder dos socialistas criticou os “sinais de abertura crescente ao setor privado” em detrimento de uma aposta no “investimento no SNS” e apontou baterias a Luís Montenegro, que se recusou a comentar a situação em que se encontram os hospitais públicos.

“É importante todos termos consciência que o ‘silêncio’ do primeiro-ministro sobre esta matéria não é compatível com a responsabilidade do cargo. Governar é assumir responsabilidades, nos bons e nos maus momentos. Não é apresentar PowerPoints e, quando estes são submetidos ao teste da realidade, ignorar os problemas”, criticou Pedro Nuno Santos. O Ministério da Saúde não comentou as declarações do secretário-geral do PS.

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