Chama-se João Afonso Vasconcelos. No mundo do Esports é “Jafonso”, o nome com que conquistou o título de campeão mundial do jogo “EA Sports FC 24” no torneio anual Esports World Cup, na Arábia Saudita.

Quando terminou a partida da final frente ao brasileiro Gabriel “Young” Freitas, com uma vitória por 6-2 em pouco mais de 20 minutos, encostou a cabeça à secretária e chorou. Segundos depois, chegou o abraço de Armando Vale, o treinador e gestor da equipa Luna Galaxy, que o jovem representou no torneio em Riade. Aos 20 anos, o jogador profissional de Esports da Madeira conquistou o seu maior título da carreira, até ao momento.

“Acho que qualquer jogador como eu tem a ambição de querer ser o melhor e ser campeão do mundo era um objetivo pessoal”, diz ao Observador “Jafonso”. “O sentimento foi o de concretizar um objetivo, e emocionei-me muito, foi uma coisa para a qual trabalhei muito e sei o que significou para mim.”

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Minutos depois, estava a levantar o título perante a plateia do torneio, um evento que só terminará a 25 de agosto. Depois da festa, conta que foi colocar a chave, a sua marca de identificação, “entre as dos outros vencedores. É um ritual sempre que há um campeão neste evento”.

João Vasconcelos a colocar a “chave” triangular no painel dos vencedores.

A Esports World Cup é um torneio global composto por competições de jogos eletrónicos diferentes. Arrancou a 3 de julho e só vai terminar a 25 de agosto — só nessa altura é que João Vasconcelos regressará a Portugal. Ao longo de mais de um mês, os jogadores profissionais de Esports de vários pontos do globo combatem em torneios de alguns dos videojogos mais conhecidos do mundo, como “FC 24”, “Call of Duty” ou “Fortnite”.

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Em cada um dos torneios, são encontrados os campeões, com diferentes prémios consoante o jogo — é usada a expressão “prizepool”. O jovem português arrecadou um prémio de 300 mil dólares (cerca de 271 mil euros) e o rival que derrotou levou para casa 150 mil dólares (135,5 mil euros). O valor total da “prizepool” era de um milhão de dólares a dividir pelos vários participantes.

O prémio pelo título mundial é “sem dúvida” o maior que já conseguiu num torneio, admite João Vasconcelos. Mas não revela se o prémio terá de ser partilhado com o gestor e a respetiva equipa — a Luna Galaxy que pertence ao futebolista português Diogo Jota. Foi o próprio jogador do Manchester United que o convidou para a equipa, o que mereceu a desconfiança sobre a veracidade do contacto por parte dos seus pais.

Agora, fala com orgulho do “seu” jogador e da conquista do fim de semana. O melhor jogador do mundo, refere Jota.

A sua equipa, única representante nacional na competição, ainda vai estar em mais um evento: “PUBG”, de 21 a 25 de agosto.

Treinos diários de várias horas e a preparação para a “constante adaptação”

O jovem português deu nas vistas no mundo do futebol virtual aos 17 anos, quando conquistou a Taça de Portugal pelo Boavista FC. Foi um passo até aos torneios internacionais.

Este não foi o primeiro título conquistado internacionalmente por “Jafonso”: em março, sagrou-se vencedor da eMLS Cup 2024, nos Estados Unidos. Com a equipa Luna Galaxy foi campeão nacional da FPF Taça Master 2024. E representou este ano a Seleção Nacional de futebol virtual na competição eEuro 2024.

As prestações em competição requerem meses de trabalho. “Geralmente costumo jogar algumas horas por dia. Para este torneio na Arábia Saudita comecei por treinar duas horas por dia”, ritmo intensificado antes da viagem, contextualiza o jogador madeirense, que passou a dedicar mais tempo aos Esports durante a pandemia.

O máximo diário das sessões ronda as quatro horas. “Nunca ocupamos mais do que isso, sabemos que não é saudável e tentamos ter o maior dos cuidados com a saúde deles”, refere o seu treinador Armando Vale. As sessões de treino servem, também, para se preparar, ao máximo, para diversos cenários: “para as distrações que podem acontecer”, num evento com público, ou até para algum outro revés durante o jogo, como “uma cadeira que não seja confortável.”

“É uma questão de se estar preparado porque as coisas não correm sempre como queremos”, explica o jogador, que realça a importância de reconhecer que as coisas não são perfeitas e de que tem de haver sempre uma constante adaptação. “Vim com a mentalidade de que não vou ganhar sempre, que não vou ser sempre o melhor e que tenho de estar preparado psicologicamente para isso”.

A vitória neste torneio é “o culminar de um trabalho que começou em setembro do ano passado”, revela ao Observador o gestor de equipa, Armando Vale, que trabalha com “Jafonso” há algum tempo. “Trabalhamos juntos desde o verão de 2021, conheci o João com 16 anos.” É o responsável por um trabalho que requer ajuda e condução dos jogadores durante a competição. Apoio emocional? “Também, muitas vezes somos nós o primeiro impacto” após as partidas. Foi a Armando Vale que “Jafonso” se abraçou assim que o jogo da final terminou.

Um estudante de Economia que às vezes tem de faltar a exames

“Jafonso” é “um profissional”, descreve Armando Vale, que, ao Observador, recorda que o jogador concilia essa atividade com o curso de Economia no ISCTE.

Nem sempre tem sido fácil conjugar os estudos com as competições, admite, por sua vez, o jogador. Recorda o “complicado” que foi fazer o exame de matemática no final do 12.º ano. Ou os exames na faculdade… Está no segundo ano da licenciatura e nem sempre é fácil conciliar. “Eu e a Armando fomos este ano aos EUA [para uma competição] e ainda lá estivemos algum tempo. Nessa altura foi difícil gerir a faculdade. Acho que depende muito da altura, já tive de faltar a exames”, admite.

A ausência de um estatuto que lhe permita conjugar as duas coisas, sem prejuízo para a atividade letiva, “tem vindo a ser uma luta nossa com o gabinete do Desporto de Alto Rendimento”, admite o gestor da equipa. “Temos tentado abrir a porta, juntamente com a Federação Portuguesa de Futebol, para que se consiga atribuir o estatuto [de atleta]”. Até que o consiga, João Afonso Vasconcelos é trabalhador-estudante, para conseguir ter algumas vantagens, explica Armando Vale.

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Apesar do desafio, João Vasconcelos não se considera “mau aluno no curso”. “Acredito que é possível conciliar as duas coisas e acho que até agora tenho conseguido.” Em relação aos professores, já teve de tudo: “Professores que não eram amigáveis e que, por isso, não facilitavam”, mas também houve os que “ajudaram muito”. “Depende das pessoas, percebo os dois lados.”

Os Esports são uma atividade “que ainda não está desenvolvida” em Portugal e “as pessoas ainda não sabem bem o que é”, acrescenta, para mostrar convicção de que é uma questão de tempo “até ser aceite pela grande maioria da sociedade”.

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Por agora, quer continuar a conjugar os dois mundos. “A nível escolar, acabar a licenciatura é o meu principal objetivo.” A nível profissional, o campeão mundial quer manter-se no mundo dos Esports. “Obviamente que quero continuar a jogar por muitos mais anos e acho que é possível fazer carreira e vida disto. É possível em Portugal conseguir fazer vida dos Esports.”