Não há fim à vista na batalha entre a Shein e a Temu, as duas gigantes das compras online a preços baixos. Há mais de um ano que as duas empresas se processam mutuamente na esperança de atrapalhar o negócio alheio, principalmente devido ao mercado dos Estados Unidos. Agora, num novo processo, a Shein alega que a Temu viola questões de propriedade intelectual, queixando-se que a rival estará a copiar artigos e até as fotografias disponíveis no site.
“Uma empresa ilícita assente em contrafação, roubo de segredos de negócio, infrações de direitos de propriedade intelectual e fraude”, diz a Shein sobre a Temu, logo no primeiro parágrafo da queixa que se prolonga por 80 páginas. Estas táticas terão sido usadas para a Temu “se infiltrar no mercado dos EUA.”
Do ponto de vista da acusadora, a rival “nem é realmente uma plataforma de ‘marketplace’”. A Shein argumenta que a empresa “finge ter vendedores independentes” mas que “controla todos os aspetos da atividade de venda”. Por exemplo, será a Temu quem dita os produtos que podem ser vendidos e a que preços, enquanto “encoraja” os vendedores a “infringir os direitos de propriedade intelectual de outros”.
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Ao longo das páginas do processo, há várias referências ao mercado norte-americano, onde ambas as empresas querem liderar. Não é, aliás, inocente a escolha deste país para a apresentação do processo. A Shein alega que a Temu “atrai os consumidores dos EUA para fazer o download da aplicação para smartphone com a promessa de preços extremamente baixos”. Atira a farpa de que a empresa “não está a lucrar com a venda destes produtos, a preços tão baixos que cada venda tem de ser subsidiada, perdendo dinheiro em cada transação”. Uma investigação publicada no ano passado refere que, ao oferecer os portes e preços baixos, a Temu perderá em média 30 dólares por encomenda. Por isso, “só a encorajar os vendedores” a plagiar ideias de terceiros “e a vender produtos contrafeitos ou que não cumprem os critérios exigidos é que a Temu pode esperar minimizar as enormes perdas que está a subsidiar”, acusa a Shein.
A empresa de moda diz que a Temu “já não pode esconder-se na proteção que está a ser dada pela lei dos EUA e que deve ser responsabilizada pela sua participação nesta conduta ilegal”. Logo a seguir, joga com o tema da segurança, uma questão-chave nos EUA, ainda que não seja especificamente sobre a Temu. “A empresa-irmã da Temu na China, a Pinduoduo, já foi considerada repetidamente pelo governo dos EUA como um dos sites mais conhecidos por pirataria e contrafação.”
“A Temu tem usado o mesmo modelo de negócio ilegal para criar uma enorme máquina de contrafação e infrações nos EUA, que tem de ser travada”, remata a Shein.
“A audácia é inacreditável”, diz um porta-voz da Temu em resposta ao contacto do Observador. “A Shein, que está enterrada na sua própria montanha de processos por propriedade intelectual, tem a coragem de fabricar acusações contra outros pela exata má conduta pela qual já foi repetidamente processada.” O Observador contactou a Shein para tentar obter mais informação sobre o processo, até ao momento sem resposta.
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Na resposta, a Temu não confirma nem desmente as acusações, optando por referir-se aos vários processos que visam a Shein. Algumas gigantes do mundo têxtil, como a H&M, a Levis Strauss ou a Uniqlo, processaram a empresa pela cópia do design de produtos, que são vendidos na Shein a preços significativamente mais baixos.
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Além disso, vários criadores de moda e empresas de menores dimensões têm apresentado queixas após verem as suas criações copiadas pela empresa de ultra-fast-fashion. Já este ano, através de uma ação coletiva, o artista Alan Giana e vários outros designers avançaram com um processo contra a Shein por “infrações sistemáticas” dos direitos de propriedade intelectual, criticando o esquema de cópias em “escala industrial”.
O processo apresentado esta semana é apenas mais um capítulo na batalha entre as duas empresas. No ano passado, a Temu acusou a Shein de “táticas mafiosas” para intimidar os fornecedores. A Shein respondeu com um processo, alegando que a rival usou influencers para publicar “declarações falsas e enganadoras” sobre a qualidade dos produtos vendidos pela Shein. Em outubro do ano passado, as duas empresas pareciam ter declarado uma “trégua”, deixando cair os dois processos.
Até que, no fim do ano, a Temu voltou à carga com um processo contra a rival. A resposta da Shein, conhecida por vender principalmente artigos de moda, chegou através deste novo processo.
Um mundo de cópias — de fotografias, produtos e até de etiquetas
Nesta queixa, a Shein não faz referência aos processos de que já foi alvo por cópias de artigos. Descreve-se como uma marca global de moda e produtos de lifestyle online, que “passou anos” a criar a sua marca e o negócio de retalho. Um império que só cresceu “através de trabalho duro e a criatividade de funcionários dedicados”. Puxa também dos galões para dizer que em maio de 2022 foi a “aplicação móvel mais descarregada dos EUA, em qualquer categoria”. Porém, em 2023, vários rankings davam o primeiro lugar de popularidade à rival Temu.
A Shein considera que consegue estar à frente da concorrência através de muitos dados para prever tendências e dar aos clientes vários produtos mais depressa. Em sentido contrário, “os réus são infames infratores que copiaram estrategicamente a marca da Shein para ‘fisgar’ os consumidores”.
Desde que chegou aos Estados Unidos, no outono de 2022, a Temu tem apostado em “oferecer os preços mais baixos que é possível para um leque alargado de bens de consumo”. Só que esta estratégia “tem sido atingida através de qualquer meio”, incluindo o que a Shein alega serem “produtos contrafeitos e a infringir o direito de fotografias para apresentar os produtos, minando negócios legítimos e a concorrência justa”.
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A Shein diz que se sente prejudicada por este comportamento, que terá permitido à Temu chegar a um mercado de 150 a 160 milhões de utilizadores só nos EUA. Ao longo do processo, inclui imagens de produtos que diz estarem à venda na plataforma da Shein e que foram vistos na Temu, em alguns casos com as mesmas fotografias. A Shein considera que, uma vez que fotografa os próprios produtos, não usando fotografias de terceiros, se trata de uma violação da sua propriedade intelectual.
Noutro dos exemplos, mostra imagens de alegados produtos que foram comprados na Temu, mas que chegaram ao consumidor com supostas etiquetas da Shein. Não é apresentado mais contexto sobre as imagens.
Noutra das acusações, a Shein contesta a forma como a Temu terá criado contas nas redes sociais, como o antigo Twitter, onde usaria a imagem da rival para levar mais clientes a instalar a aplicação. Aliás, esta era uma acusação que já constava noutra das queixas.
A retalhista de moda, que nasceu na China mas que mudou a sede para Singapura, queixa-se ainda de um suposto furto de segredos de negócio, feito por um funcionário da Temu. Os “segredos de negócio”, como é referido, incluiriam preços e produtos mais populares da Shein, terão sido usados para alavancar a entrada no mercado norte-americano, “evitando assim a pesquisa e os custos de desenvolvimento”.
Com este processo, a Shein quer que a Temu cesse estas alegadas atividades nos EUA e ainda que “devolva” a informação de negócio que terá sido furtada.