Os dias foram passando, as mensagens à volta do Estádio da Luz foram continuando. A última, colocada esta noite numa ponte da Segunda Circular e rapidamente partilhada em alguns fóruns de adeptos encarnados, tinha apenas uma data, outubro de 2025 – altura das próximas eleições do Benfica. O mercado fechou, com a chegada de um último reforço (o extremo turco Aktürkoglu) e a confirmação das vendas de Marcos Leonardo e João Mário, a questão do treinador continua a ser o principal foco de atenção dos responsáveis do conjunto da Luz, com Rui Costa à cabeça, mas existe também uma turbulência institucional mais visível que poderá ter outra expressão na próxima Assembleia Geral do clube, neste caso extraordinária e com os três únicos pontos ligados à revisão estatutária. Perante isso, a escolha do sucessor de Roger Schmidt ganhava outro “peso”.
Enquanto os advogados de ambas as partes continuavam o seu trabalho para acertar a rescisão do contrato, algo que nos últimos dias prosseguiu sem um consenso que permitisse o anúncio à CMVM da revogação do vínculo do germânico válido até junho de 2026 (como o Observador referiu este sábado, Schmidt não gostou do timing de uma decisão que se fosse tomada no final da última temporada poderia ter outra margem para chegar a um acordo, acreditando que existiram vários fatores para um início de época menos conseguido mas que não tinha colocado nenhum objetivo desportivo em causa), Rui Costa esteve em reflexão para estudar aquele que seria o melhor cenário de sucessão técnica. Apesar do ruído, o presidente dos encarnados foi falando com algumas pessoas próximas mas chamou sempre a si toda a responsabilidade do processo.
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Com o passar dos dias, a ideia inicial acabou por consolidar-se. O Observador sabe que foram sugeridos via agentes alguns nomes de técnicos estrangeiros como alternativas no processo de escolha (alguns com maior currículo do que aquele que Roger Schmidt tinha quando chegou à Luz) mas a prioridade passou sempre pela escolha de um treinador português, recuperando uma espécie de “tradição” desde a passagem de Quique Flores pelos encarnados em 2008/09 que teve como única exceção o alemão que chegou do PSV. Aí, havia algumas possibilidades, com os seus prós e contras, sendo que até esta segunda-feira não tinha sido feito qualquer contacto direto com nenhum desses nomes perante o tal período de reflexão (e o mercado).
Um dos rumores ventilados de forma insistente passava pelo forcing para que Sérgio Conceição, que não iria recusar logo à partida a ideia antes de uma reunião para conhecer o projeto, pudesse assumir o comando do Benfica. No entanto, apesar de conhecer o antigo técnico do FC Porto há três décadas e de elogiar o trabalho que conseguiu fazer ao longo de sete anos no Dragão depois de V. Guimarães, Sp. Braga ou Nantes, Rui Costa nunca ponderou essa possibilidade em termos práticos, sabendo que se tratava do nome mais fraturante entre os adeptos e tendo consciência da necessidade de estabilizar o clube em termos institucionais para recuperar do mau início de época. Leonardo Jardim, outra das hipóteses faladas, também acabou por cair por tudo o que envolveria. Abel Ferreira, bem visto na Luz, continua com a ligação contratual ao Palmeiras.
Houve mais hipóteses faladas na Luz nos últimos dias, casos de Renato Paiva, que passou largos anos como técnico da formação e equipa B no Seixal antes de rumar às Américas (hoje treina os mexicanos do Toluca, onde joga Paulinho), ou Marco Silva, que faz a quarta temporada no Fulham (terceira na Premier League, depois de ter ganho o Championship). O primeiro não foi contactado, o segundo não passou de um mero contacto exploratório que ficou por aí. Pablo Aimar, argentino que passou com sucesso pela Luz e que faz parte da equipa técnica de Scaloni no conjunto principal do campeão do mundo além de orientar a seleção Sub-17, voltou também a ser ventilado como tinha acontecido após a saída de Jorge Jesus e no final da última época caso Schmidt fosse dispensado, mas o contexto não jogava a seu favor pelo risco que também teria.
Entre todos estes rumores e movimentações, Bruno Lage foi ganhando força. Era assim no sábado, dia em que foi comunicada a saída de Roger Schmidt com essa promessa de que a solução seria apresentada até ao regresso aos trabalhos dos encarnados esta sexta-feira tendo em conta a ausência de vários jogadores que estão a representar as respetivas seleções, foi assim nos dias que se seguiram. Se dúvidas ainda existissem, o facto de alguns jogadores campeões com o técnico de 2019 terem defendido publicamente através de jornais desportivos o regresso à Luz, casos de Rafa, João Félix ou Grimaldo, era quase um selo de aprovação numa escolha que se começava a tornar previsível. Foi mesmo, até por ser o nome que tinha mais prós a seu favor.
Além do conhecido benfiquismo, Bruno Lage foi o último treinador a assumir a equipa encarnada a meio da época para ser campeão (neste caso em janeiro, com o Campeonato a iniciar a segunda volta), conhece bem a casa, consegue perceber o atual momento que o clube vive até entre a massa adepta, tem como ponto forte a capacidade de lançar jovens jogadores numa formação com quem mantém sempre ligação próxima – e em Moreira de Cónegos, no seu último jogo, Schmidt lançou pela primeira vez outro jovem talento, João Rêgo – e estava agora sem equipa depois das passagens pelos ingleses do Wolverhampton e pelos brasileiros do Botafogo, o que facilitava também o processo de contratação. Mas havia mais além desses argumentos.
Rui Costa fazia parte da administração da SAD quando o técnico foi escolhido para suceder a Rui Vitória em janeiro de 2019 e também tinha poderes executivos na sociedade quando surgiu a sua dispensa no final de junho de 2020. Aí, ficou sempre com a sensação de que a história podia ter sido diferente. É certo que aquela derrota no Dragão por 3-2 foi um abalo, seguindo-se apenas uma vitória nos cinco encontros seguintes entre a eliminação na Liga Europa diante do Shakhtar. Ainda assim, e numa fase em que já se falava de forma insistente no regresso de Jorge Jesus (como acabou por acontecer), tudo o que aconteceu depois do nulo caseiro com o Tondela no primeiro encontro depois da pausa pela pandemia, a começar pelo vandalismo em casas de jogadores e do próprio técnico (neste caso com “Lage rua” pintado na porta de casa) na noite em que um dos autocarros foi atacado à pedrada provocando ferimentos em Weigl e Zivkovic, não chegou a ser “percebido”, deixando a sensação de que a época podia mudar com outra “estabilidade”.
O próprio Bruno Lage, quando percebeu que estava “fora” depois da derrota no Funchal com o Marítimo (a rescisão foi anunciada umas horas depois), ficou sempre com a sensação de que a sua história no Benfica não tinha chegado ao fim, tratando-se de uma separação e não de um divórcio. Desde que assumiu o comando dos encarnados, cumprindo um objetivo pessoal desde que deu início à carreira de treinador, Lage conheceu o melhor e o pior. Em 2018/19, a partir de janeiro, teve 18 vitórias e apenas um empate no Campeonato até ao título, tornando o Benfica numa máquina de fazer golos e potenciando João Félix para a saída apenas seis meses depois pelo recorde de 126 milhões de euros; em 2019/20, apesar da vantagem de sete/oito pontos e do arranque a todo o gás com 18 vitórias e uma derrota, tudo mudou após o desaire no Dragão, seguindo-se duas vitórias, quatro empates e três derrotas até ao despedimento a quatro rondas do fim.
Só quase um ano e meio depois o técnico voltou a assumir um projeto, neste caso com a missão de render Nuno Espírito Santo no comando do Wolverhampton depois da saída do português para o Tottenham. Nesse período, além de continuar a estudar, como sempre fez, Bruno Lage fez uma reflexão sobre aquilo que não correu bem na parte final da passagem pelo Benfica, aquilo em que se sentiu injustiçado (nomeadamente o facto de nunca ter sido “protegido” perante uma quase pressão que nasceu cedo nessa época para que Jesus voltasse aos encarnados depois do sucesso no Flamengo) e aquilo que podia ter feito de diferente. Agora, regressa com tudo isso presente e com Rui Costa como número 1 da SAD em vez de Luís Filipe Vieira. Por decidir, fica apenas a duração do contrato, que será de dois anos ou de apenas um com opção de renovação por mais um.