O argentino Rodolfo Lohrmann, um dos cinco reclusos que se evadiram este sábado da prisão de Vale de Judeus e que foi em tempos um dos homens mais procurados da América Latina, foi condenado em 2018 pela justiça portuguesa a 18 anos e 10 meses de prisão após dois anos de crimes em Portugal.

Na altura, o homem conhecido como “El Ruso” já trazia um longo historial de criminalidade: era um fugitivo de alto nível na Argentina devido ao rapto do filho de um ex-ministro argentino em 2003 (que terminou sem se saber o que aconteceu ao jovem sequestrado), adotou uma identidade falsa e atravessou o Atlântico em circunstâncias misteriosas, para já na Europa voltar às malhas da justiça. Sob um nome falso, foi preso na Bulgária por roubo e homicídio, mas em 2014 fugiu da prisão búlgara.

Depois dessa fuga, seguiram-se dois anos de práticas criminais em Portugal, sobre as quais o Observador escreveu numa longa reportagem em 2018.

Em Portugal, Lohrmann liderou um grupo criminoso que levou a cabo múltiplos assaltos a bancos e carros. No total, naquele período de dois anos, o grupo terá conseguido roubar 235 mil euros em dinheiro, cinco carros, várias matrículas e documentos. Pelo meio, várias identidades falsas, apartamentos, carros e um plano para assaltar carrinhas de transportes de valores que foi impedido pela Polícia Judiciária.

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Como a PJ apanhou os dois criminosos que a Argentina procurava há 14 anos

Em novembro de 2016, as autoridades portuguesas detiveram Lohrmann (que se apresentou com dois nomes falsos) e os cúmplices, desmantelando o grupo criminoso — mas acreditaram que estavam, na verdade, a deter José Luis Guevara Martinez. Só três meses depois, já no início de 2017, é que a PJ percebeu: aquele latino-americano que tinham detido pelos assaltos a bancos e a carros era, na verdade, um dos homens mais procurados do mundo.

Saiu o “jackpot” à PJ, comentava na altura com o Observador uma fonte próxima do processo. Além de Lohrmann, foi também detido José Horácio Maidana (o braço-direito) e três outros integrantes do grupo.

Em 2016, Lohrmann ainda estava formalmente em parte incerta. Na Bulgária, tinha sido preso sob o nome falso de José Luis Guevara Martinez e cumpria uma pena de prisão por roubo agravado pelo uso de arma e por homicídio. Condenado com esse nome, era também essa a identificação que constava do mandado de detenção europeu e do pedido de extradição emitido pelas autoridades búlgaras após a fuga.

Contudo, para evitar a extradição, Lohrmann deu à polícia portuguesa um segundo nome falso: Luis Grisalez. Até tinha um passaporte falso com esse nome. A primeira camada de identidades falsas, porém, não duraria muito: no dia seguinte, apresentado a um juiz de instrução e avisado de que era obrigado a responder com verdade às questões, revelou que a sua verdadeira identidade era José Luis Guevara Martinez.

Também era mentira. Quase três meses depois, as autoridades portuguesas perceberam que tinham em mãos o homem mais procurado da Argentina: Rodolfo Lohrmann, conhecido como “El Ruso”, que há mais de uma década estava fugido à justiça.

No país-natal, Lohrmann tinha orquestrado o rapto de Christian Schaerer, filho do empresário Pedro Schaerer, que era ex-ministro da Saúde da província argentina de Corrientes — seria ele o alvo do sequestro, mas os criminosos não conseguiram raptar o pai e, por isso, raptaram o filho. O ex-ministro ainda pagou o resgate (cerca de 250 mil euros), mas Christian Schaerer nunca foi devolvido. As autoridades acreditam que o jovem terá sido morto.

Aquele foi apenas o caso mais mediático em que Lohrmann esteve envolvido: “El Ruso” contava com outros casos de rapto e homicídio no cadastro.

Depois do rapto de Christian Schaerer, Rodolfo Lohrmann desapareceu sem deixar rasto. As autoridades argentinas puseram-lhe a cabeça a prémio — a recompensa por informações que levassem à sua captura era de 100 mil dólares — e até chegou a circular a informação de que Lohrmann teria feito uma cirurgia plástica para mudar de aspeto.

O argentino acabaria por chegar à Europa, onde continuou uma vida de criminalidade. Na Bulgária foi preso por roubo à mão armada e homicídio — e foi na prisão búlgara que conheceu um dos elementos do grupo criminoso com que viria a atuar em Portugal. Escapou da cadeia em 2014 e fugiu para Espanha, a partir de onde lançou a onda seguinte de ataques em Portugal.

“Irmã”, “virgindade”, “vacina”. Os códigos usados pelo gang de “El Ruso” em Portugal

Durante cerca de dois anos, Lohrmann liderou o grupo na sua atuação em Portugal. Como o Observador já escreveu, Lohrmann chegou a Portugal em agosto de 2014 e instalou-se num quarto em Santa Iria de Azóia, concelho de Loures, sob um terceiro nome falso: Luis Henrique Garcia Aldana.

A partir dali, liderou um grupo de cinco homens numa série de assaltos a bancos e a stands de automóveis, planeados com bastante pormenor. O grupo visitava as dependências bancárias vários dias antes da data do assalto, estudava as rotinas dos funcionários e tomava nota das horas dos carregamentos de dinheiro.

Um dos elementos do grupo era responsável por roubar os carros, outro por arranjar disfarces e armas. O grupo comunicava essencialmente em pessoa, reunindo-se no apartamento para planear os ataques. Quando era necessário comunicar pela internet, o grupo liderado por Lohrmann usava códigos: “irmã” era uma pessoa próxima, “virgindade” era uma casa de Lohrmann na zona de Mafra, “avó” era uma carrinha de transporte de valores, “amigo” era o próprio Lohrmann, “rapariga” era uma caixa de multibanco e “vacina” era um levantamento de dinheiro numa caixa automática.

O grupo usava um misto de planificação cuidadosa com ataques violentos. Disfarçavam-se com capacetes, perucas e óculos, mas entravam fortemente armados e ameaçavam os funcionários. Todos os carros roubados eram modificados e as matrículas eram alteradas.

Logo em agosto de 2014, foi assim que roubaram quase 50 mil euros de uma dependência do BBVA em Odivelas em plena luz do dia; no ano seguinte, em novembro de 2015, assaltaram um Millenium BCP em Odivelas, aproveitando a saída de uma funcionária de limpeza para entrar, e roubaram mais de 82 mil euros.

Em março de 2016, o alvo foi uma Caixa Geral de Depósitos em Odivelas, que o grupo assaltou com recurso a ameaças de morte contra os funcionários, levando mais de 38 mil euros. Em abril de 2016, o grupo assaltou um Millenium BCP na Guia, em Cascais, com recurso a uma marreta. Lohramann ia armado com uma metralhadora e terá até agredido uma funcionária que estava grávida, levando mais de 62 mil euros.

O grupo estava metodicamente organizado e Lohrmann não viveria sempre em Portugal: dirigia-se ao território nacional por algumas temporadas para executar os crimes. Segundo escreveu na altura o Observador, o grupo transferiu todo o dinheiro roubado para o estrangeiro.

A detenção em Aveiro e o julgamento na prisão de Monsanto

A onda de assaltos chegaria ao fim em novembro de 2016, quando o grupo se moveu para o norte do país com um novo objetivo: assaltar carrinhas de transportes de valores. Por esta altura, a Polícia Judiciária já estava a vigiar os suspeitos e acompanhou os movimentos do grupo, que se instalou num apartamento em Aveiro para planear os ataques. A 16 de novembro, a PJ avançou para o terreno e deteve os suspeitos antes de levarem a cabo o plano de assaltar uma carrinha de valores.

Na sequência da detenção, as autoridades fizeram buscas numa das casas usadas por Lohrmann e encontrou bilhetes de avião e passaportes com identidades falsas.

A sentença foi conhecida em outubro de 2018, numa sessão no Tribunal de Monsanto, em Lisboa. O julgamento devia ter ocorrido no Tribunal de Loures, mas as autoridades decidiram mudar a sessão para Monsanto por questões de segurança: aquelas instalações permitiram levar a cabo as sessões com os arguidos separados dos juízes, dos advogados e do público por barreiras de vidro.

Argentinos procurados na América do Sul condenados a 18 anos de prisão por roubos em Portugal

Lohrmann foi condenado a 18 anos e 10 meses de prisão por ter sido o líder e fundador do grupo criminoso que se dedicava aos assaltos contra bancos. Foi condenado pelos crimes de associação criminosa, furto, roubo, falsas declarações e branqueamento de capitais.

Contudo, chegou a colocar-se a possibilidade de Lohrmann ser extraditado para a Bulgária, onde tinha um processo pendente por roubo e tentativa de homicídio, e para a Argentina, onde o processo relativo ao sequestro do filho do ex-ministro continua pendente.

Lohrmann esteve preso na prisão de alta segurança de Monsanto, mas foi transferido em março deste ano para a cadeia de Vale de Judeus, depois de o Tribunal de Execução de Penas ter considerado que o nível de perigosidade do argentino se tinha reduzido. A decisão foi tomada contra a posição da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.