A Airbus só estava disponível para fazer o negócio de troca de aviões com a TAP em 2015 desde que a operação envolvesse David Neeleman, o empresário norte-americano que estava a negociar a compra da companhia aérea portuguesa.

David Neeleman pediu à Airbus que fornecesse algumas clarificações no que dizia respeito aos direitos da TAP no contrato para a compra de 12 aviões A350 e à natureza do apoio de capital dado pelo fabricante de aviões à empresa DGN, detida pelo empresário americano, tendo em vista a prtivatização e capitalização da companhia portuguesa.

Esses esclarecimentos foram enviados por um alto executivo da Airbus em 15 de setembro de 2015 à DGN e remetidos um mês mais tarde, em outubro, pelo consórcio privado que estava a fechar a compra da TAP à Parpública. Nessa carta era explicada em detalhe a operação que viria a ser conhecida na comissão de inquérito como a dos ‘fundos Airbus’, e continha vários anexos. Toda esta informação foi remetida também aos secretários de Estado do Tesouro e das Infraestruturas que, em outubro de 2015 eram Isabel Castelo Branco e Miguel Pinto Luz, respetivamente.

O esquema financeiro usado pelo acionista privado para realizar a recapitalização da transportadora com fundos avançados pelo fornecedor de aviões voltou a estar no centro da polémica após a recente auditoria da Inspeção-Geral de Finanças. O parlamento voltou a chamar vários ex-responsáveis pela operação para dar explicações.

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Na missiva, o diretor de operações da Airbus, John J. Leahy, confirma o memorando de entendimento fechado com a empresa de David Neeleman para a compra de 53 aviões, incluindo 14 aeronaves A330 Neo, em substituição dos 12 A350 que tinham sido encomendados pela TAP.

Em troca dessa encomenda, a Airbus “comprometeu-se contratualmente a fornecer um avanço substancial de capital para financiar a DGN (empresa de Neeleman)” que estaria “contratualmente obrigada a investir 100% desses fundos através da Atlantic Gateway na TAP”.  Na carta que foi enviada à Parpública e ao Governo português, o diretor da Airbus pede que esta informação não seja divulgada publicamente.

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A missiva, a que o Observador teve agora acesso, acrescenta que os fundos de pouco mais de 200 milhões de euros disponibilizados pela Airbus constituem um crédito financeiro avançado ao abrigo da nova encomenda. E estão “condicionados” à transferência da encomenda feita pela DGN para a TAP e à condição da companhia portuguesa não entrar em incumprimento dos pagamentos devidos ao abrigo do novo contrato.

O diretor da Airbus faz referência à consultora Seabury, contratada por Neeleman, como podendo demonstrar que o valor dos aviões agora comprados pela TAP está em linha com os valores de mercado, tendo por base avaliações feita por terceiras entidades. E excluindo o financiamento avançado pela Airbus ao empresário americano. As contas da consultora usadas pelo empresário americano durante a fase da privatização da TAP terão sido pagas pela transportadora portuguesa mais tarde, um tema que também é tratado na auditoria da IGF.

A Airbus assegurava ainda que os financiamentos que avançou à DGN estão fundamentados no “nosso apoio ao plano de recuperação da DGN para a TAP, incluindo a renovação de frota e a substituição dos A350 pelos A330 e a compra adicional de mais aeronaves A330 e A321”.

O diretor do fabricante europeu deixa claro que toda a esta transação e o dinheiro avançado a Neeleman “dependem e estão justificados pela posição única proporcionada pela DGN e pela dimensão da proposta de compra de novos aviões”. E sublinha que se estivesse em causa apenas o cancelamento da encomenda feita pela TAP dos A350 ou a sua cedência ou uma terceira parte, a Airbus não aceitaria fazer a operação. Isto porque, nos 12 meses anteriores, a TAP enfrentou vários problemas de tesouraria e e esteve várias vezes à beira de incumprir o contrato original de compra dos A350.

“No entanto, tendo em consideração o plano da DGN para a recuperação da TAP, a Airbus trabalhou de boa fé com a TAP para evitar esse default“.

Os esclarecimentos sobre o envolvimento da Airbus na operação financeira de David Neeleman para a TAP em 2015 foram prestados por John Leahy, um diretor histórico conhecido no setor como o “super-vendedor de aviões” que conseguiu colocar o grupo europeu taco a taco na disputa do mercado com o gigante Boeing. Leahy saiu do cargo em 2018.

A carta do diretor da Airbus não é referida na auditoria da Inspeção-Geral de Finanças que, não obstante, reproduz a carta da Atlantic Gateway à Parpública a explicar toda a operação e na qual é feita a referência a vários anexos. O Observador questionou a IGF (e o Ministério das Finanças) sobre se teve acesso à carta durante a realização da auditoria, mas não obteve resposta.

A auditoria da IGF constata que a recapitalização da TAP feita por David Neeleman era a condição do dinheiro emprestado pela Airbus ao empresário americano, de forma a garantir que a companhia portuguesa tivesse capacidade financeira para cumprir os contratos de compra de aviões e pagar os valores devidos ao abrigo do novo contrato.

A IGF considerou que a existência de uma cláusula de penalização por incumprimento dos pagamentos que tinha o mesmo valor da recapitalização feita na TAP podia ser vista como uma espécie de garantia assegurada pela Airbus no sentido de que iria reaver o dinheiro emprestado a David Neeleman. Os contornos desta operação suscitaram dúvidas à IGF face à norma do código das sociedades comerciais que impede as empresas de financiarem o capital que os acionistas injetem nas próprias empresas. O tema está a ser investigado pelo Ministério Público desde 2023.