A audição da secretária do ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerca Sales não terá a presença da comunicação social, que só poderá assistir à audição via canal do Parlamento, confirmou ao Observador o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao caso das gémeas, Rui Paulo Sousa. Os partidos rejeitaram o pedido de Carla Silva para que a audição se realizasse à porta fechada mas chegaram a um consenso de modo a que a audição seja transmitida, embora sem nunca expôr a imagem da ex-secretária — que, segundo a Inspeção Geral das Atividades em Saúde, terá sido a pessoa que contactou o Hospital de Santa Maria para marcar a consulta para as gémeas luso-brasileiras Maîte e Lorena.
Ao início desta tarde, os partidos vão reunir-se para votar uma proposta, antes já consensualizada em reunião de mesa e coordenadores da CPI, “para não ter a imprensa presente na audição e esta só ser transmitida online”. Assim, na sala da Assembleia da República em que decorrer a audição, apenas estarão presentes os deputados, os assessores dos grupos parlamentares e o pessoal de apoio.
“Só se vai ouvir a voz da Dra. Carla Silva, que não será filmada”, sublinha Rui Paulo Sousa. Desta forma, realça, a CPI vai ao encontro do pedido feito por Carla Silva para que a “sua imagem fosse protegida” e não exposta.
Os partidos rejeitaram, na sexta-feira, o pedido de Carla Silva para que a audição decorresse à porta fechada. A ex-secretária de Lacerda Sales escudava-se no direito à “privacidade e salvaguarda dos direitos fundamentais, nomeadamente a sua integridade moral e liberdade de expressão”.
Rui Paulo Sousa sublinha que a CPI não poderia aceitar o pedido porque, nesse caso, a ata da audição nem “sequer ficaria disponível publicamente”, passando uma imagem de secretismo dos trabalhos da comissão — que tenta apurar os contornos da administração do medicamento Zolgensma às duas crianças. Por outro lado, uma audição à porta fechada daria um sinal aos restantes depoentes, que ainda não foram ouvidos pela CPI, de que poderiam depor sem que as informações prestadas fossem tornadas públicas.
Assim, os partidos lançaram várias hipóteses quanto aos moldes em que a audição poderia decorrer (num equilíbrio entre o direito à publicitação da audição e ao pedido feita por Carla Silva para que a sua imagem não fosse exposta), e acabou “por ser consensual entre os partidos” que a audição seria transmitida, embora sem nunca ser mostrada, pela ARTV (a estação de televisão do Parlamento) a imagem de Carla Silva.
Os deputados que integram a CPI vão reunir-se esta quarta-feira, às 14h45, para votar os moldes da audição mas a concordância com o modelo proposto “deverá ser unânime”, diz Rui Paulo Sousa.
Segundo o relatório da Inspeção Geral das Atividades em Saúde, conhecido em abril, foi António Lacerda Sales (então secretário de Estado da Saúde) que pediu à então secretária pessoal, Carla Silva, que recolhesse os dados das gémeas luso-brasilieras, junto do filho do Presidente da República, facultando-lhe o número de telefone de Nuno Rebelo de Sousa para esse efeito.
Depois, e na sequência desse contacto, a funcionária remeteu os dados das duas crianças (nomes, data de nascimento, diagnóstico clínico e informacão das datas de permanência dos pais em Portugal no mês de dezembro) ao Hospital de Santa Maria, assinala o relatório. No dia 20 de novembro, Carla Silva enviou então um email à Diretora do Departamento de Pediatria daquela hospital “a solicitar ajuda para o agendamento de uma consulta e avaliação por neuropediatra”.
Estas conclusão são baseadas no depoimento de Carla Silva, feito aos inspetores da IGAS. Desta forma, esta entidade sublinha que, apesar de Lacerda Sales “negar o seu envolvimento na obtenção de informação sobre as gémeas junto do Dr. Nuno Rebelo de Sousa e posterior encaminhamento para o CHULN” [Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, que integrava o Hospital de Santa Maria] com vista a marcar a consulta para as gémeas luso-brasileiras, “não se descortina como a sua secretária pessoal, atento o seu grau de autonomia, poderia ter tido conhecimento do caso das duas crianças gémeas e da sua informação pessoal, e comunicado com o CHULN, E.P.E., que não fosse através do modo e contactos referidos”.
No entanto, António Lacerda Sales, e no contraditório feito perante os inspetores da IGAS, o ex-secretário de Estado rejeitou que tivesse dado indicação para a marcação da consulta e criticou a inspeção-geral da Saúde por ter dado menos valor à sua palavra do que à da sua secretária pessoal. Lacerda Sales referiu que a ex-secretária já tinha trabalhado no Hospital de Santa Maria e que, por isso, poderia já ter conhecimento do caso.