O presidente do Infarmed, a autoridade nacional do medicamento, confirma que recebeu um email do ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria — para dar início ao processo de disponibilização do medicamento Zolgensma para as gémeas luso-brasileiras Lorena e Maîte — ainda antes de o pedido ser feito pela plataforma informática onde são requeridos os fármacos. Segundo Rui Santos Ivo, ouvido esta terça-feira na Comissão Parlamentar de Inquérito ao alegado favorecimento das crianças, esse procedimento serve para “sinalizar os casos” antes de os mesmos serem submetidos na plataforma informática usada para esse efeito.

Há situações em que há essa sinalização prévia. Nem sempre acontece, mas muitas vezes acontece. Foi o que aconteceu neste caso, através do email [do diretor clínico do Santa Maria], no sentido de poder, caso as situações fossem elegíveis, ser submetidas no programa de acesso precoce da empresa”, disse Rui Santos Ivo, no Parlamento.

O presidente do Infarmed sublinhou que o pedido do ex-diretor clínico do Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte (que abarcava o Hospital de Santa Maria), Luís Pinheiro, foi feito através do centro de informação do medicamento do Infarmed — um procedimento que, segundo Rui Santos Ivo, é “normal”.

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É normal o Infarmed ser questionado através do seu centro de informação do medicamento. Foi através deste departamento que esse email foi encaminhado”, realçou o responsável.

Para além disso, Rui Santos Ivo avançou que Luís Pinheiro também lhe ligou para sinalizar a situação e indicar a intenção de inscrever as gémeas luso-brasileiras no programa de acesso ao medicamento Zolgensma.

Presidente do Infarmed nega que procedimentos não tenham sido respeitados

Segundo o relatório da Inspeção Geral das Atividades em Saúde, os pedidos endereçados pelo Hospital de Santa Maria ao Infarmed para a administração do medicamento Zolgensma às crianças foram feitos, numa primeira fase, através de email, pelo próprio diretor clínico, Luís Pinheiro, e o Infarmed iniciou a avaliação dos mesmos de imediato, sem esperar que fossem inseridos na plataforma onde são remetidos este tipo de pedidos — o SIATS (Sistema de Informação para Avaliação de Tecnologias de Saúde). Desta forma, concluem os inspetores, os pedidos “não seguiram o circuito de aprovação e validação dos pedidos de AUE [Autorização de Utilização Excecional]”.

Rui Santos Ivo voltou a recusar as conclusões da IGAS. “Consideramos que respeitámos os procedimentos. Houve uma desformalização de uma etapa no processo que, no melhor princípio de servir os destinatários, nos levou a permitir que a informação fosse veiculada por email. Depois, todo o processo correu na plataforma”, garantiu o presidente do Infarmed.

Aos deputados, Rui Santos Ivo disse que, além do contacto recebido pelo Hospital de Santa Maria, nunca falou “sobre o processo” com o antigo secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales, com o filho do Presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa, ou com o Ministério da Saúde.

Na audição na Assembleia da República, Rui Santos Ivo confirmou também que o Infarmed recebeu um outro email, encaminhado pela Secretaria Geral do Ministério da Saúde, com informação clínica sobre as crianças — o mesmo email que foi enviado por Nuno Rebelo de Sousa para a Presidência da República, daí para o gabinete do ex-primeiro-ministro António Costa e finalmente para o Ministério da Saúde.

De acordo com Rui Santos Ivo, “é normal” a instituição “receber vários pedidos, inclusivamente da Secretaria Geral [do Ministério da Saúde]. Chegam de instituições públicas, cidadãos”, garantiu.

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O presidente do Infarmed garantiu também que o email com informação das gémeas não teve “influência” na avaliação técnica que foi feita pelo peritos do Infarmed. “A análise não feita por mim mas por peritos do infarmed. A informação foi objeto de um parecer e foi com base nisso que tomámos uma decisão”, detalhou.

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Já que no que diz respeito ao tempo que demorou a avaliação por parte do Infarmed (três dias), depois da introdução do pedido na plataforma informática, Rui Santos Ivo procurar demonstrar, com os dados referentes a 2023, que o curto tempo de espera não foi excecional. “No ano de 2023, tivemos 281 pedidos de AUE [Autorização de Utilização Especial], cerca de 30% foram aprovados em menos de dois dias”, avançou.

Rui Santos Ivo recusou, perante os deputados, que cada tratamento tivesse um custo de dois milhões de euros. “O preço máximo não são os dois milhões de euros a que têm vindo a fazer referência. É um valor substancialmente inferior”, referiu o presidente do Infarmed, confirmando uma informação avançada em dezembro de 2023 por fonte do Infarmed ao Observador. O presidente do Infarmed lembrou que o contrato com farmacêutica Novartis (que produz o Zolgensma) era “baseado na partilha de risco” em função dos resultados, com pagamentos faseados. “O contrato prevê que o pagamento só é feito na totalidade se for feita a avaliação positiva” dos resultados para o doente, acrescentou.

Rui Santos Ivo sublinhou que a administração do Zolgensma era benéfica não só do ponto de vista terapêutico como também do ponto de vista económico. Ainda assim, o presidente do Infarmed admitiu que, na avaliação feito pela autoridade do medicamento, concluiu-se que “a eficácia de longo prazo tem ainda de ser aferida”.