Foi no ano passado que lhe fizeram a proposta. Sem dizer nada à família e aos amigos, Zélia Santos esperou ansiosamente que se tornasse realidade para finalmente poder contar a novidade. Depois de 12 anos no Villa Cipriani, o trabalho compensou e tornou-se, este verão, na primeira mulher a liderar a cozinha de um restaurante do Belmond Reid’s Palace, o hotel mais antigo da Madeira, com mais de 130 anos.
“Disseram-me que iam abrir um restaurante sazonal, de verão, de comida de conforto e que estavam à procura de alguém como eu, com pulso, com responsabilidade, com sensibilidade”, revelou a chef ao Observador, acrescentando ser “um orgulho” e ser uma forma de mostrar que, num mundo da restauração predominantemente masculino, também as mulheres podem ser boas e estar numa posição de poder. “Eu olho à minha volta e penso: ‘afinal nós somos boas, afinal nós conseguimos, afinal nós merecemos, afinal nós conseguimos conciliar toda uma vida e ter uma posição de poder'”, explicou.
Essa posição demorou a ser conquistada. Da cozinha de casa dos pais, onde ajudava a mãe e a avó a preparar a refeição para os seus oito irmãos, Zélia Santos aventurou-se na Escola Profissional de Hotelaria e Turismo da Madeira, onde fez o secundário, mas confessa que nunca viu no mundo da culinária uma primeira opção e um futuro a seguir: “Fui sozinha para lá mas a matemática, gestão e contabilidade eram a minha paixão“.
Já no Reid’s Palace, aos 21 anos estava a trabalhar na cozinha do Les Faunes —restaurante de cozinha francesa entretanto fechado para dar lugar ao William — quando decidiu tirar o curso de técnica de contabilidade. Fez o estágio no hotel mas nunca chegou a seguir a profissão. “Fazia o estágio de contabilidade de manhã aqui no hotel. Às 13h00 saia da contabilidade e entrava às 14h00 na cozinha aqui também no hotel”, explicou. “Depois eu fiz o estágio e ainda cheguei a mandar alguns currículos. Mas nessa altura já estava apaixonada pela cozinha, pela adrenalina, pelo conhecimento, pela curiosidade. Então, disse ‘olha, vou ficar aqui'”. E por lá ficou.
No italiano Villa Cipriani começou como cozinheira de segunda, subiu para primeira e nos últimos anos era já o braço direito do chef. Afirma ser uma pessoa trabalhadora e flexível que nunca estagnou e sempre quis mostrar que sabia fazer mais e melhor. Pronta para o novo cargo, dedicou-se ao longo de mais de meio ano ao Brisa do Mar, o que teve um resultado positivo: o bom feedback que os clientes tanto nacionais como estrangeiros dão.
Agora, terminada a temporada de estreia do novo restaurante, o Brisa do Mar vai fechar a 30 de outubro para se preparar para uma nova vida no próximo ano. Qual é o plano? “Vou de férias”, contou, entre risos.
“Depois das férias vou dar apoio às cozinhas na altura do Natal e do fim de ano. Vamos estar a trabalhar internamente, a ajudar uns aos outros”, explicou. É passada essa fase que o foco no próximo Brisa do Mar se coloca. Sem grandes certezas, revela que se vai aventurar pelo continente e fazer uma pesquisa de terreno a nível nacional: “Está pensada uma viagem para visitar alguns restaurantes mais típicos e também ter algumas bases sobre o que é que se come e o que é que se serve.”
Só depois se irá construir o menu da temporada de 2025. Com foco na herança da cozinha portuguesa, e dando destaque ao marisco e ao peixe, o Brisa do Mar apresenta atualmente uma oferta gastronómica madeirense e portuguesa, influenciada pelo Mediterrâneo, apresentando pratos como a salada de lulas confitadas (24 euros), o ceviche da Madeira (26 euros) ou a açorda de marisco (32 euros). Deste vai ser mantido, para o próximo ano, um prato de assinatura: a perna de pato com cuscus regional (36 euros). “É basicamente é um arroz de pato desconstruído, usando o nosso cuscus regional”, explicou a chef.
Quanto ao que há a melhorar, Zélia Santos afirma que, apesar de, num balanço geral, o feedback dos clientes aos primeiros meses do Brisa do Mar ter sido positivo, quer que o contacto com os clientes seja maior. “Eu gostaria de falar mais com os clientes. Tem acontecido mas não com a frequência que eu gostaria. Quero interagir mais, trazê-los mais para dentro para verem como é que funciona a cozinha”, explicou, acrescentando: “Temos clientes que querem aprender como é que se faz, porque gostam. E ao ter maior disponibilidade também consigo interagir mais com eles e levar-lhes também mais um pouco da experiência gastronómica que têm connosco.”
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