À primeira vista, a expressão “tomei chá no Reid’s” não causa grande impacto. Tomou? Teve de escolher entre preto, verde e infusões? Grande feito nunca antes visto. No entanto, dizê-la — mais ainda, pô-la em prática — equivale a um ponto que pode riscar na lista de clássicos a fazer em vida. Como Paris tem a Torre Eiffel, a Madeira tem esta varanda onde também deve subir se quer ter uma das principais experiências turísticas da ilha.

Escolher a mistura que quer beber é só uma pequena parte da cerimónia que encheu muitos postais enviados da Madeira ao longo de todo o século XX. Nas cadeiras do terraço do Belmond Reid’s Palace, com vista sobre o Atlântico, já se sentaram hóspedes tão ilustres como Winston Churchill, a imperatriz Sissi da Áustria, o rei Umberto de Itália, John Houston, Gregory Peck, George Bernard Shaw e até Fulgencio Batista. Da política, das artes, da realeza de sangue azul ou de Hollywood, todos acertaram o relógio para as cinco da tarde e puderam dizer, poucos minutos depois: “tomei chá no Reid’s”. Tanto que a expressão deu um livro, I Had Tea at Reid’s (da coleção “The Most Famous Hotels in the World”), e a cerimónia continua a atrair hóspedes e não hóspedes (pelo que é necessário marcação, havendo um preço fixo de 34,50 euros por pessoa).

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A famosa varanda onde o chá é servido a partir das três da tarde. Foto: Reid’s Palace

Depois de escolher o chá que pretende entre uma lista com 12 variedades, tantas como as de infusões, não tem de fazer mais nada, só saborear o desfile que os funcionários vestidos de casaca branca vão dispondo sobre a mesa: três andares de sanduíches, miniaturas de bolos tão variadas como coloridas, manteiga, compotas e natas batidas para os scones que virão a seguir, açúcar em torrões e leite que, segundo o livro I Had Tea at Reid’s, deve ser deitado na chávena depois do chá, como sinal de que a porcelana é de boa qualidade e aguenta altas temperaturas.

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Uma parte do menu com sandes e pastelaria variada, dos éclairs ao recheio de camarão. Foto: Ana Dias Ferreira/Observador

Neste caso, a porcelana não só é de boa qualidade como é da marca Wedgwood, que partilha com a maioria dos hóspedes a nacionalidade inglesa. Entre os turistas que ficam no Reid’s, apenas 20 por cento são portugueses, números que o hotel gostaria de mudar, à semelhança do que pretende também a Associação de Promoção da Madeira, que ainda recentemente lançou uma campanha em que três jovens figuras públicas portuguesas (Cláudia Vieira, Lourenço Ortigão e Jéssica Athaíde) descobrem a ilha sob perspetivas diferentes: mar, natureza e lifestyle, contrariando a ideia de que a Madeira só tem cruzeiros e só vale pelo fogo-de-artifício regado a poncha na passagem de ano. A atriz Cláudia Vieira ficou com o roteiro de lifestyle e muito do que se vê no seu vídeo foi filmado, adivinhe onde? No Reid’s.

Um destino que cura e que fez nascer negócios

Reconhecida pelos World Travel Awards, no dia 12 de dezembro de 2015, como o melhor destino insular do mundo, a Madeira desde cedo tem atraído visitantes pelas suas qualidades climatéricas. Postais dos anos 20 reproduzidos nos corredores do Reid’s Palace já prometiam: “no rain, no dust” (nem chuva nem pó), razões por que o hotel começou desde cedo a ser procurado pela aristocracia e os artistas, à semelhança do que acontecia com a Riviera francesa, e se tornou também uma receita para quem tinha uma saúde frágil e podia beneficiar de um clima mais quente.

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Um dos postais dos anos 20.

O próprio William Reid, fundador do hotel, chegou à “ilha da primavera eterna” por conselho médico, em 1836, com 14 anos e cinco libras no bolso. Vindo da Escócia, não demorou até perceber que havia muitos estrangeiros como ele a desembarcarem na ilha e sem terem onde ficar. Depois de trabalhar numa padaria e de se dedicar ao negócio do vinho, começou a alugar casas e quintas que subalugava a famílias do norte da Europa, lançou um império hoteleiro e desenvolveu o projeto de uma vida: ter um grande hotel com o seu nome.

O Reid’s abriu em 1891, faz este ano 125 anos, em cima de um grande rochedo junto ao mar e com a fachada virada para o oceano. Afinal, era por mar que chegavam os visitantes, já que o primeiro aeroporto da Madeira só seria inaugurado em 1964. William Reid não chegou a ver a inauguração da sua obra final — morreu um ano antes — mas hoje é a sua cara que serve de entrada ao novo restaurante William, um dos vários a funcionar no hotel, entretanto adquirido pelo grupo Belmond e aumentado nos anos 60.

No William não há chá mas há por exemplo uma requintada e original infusão de ervas, flores e camarão seco feita em balões de café e que serve de base para um consommé com tataki de bacalhau, ou não estivessem os pratos a cargo do chef consultor (e estrela Michelin) Joachim Koerper, do restaurante Eleven, em Lisboa, e do chef executivo Luís Pestana. O preço médio da refeição ronda os 80 euros e existe dress code onde os ténis e calções ficam de fora — afinal este é um hotel de cinco estrelas e à antiga, onde há uma sala só para bridge, outra só para snooker (o original), e se valsa num grande salão em jantares dançantes com direito a professor. (Ainda segundo o livro I Had Tea at Reid’s, há muitos anos o poeta George Bernard Shaw também teve aulas de tango no hotel e deixou ao professor de dança residente uma fotografia com a legenda: “o único homem que me ensinou alguma coisa”.)

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O salão onde acontecem os jantares dançantes, aos domingos e segundas-feiras. Foto: Reid’s Palace

Um roteiro do Funchal em cinco paragens

A partir do Reid’s chega-se ao centro do Funchal em 15 minutos a pé. E é aí, num grande edifício branco, que fica o Armazém do Mercado, um espaço aberto em 2014 que concentra lojas, restaurantes — não falta uma hamburgueria com pinta –, um atelier para crianças, workshops de cozinha, uma empresa de passeios históricos (os History Tellers) e ainda um Museu do Brinquedo que reúne a coleção do arquiteto José Manuel Borges Pereira — 20 mil brinquedos (expostos estão cerca de 12 mil) divididos por salas, com destaque para os dinky toys (carrinhos em miniatura, às centenas), os soldadinhos de chumbo e os brinquedos portugueses antigos (ou uma vitrina inteiramente dedicada à saga Guerra das Estrelas, para os mais atuais).

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O Armazém do Mercado inclui várias lojas com bom gosto como a Our Studio, que é também um estúdio de design. Foto: Ana Dias Ferreira/Observador

Datado do século XVIII, o edifício tem um aspeto moderno mas não esconde o seu passado, desde logo no nome. É que depois de ter sido, durante muitos anos, uma das maiores fábricas e casas de bordados da Madeira, a Arte Fina, o Armazém do Mercado serviu de facto como armazém do Mercado dos Lavradores, outro ponto imperdível de quem visita a ilha e que fica uns metros ao lado.

Visitar o mercado, a qualquer hora do dia, é encontrar uma festa de cores e cheiros, seja nas flores, nas frutas que os responsáveis de cada banca dão a provar, na cana do açúcar com que quase se tropeça, no piripíri disposto em fios para secar ou nas caixas e caixas de fruta cristalizada que se enfileiram no segundo piso. Mas visitá-lo de manhã é encontrar também o mercado do peixe a funcionar, com o peixe-espada que se come com banana e milho frito nos restaurantes madeirenses disposto sobre gelo, os atuns gigantes a ocuparem bancadas inteiras e os posters com as diversas espécies ilustradas colados nas paredes do edifício dos anos 40, estilo Português Suave.

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O Mercado dos Lavradores é uma festa de cores. Foto: Ana Dias Ferreira/Observador

Ainda no centro do Funchal, mas já em plena frente marítima, é possível chegar ao Monte em apenas 15 minutos, subindo pelo Teleférico os 550 metros de altitude. Não é tão alto como o cume do Pico Ruivo ou do Areeiro, onde há quem madrugue para ver nascer o sol e tire, uma vez na vida, o casaco mais quente do armário, mas é aquilo que se chama a Sintra da Madeira, com a construção e os viadutos a darem lugar a uma vegetação cada vez mais frondosa quanto mais alto se sobe (sendo que a descida pode ser feita nos famosos carros de cesto empurrados, a pique, por rapazes de chapéus redondos de palha, a fazer lembrar os dos gondoleiros de Veneza).

Admirar as alturas é algo que não é complicado na ilha, a questão está mesmo na escolha do ponto de onde o quer fazer. Uma boa opção é juntar duas experiências turísticas e começar uma levada — como se chamam as caminhadas que seguem mini-canais de água na Madeira — desde o Ribeiro Frio até ao Miradouro dos Balcões. São três quilómetros de um percurso acessível e a vista sobre as montanhas e o mar dá grandes panorâmicas para enviar aos amigos. Não tem um chá das cinco servido na varanda, mas também é cinco estrelas.

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A vista do Miradouro dos Balcões. Foto: Ana Dias Ferreira/Observador

O Observador viajou a convite do Belmond Reid’s Palace e da TAP Portugal.