“Afinal, uma vez mais, tínhamos razão”. Apresentado e lido o Orçamento do Estado, é assim que o PCP reage: as críticas que os comunistas vinham antecipando são mais do que justificadas e as suas razões estão plasmadas no documento, pelo que votarão, como era de esperar, contra. E isso separa o PCP de partidos que hesitam em relação ao OE, nomeadamente o PS, que foi alvo atingido pelo secretário-geral do partido, Paulo Raimundo, logo no início do seu discurso na abertura das jornadas parlamentares do PCP.

A colagem do PS à direita foi garantida logo à partida: “É significativo que PSD e CDS continuem a governar e sem nenhuma dificuldade com o Orçamento aprovado pelo anterior Governo”, notou o líder comunista. Depois foi mais longe: “Não deixa de ser curioso que o PS, independentemente do que venha a ser a sua votação final, se identifique com a generalidade da proposta do Orçamento”.

O PS discordará — Pedro Nuno Santos passou, de resto, o fim de semana a assegurar que o Orçamento é “mau” — mas a hesitação dos socialistas, que ainda não anunciaram (e continuam a adiar) uma decisão relativamente ao documento provocou a crítica dos comunistas, que aproveitaram para colocar PS e direita dentro do mesmo saco. Também Chega e Iniciativa Liberal, acrescentou Raimundo, têm feito “voz grossa” e “aumentado decibéis” para fingir que há diferenças que “não existem”.

Conclusão: só o PCP disse claramente que “não alimentava ilusões ou falsas esperanças” sobre este Governo e este Orçamento, que para lá das “manobras da distração” acaba, mais uma vez, por se aproximar do PS, versão maioria absoluta: “Prossegue e aprofunda ainda mais a política do governo anterior, de maioria absoluta do PS, política ao serviço dos grupos económicos e financeiros, que agrava as condições de vida, que aprofunda injustiças e desigualdades”.

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Dito isto, e contra quem “quer continuar a discutir tudo e mais alguma coisa menos o OE”, Raimundo começou a dissecar o documento. Por um lado, quis criticar a “propaganda” e sobretudo a “hipervalorização” de medidas que, insistiu, o Governo é “obrigado” a tomar graças à luta dos trabalhadores — numa referência aos aumentos que o Governo tem decidido em negociação com várias carreiras da Função Pública ou ao aumento do Complemento Solidário para Idosos — e que são, ainda assim, medidas “limitadas”. A esquerda tem, de resto, feito questão de tentar explicar que não são essas medidas, com as quais em princípio concorda, que definem o Orçamento ou que representam os maiores investimentos previstos no documento.

Outras “ilusões” são encontradas pelo PCP nas medidas anunciadas “para parecer o que não são” no Orçamento para a Saúde, Habitação ou impostos. Mas também na ideia de que “não havendo Orçamento o que nos resta é uma instabilidade caótica” e de que não haverá uma alternativa a esta política — o que, aos olhos dos comunistas, “tem contribuído para instalar e cimentar a ideia da inevitabilidade”. Ora a instabilidade já existe, mas, como o PCP diz e repete, essa instabilidade não é política — é a que “deteriora as condições de vida do povo”.

Ainda na reação ao documento, Raimundo acusou o Governo de “bloquear o aumento dos salários” e das reformas, canalizar investimento para grupos privados da Saúde e caminhar para a sua “privatização”, manter os problemas no acesso à Habitação enquanto mantém “inaceitáveis favorecimentos à banca e fundos imobiliários”, deixar milhares de crianças de fora das creches gratuitas, insistir nos “crimes económicos das privatizações” na TAP e na RTP ou “aprofundar a injustiça fiscal” com benefícios para as maiores empresas.

“Estão de facto as medidas que servem aos grupos económicos e financeiros, medidas a que nem Chega, nem a IL, nem tampouco o PS, se opõem”, atirou Raimundo. “O facto de este ser um Orçamento desejado pelo grande capital garante-lhe que, para lá do Governo, outros se mostrem disponíveis para o aprovar. Da parte do PCP votaremos contra“, confirmou.

“Votaremos contra porque nos opomos a este Governo e à política de direita. E votaremos contra porque sabemos que há alternativa”. Na alternativa que descreveu, incluem-se o aumento de salários, o aumento da produção nacional, a gestão “equilibrada” das contas públicas, a “tributação do grande capital” e uma aposta no crescimento do país.

Também nesta sessão de abertura a líder parlamentar, Paula Santos, concordou que este Orçamento confirma “o pior“, por “não ter limites” no favorecimento dos grupos económicos e não dar resposta aos problemas “dos trabalhadores e do povo”. E insistiu que tem havido uma série de “pretextos” e “aspetos laterais” para evitar discutir as falhas do documento.

“Têm centrado a discussão em aspetos laterais, se é ou não aprovado, as reuniões que se realizaram ou não, compromissos que foram ou não assumidos, para ocultar o que é central, as opções políticas que o Governo pretende prosseguir” — e que, para a líder da bancada comunista, independentemente do “ruído” ou de discordâncias “simuladas“, conta com a concordância de PS, IL e Chega, mais uma vez postos no mesmo saco.

“O Governo PSD/CDS e quem der respaldo a este Orçamento do Estado, que aprofunda injustiças e desigualdades, que mantém baixos salários e reformas, que degrada serviços públicos, que compromete o desenvolvimento do País, não deixarão de ser responsabilizados”, avisou.