Sem perspetivas de estabilidade, a sucessão de vínculos precários é o destino expectável para muitos investigadores que esta quarta-feira marcharam em Lisboa contra a precariedade no setor, num protesto que juntou centenas de pessoas.

“Alexandre, escuta, precários estão em luta”, “Queremos estabilidade como outros profissionais”, “Na academia, mais democracia”: estas e outras palavras de ordem ecoaram desde o Ministério da Educação, Ciência e Inovação até à Assembleia da República, numa marcha que se prolongou por cerca de duas horas.

O trabalho científico em Portugal é assegurado maioritariamente por investigadores com bolsa ou com contrato de trabalho a termo e foi contra essa realidade que algumas centenas de investigadores rumaram a Lisboa.

Ana Patrícia Veloso é um desses exemplos. Começou este ano o doutoramento em Geografia e é na carreira científica que se imagina, mas admite que as perspetivas não são otimistas, sobretudo quando olha para os colegas que estão em situações semelhantes há mais tempo.

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“Infelizmente, em Portugal a situação das carreiras de investigação é muito precária e foi isso que me trouxe aqui, a pensar no meu futuro e no futuro da ciência”, disse à Lusa, acrescentando que quer contribuir para a ciência, mas o que vê à sua espera “são bolsas atrás de bolsas”.

O protesto foi promovido por várias estruturas, incluindo Sindicato Nacional do Ensino Superior (Snesup), Federação Nacional dos Professores (Fenprof), Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia, Organização dos Trabalhadores Científicos, Associação dos Bolseiros de Investigação Científica e Associação de Combate à Precariedade — Precários Inflexíveis.

Pelo SNESup, José Moreira lembra que 85% dos trabalhadores na ciência têm vínculos precários, apesar de, em determinados momentos, a sociedade não hesitar em aplaudir o seu trabalho.

“Ainda haver pessoas que pensam que a ciência só avança em condições precárias, ou seja, que os investigadores só investigam bem se de dois em dois anos tiverem de procurar um novo projeto que justifique a sua contratação, do ponto de vista humano e ético não é razoável”, sublinhou o presidente do sindicado.

Sobre esta visão, a líder do BE, Mariana Mortágua, que se juntou ao protesto à chegada à Assembleia da República, considerou que “é ver o mundo às avessas”.

“A melhor coisa que podemos dizer para o bem da investigação em Portugal é dizer aos investigadores que estejam descansados porque têm os direitos laborais reconhecidos”, sublinhou.

Rafael Almeida foi outro dos investigadores precários que marcou presença na manifestação. Bolseiro de doutoramento na área da Física, queixa-se de falta de proteção na sua situação laboral.

“Olhando para o que vem daqui para a frente, em pós doutoramentos e em investigação, as oportunidades de carreira são fracas“, lamentou, considerando que “é muito mais difícil permanecer na investigação do que fugir para o mercado de trabalho”.

A falta de investimento na ciência foi outros dos pontos de contestação, com críticas às verbas previstas para o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) e reivindicações para que o executivo reserve 3% do PIB para o setor, em linha com as recomendações internacionais.

O Governo não está a mostrar vontade de resolver até ao momento e é preciso que a Assembleia da República dê um sinal. O sinal é, desde já, no Orçamento do Estado inscrever as verbas necessárias”, defendeu Tiago Dias, dirigente sindical da Fenprof.

Por outro lado, Tiago Dias sublinhou que o novo Estatuto da Carreira de Investigação Científica, com que o ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, tem acenado para combater a precariedade laboral no setor, não responde ao problema.

“Pessoas 10, 20 e 30 anos no sistema, a desenvolver trabalho, funções permanentes que fazem falta às instituições e que têm levado a ciência para a frente em Portugal, são precárias. Em nenhum setor do país se trabalha com este nível de precariedade”, acrescentou.

O apelo aos deputados da Assembleia da República foi também respondido por Paula Santos, do PCP, que esteve presente no final do protesto, deixando igualmente críticas à proposta de OE2025, que diz ficar “muito aquém” das necessidades do setor.

Também o Livre, representado pelo porta-voz Rui Tavares, manifestou solidariedade para com os investigadores científicos, sublinhando que “só vêm cérebros que estão no estrangeiro se virem que os cérebros que temos neste momento na academia e na ciência estão a ser tratados com merecem e, infelizmente, neste momento não estão”.