Numa audição que se dividiu entre momentos tensos e outros peculiares, o ex-assessor do Presidente da República para a área da saúde negou ter-se reunido com o ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales para falar sobre o caso das gémeas luso-brasileiras, embora tenha admitido que se reunia com o governante ocasionalmente para tratar de outros temas. Mário Pinto garantiu não ter tido nenhum envolvimento no caso do alegado favorecimento às gémeas Maîte e Lorena, mas revelou ter facilitado a marcação de consultas e a realização de tratamentos a funcionários ou familiares de funcionários da Presidência da República enquanto exerceu funções em Belém, até 2021.

Questionado por vários grupos parlamentares, na Comissão de Inquérito ao caso das gémeas, o médico negou “redondamente” ter falado com Lacerda Sales sobre o caso. “Nego isso redondamente. Ele sabe que não falámos disso, porque eu não sabia, não conhecia [o caso]”, disse, acrescentando só ter sabido da situação das gémeas pela comunicação social, no final do ano passado.

Conversa com Sales sobre gémeas: “Não foi bonito ter dito isso”

O ex-assessor de Marcelo Rebelo de Sousa para a área da saúde admitiu, no entanto, ter tido várias reuniões de trabalho com o ex-secretário de Estado da Saúde. Mário sublinhou que esses encontros “não eram frequentes” e ocorriam de “de dois em dois meses”. “Eram relacionadas com as questões de saúde do momento, sobre as urgências ou os atrasos das cirurgias, por exemplo”, explicou Mário Pinto, deixando críticas a Lacerda Sales, uma vez que o ex-secretário de Estado disse à Inspeção Geral das Atividades em Saúde que o tema das gémeas poderá ter sido abordado numa reunião com Mário Pinto.

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“O Dr. Lacerda Sales não disse a verdade sobre este assunto. Temos uma relação estreita e não foi bonito ter dito isso”, atirou Mário Pinto, num dos momentos mais tensos da audição. O ex-assessor de Marcelo Rebelo de Sousa estava a ser questionado pelo deputado do PSD António Rodrigues sobre este assunto quando se irritou não só com António Rodrigues mas também com o deputado do CDS-PP João Almeida, que estaria a fazer comentários enquanto falava.

“É bom que não diga nada, está aí a dizer palavrinhas. Eu sou do Norte e estou aqui para dizer a verdade e não deixar que alterem a verdade. Cautela”, avisou Mário Pinto, o que levou à intervenção do presidente da CPI, Rui Paulo Sousa. “Não estamos a colocar em causa a sua palavra”, disse depois António Rodrigues, do PSD. “Nem lhe admito que ponha”, respondeu Mário Pinto a António Rodrigues. “Não me enrolem, que eu não gosto de ser enrolado”, alertou o ex-assessor de Marcelo.

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Reuniões com membros do Governo eram marcadas por sua iniciativa, disse Mário Pinto

O médico explicou que, enquanto exerceu funções em Belém, tinha liberdade para reunir com quem quisesse, sem coordenar as posições com Marcelo Rebelo de Sousa. E revelou que se reunia com membros do Governo por sua iniciativa. “A iniciativa [de reunir com os membros do governo] era muitas vezes minha”, admitiu Mário Pinto, explicando que “dava conta por escrito ao chefe da Casa Civil” do conteúdo dessas reuniões. Segundo explicou, cabia-lhe a tarefa de fazer a ligação entre a Presidência e “a área da saúde do governo”. Questionado pelo PSD, o ex-assessor garantiu que nunca lidou com processos individuais — apenas com “estratégias de saúde”.

Em relação ao caso das gémeas, garantiu que não teve qualquer envolvimento no caso. “Não tenho nada a ver com o assunto, nunca fui ouvido. Nunca me foi pedido nada, não conheço os interlocutores”, referiu Mário Pinto.

Outros dos momentos mais peculiares da audição aconteceu quando o ex-assessor de Marcelo revelou ter marcado uma consulta para uma funcionária da Presidência da República a quem tinha sido diagnosticada uma doença oncológica — um procedimento irregular e que viola as regras de referenciação para consulta de especialidade previstas na lei, as mesmas que não terão sido respeitadas no caso das gémeas. “Marquei uma consulta para uma funcionária que tinha um cancro da mama e quis ajudá-la a resolver isso. Ela depois faleceu e eu fiz bem”, disse Mário Pinto, questionado pelo deputado do PS João Paulo Correia sobre se era frequente a Presidência da República promover a marcação de consultas e se marcara alguma consulta enquanto foi assessor em Belém. No entanto, Mário Pinto disse não se lembrar em que hospital foi marcada essa consulta.

Mário Pinto agilizou também um tratamento para um familiar de uma funcionária de Belém

Mais tarde revelou ainda, em resposta à deputada do Chega Cristina Rodrigues, que agilizou também o tratamento de uma outra pessoa. “Um caso em que interferi foi o caso de um sogro de uma funcionária que tinha um problema grave no pâncreas e eu arranjei maneira de ele ser tratado”, disse o ex-assessor de Marcelo Rebelo de Sousa, explicando que a Presidência da República “é um local de muitos segredos”, algo que considera “normal”. “O que se fazia lá não era para divulgar. E não estou habituado a ter segredos”, disse o ex-assessor de Marcelo Rebelo de Sousa, em resposta ao deputado do PS João Paulo Correia, reconhecendo que muitos assuntos da Presidência da República lhe “passavam ao lado”.

“Qualquer assunto que parecia mais importante, mandavam-lhe a ela [Maria João Ruela]. Eu levantei esse assunto na Presidência da República em tempos e houve uma fricção entre mim e Maria João Ruela. Havia coisas que eu não sabia, como Maria João Ruela apanhar estes casos que deveriam ser meus”, salientou, após ser questionado pela deputada Chega Cristina Rodrigues.

Sobre esta distribuição de casos na Presidência da República, o ex-consultor disse à deputada do Bloco de Esquerda Joana Mortágua que se preocupou no início do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa e depois deixou de se preocupar.

O comboio às 19h e a falta de almoço: os momentos caricatos da audição

A audição de Mário Pinto durou pouco mais de uma hora e terminou às 15h30 desta sexta-feira — muito antes das 19h, hora a que o ex-assessor de Marcelo Rebelo de Sousa disse aos deputados ter agendada viagem num comboio em direção ao norte do país. “Às sete horas [19h] tenho comboio para apanhar e fica à vossa responsabilidade se perder o comboio“, disse Mário Pinto no início da audição, arrancando gargalhadas aos deputados. De seguida, o presidente da CPI, Rui Paulo Sousa, garantiu ao ex-assessor de Marcelo que a audição não se iria estender a ponto de o depoente não conseguir viajar.

Outro momento caricato, trazido por Mário Pinto, foi o da alimentação, quando explicou aos deputados que ainda não tinha almoçado e criticou a hora de início da audição — marcada para as 14 horas. “Vocês têm a barriguinha cheia e eu, para chegar aqui a horas, eu não tenho. Não almocei. Gostaria que, enquanto diabético, respeitassem um cidadão português”, pediu, o que levou Rui Paulo Sousa a propor a interrupção dos trabalhos para que Mário Pinto se pudesse alimentar — o que o ex-assessor de Marcelo recusou.

Empresário José Magro garante que só tentou obter contacto da médica Teresa Moreno

Ouvido também esta tarde na CPI ao caso das gémeas, o empresário José Magro disse que não marcou qualquer consulta para as gémeas luso-brasileiras tratadas com um dos medicamentos mais caros do mundo e que a sua intervenção foi apenas pedir o contacto da médica Teresa Moreno.

Logo na sua intervenção inicial, o empresário disse que tomou conhecimento do caso a 8 de outubro de 2019, quando foi contactado por Eduardo Migliorelli, um cidadão brasileiro seu conhecido, que lhe pediu o contacto dos médicos Teresa Moreno e José Pedro Vieira, que trabalhavam no Hospital Lusíadas, em Lisboa. Na sequência desse pedido, contactou Victor Almeida, à época diretor comercial dos Lusíadas Saúde e com quem tenha “uma relação próxima”. Nos dias seguintes, teve conhecimento de que Nuno Rebelo de Sousa também pretendia o contacto da neuropediatra.

“Procurei ajudar apenas a conseguir o contacto de uma médica. Fi-lo independentemente de quem me pediu, fi-lo por dever de cidadania, por sentido de humanidade e porque também sou pai e porque percebo a situação de angústia em que a família das gémeas estaria”, justificou José Magro.

José Magro indicou também que, como a 15 de outubro ainda não tinham obtido o contacto, sugeriu ao filho do Presidente da República que fosse enviado um email para Victor Almeida a mencionar o caso e o interesse em contactar a médica Teresa Moreno, e que pediu que o seu endereço de email estivesse em conhecimento para poder acompanhar a evolução do pedido. Mas não soube responder se foi Nuno Rebelo de Sousa que transmitiu isso à mãe das gémeas.

Nuno Rebelo de Sousa disse que ia “resolver de outra forma”, quando já tinha contactado a Presidência

O consultor José Magro revela que, a 22 de outubro de 2019, o filho do Presidente da República lhe disse que já não era necessário continuar a tentar obter o contacto da médica neuropediatra Teresa Moreno e que ia “resolver de outra forma” a situação. No dia anterior, Nuno Rebelo de Sousa contactou a Presidência da República expondo o caso das gémeas. “A partir daí, esgotou-se a minha intervenção no caso”, indicou, salientando que nunca pediu a marcação nem a desmarcação da consulta que esteve inicialmente marcada nos Lusíadas e a sua intervenção no caso passou apenas por pedir o contacto da médica Teresa Moreno.

O gestor disse também que nunca teve qualquer contacto com o Presidente da República ou qualquer membro da sua Casa Civil, nem com nenhum membro do Governo ou os hospitais Santa Maria e Dona Estefânia. O consultor empresarial lembrou ainda que foi vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira entre 2015 e março de 2019, e que foi no “desempenho dessas funções e por causa do desempenho dessas funções” que conheceu Eduardo Migliorelli, Victor Almeida e Nuno Rebelo de Sousa.

José Magro indicou que desde que deixou as funções na câmara de comércio encontra-se “raramente” com o filho do Presidente da República, com quem tem uma “relação cordial”.

Questionado pelos deputados, José Magro disse que nunca falou com a mãe das meninas, nem conhece ninguém da família. Também não conhece a companheira de Nuno Rebelo de Sousa, Juliana Drummond, ou a neuropediatra e não sabia que Teresa Moreno trabalhava no Hospital de Santa Maria.