Foi há três anos que a atriz e apresentadora de televisão Elisa Mouliaá diz ter sido vivido um episódio de assédio sexual por parte do deputado e porta-voz do grupo parlamentar do Sumar, Íñigo Errejón. A queixa formal foi apresentada oficialmente pela espanhola apenas na passada quinta-feira e, nesse mesmo dia, um dos políticos mais emblemáticos da extrema esquerda em Espanha apresentou a demissão, depois de uma investigação interna do próprio partido, paralela à das autoridades que, segundo escreve o El País, já remeteram o testemunho de Errejón ao tribunal competente.

O caso abalou de tal forma a política espanhola, que o próprio presidente do Governo, Pedro Sanchéz, condenou a situação e reforçou a confiança na líder do partido Sumar, Yolanda Díaz, parceira de coligação à esquerda. Afinal, Íñigo Errejón era um dos grandes defensores dos direitos das mulheres, porta-voz pela igualdade, que se batia contra várias causas femininas e um combatente da violência doméstica. Mas, agora, o próprio já admitiu e pediu desculpa pela sua conduta machista. E não foi apenas no caso de Elisa Mouliaá, que apresentou queixa. Há mais oito mulheres a acusá-lo.

De acordo com a queixa da atriz e apresentadora, que desencadeou todo este processo, tudo aconteceu numa noite de setembro de 2021. Elisa foi à apresentação de um livro que Errejón tinha lançado. No final, convidou o político de 40 anos para ir a uma festa num apartamento em Madrid. Já no edifício, no elevador, o político terá agarrado a atriz e apresentadora “com força pela cintura” e, sem o seu consentimento, terá “introduzido a língua na sua boca de forma violenta, deixando-a sem fôlego”.

Ainda assim, continuaram juntos. Já na festa, atriz e político terão dançado, conversado e consumido bebidas alcoólicas, lê-se no testemunho a que o jornal espanhol teve acesso. A certo momento, Elisa Moulinaá falou com um amigo, algo que deverá ter provocado ciúmes no político, segundo conta a atriz, uma vez que Errejón “a agarrou pelo braço e a levou à força para um quarto da casa”.

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Depois de entrar nessa divisão, Errejón “trancou a porta”, evitando uma possível fuga da atriz, e começou “a beijar e tocar em diferentes partes do corpo, especialmente nas mamas e nádegas sem consentimento”, lê-se na queixa de Elisa Moulinaá a que o El País acedeu. Depois de a empurrar para a cama, numa tentativa de ter relações sexuais, a atriz confrontou o político, dizendo-lhe que queria voltar para a festa.

Errejón acedeu ao pedido na condição de saírem do local dali a 20 minutos e irem para a sua casa, proposta que a atriz aceitou porque “a sua intenção era que tudo o que estava a acontecer terminasse o mais depressa possível”, é relatado na denúncia.

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Já a caminho da casa do político, a atriz recebeu uma chamada do pai, que lhe disse que a sua filha estava com febre, mas ainda assim Errejón seguiu caminho. Na sua casa tentou, uma vez mais, iniciar relações sexuais com a atriz, mas a certo momento Elisa Mouliaá confrontou-o, dizendo que estava a sentir-se “muito desconfortável”, que estava preocupada com a filha e que toda a situação lhe parecia “muito violenta”. Só aí o político parou, tendo depois pedido desculpa e dito que “talvez estivesse a ficar confuso por causa da sua posição política”, detalhou mais tarde a atriz em declarações ao elDiario.es.

Esta sexta-feira de manhã, a Brigada de Polícia Judiciária remeteu para o 47.º Tribunal de Instrução de Madrid a queixa que estava em sua posse, sem esperar pelo depoimento de Errejón.

Errejón reconhece ter cometido “erros”

No mesmo dia em que a atriz avançou com a queixa às autoridades, Íñigo Errejón — que foi co-fundador do partido Podemos e em 2019 formou o Más Madrid (que faz parte do Sumar) — anunciou que se tinha demitido de porta-voz do grupo parlamentar e que ia também deixar a vida política após 10 anos.

Num comunicado publicado nas redes sociais, o político reconhece ter cometido “erros” e admite que “atingiu o limite da contradição entre caráter e pessoa”. “Termino a etapa mais importante da minha vida”, lê-se na publicação. Além disso, sem o reconhecer claramente, Errejón dá ainda a entender que teve um comportamento “tóxico” e patriarcal.

Elisa Mouliaá foi a primeira a apresentar queixa contra Errejón, mas não foi a única. De acordo com a jornalista Cristina Fallarás, pelo menos oito mulheres relataram entretanto episódios de abuso de poder e maus tratos psicológicos por parte de Errejón.

A atriz disse depois à rádio SER que, quando tudo aconteceu, em 2021, não quis denunciar “por medo, por causa de quem era Errejón, e por causa do poder da política”, tendo receio que a sua carreira fosse prejudicada.

Denúncia no Instagram levou a investigação no partido

De acordo com o El País, o Sumar iniciou um processo recolha de informação sobre as declarações feitas acerca de Íñigo Errejón na terça-feira, inclusivamente aquelas que foram feitas nas redes sociais.

Isto porque, apesar de a demissão do político só ter ocorrido quinta-feira, as notícias já tinha sido conhecidas dois dias antes, quando a jornalista Cristina Fallará partilhou testemunhos anónimos de uma agressão sexual praticada por alguém que se identificava como feminista. Apesar de a publicação não referir o nome do então deputado abertamente, apresentava informações concretas, como por exemplo o facto de ser “um deputado de Madrid”.

“Como resultado do processo [de recolha de informação], hoje [quinta-feira], Íñigo Errejón está a abandonar todos os seus cargos”, explicou a líder do Sumar Yolanda Díaz na rede social X. A segunda vice-presidente e Ministra do Trabalho sublinhou que o “compromisso” do partido “contra o machismo e a favor de uma sociedade feminista é firme e sem exceções”.

De acordo com a responsável pela comunicação do partido Sumar, Errejón “reconheceu ter tido um comportamento machista”. “Reconheceu factos que são moralmente condenáveis, factos que não correspondem de forma alguma ao padrão de exemplaridade feminista, que deve ser exigido a qualquer cargo político, a qualquer cargo público, mas particularmente a um cargo político de esquerda”, disse Elizabeth Duval à rádio SER.

Também o chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez, se manifestou, na rede social X, sobre a acusação e a demissão de Íñigo Errejón: “O governo está a trabalhar para uma Espanha feminista, onde as mulheres tenham os mesmos direitos, as mesmas oportunidades e a mesma liberdade e segurança que os homens.”

“Toda a minha condenação àqueles que atacam este projeto de igualdade. Todo o meu apoio às mulheres que sofrem assédio e abuso. E toda a minha confiança na vice-presidente Yolanda Diaz e no partido Sumar, organização que fez e faz muito pelo progresso das mulheres”, lê-se ainda.