Poucos países europeus sofreram tantos choques e crises como Portugal nas duas últimas décadas e meia. “Tivemos um curso intensivo de destruição e reações a choques nesses últimos 25 anos. E foi uma destruição criativa?” A pergunta de Pedro Siza Vieira marcou a intervenção do ex-ministro da Economia no congresso das agências portuguesas de viagens, onde aproveitou para deixar algumas dicas ao seu sucessor na pasta que ouvia na plateia, Pedro Reis.
“A mais importante tarefa do ministro da economia é ‘chagar’ o juízo aos colegas do governo que têm pastas fundamentais para as empresas, sobretudo o ambiente, infraestruturas, educação e ciência”. Deve ter a função “de provedor das empresas junto de quem tem as pastas críticas”, defendeu.
Com um ponto de partida longo — «O que eu acho que vai acontecer daqui a um mês, porque acho que isso é importante, e como eu olho para o futuro próximo do meu País” — Siza Vieira começou por desvalorizar a relevância no curto prazo do Orçamento do Estado para 2025, cuja aprovação está garantida.
Até porque, defende, “não é na política orçamental que devemos encontrar a chave para o desenvolvimento”, porque a margem de manobra dos governos é muito reduzida. Pedro Siza Vieira, que ocupou a pasta da Economia entre 2018 e janeiro de 2022, “vê com alguma graça as críticas da oposição” à proposta orçamental da AD porque são as mesmas que foram feitas aos orçamentos socialistas. E as respostas também não diferem. Remetem para as regras europeias e atribuem a maior carga fiscal à subida dos salários e contribuições sociais.
Correndo o risco de ser “impopular”, o ex-ministro proclama que, ao contrário do que muitos dizem, a “carga fiscal portuguesa está abaixo da média europeia. Pagamos menos, ganhamos menos, mas em proporção pagamos menos. A despesa pública é menor”. Para Siza Vieira, o “crescimento depende de que o que fazemos em cada uma das nossas empresas seja de valor acrescentado elevado”, o que passa por vender mais caro o que produzimos.
Fazendo uma viagem pela evolução da economia portuguesa e pelos choques que tiveram custos “elevadíssimos para as empresas e famílias”, com a destruição de poupanças e custo para os contribuintes “que tiveram que suportar com as crise do BES, da Portugal Telecom e do Banif”, Siza Vieira defende que a economia portuguesa está mais bem preparada para aproveitar as oportunidades da reorganização da economia mundial no pós-globalização.
Para além da qualificação, o ex-ministro aponta para os setores que viviam do mercado interno e das rendas — construção, serviços financeiros, telecom, energia — que perderam peso na produção de riqueza para setores exportadores como têxteis de alto valor acrescentado, o automóvel e as maquinarias industriais. E conclui que a “destruição de riqueza” gerada pelos tais choques sucessivos — globalização, alargamento da UE a leste, crises financeiras e Covid-19 foi criadora.
Numa plateia recheada de operadores turísticos — o congresso da associação das agências de viagens realizou-se na cidade espanhola de Huelva — o ex-ministro da Economia também destacou o setor como um dos ganhadores do ciclo que, com relativamente poucos recursos conseguiu promover Portugal em mercados diferenciados. “Em 15 anos o setor mudou radicalmente”.
E se hoje Portugal tem uma economia menos endividada e mais exportadora, Siza Vieira aponta ainda um outro trunfo. “Somos uma economia extremamente competitiva e aberta. Qualquer empresa internacional compra qualquer empresa. Aeroportos, energia, bancos, Podem comprar-nos tudo. E não há nenhuma reação adversa das nossas autoridades”.
Mais do que acreditar que quem passa por funções públicas tem uma bala mágica para mudar o que está mal, “é preciso pegar no que vem de trás e acrescentar algo. É importante continuar”.
Siza Vieira destacou a área da energia que em Portugal, diz, está entre as mais baratas e limpas da Europa, o que atrai os investidores, Mas é preciso que o Governo atue de forma concertada, recordando o recente caso em que um projeto que ganhou um leilão público para instalar centrais fotovoltaicas numa barragem, que foi sinalizada pela Agência Portuguesa do Ambiente como podendo receber o equipamento, tenha visto chumbado o estudo de impacte ambiental pela mesma agência do Ministério do Ambiente.
É para desatar estes nós na administração pública e nas pastas de outros setores que serve o ministro da Economia, conclui.