A Geórgia está em rebuliço desde que foram conhecidos os resultados das eleições legislativas deste sábado, que deram a vitória ao partido pró-russo Sonho Georgiano, no poder desde 2012 e sobre o qual a União Europeia tem alertado estar a protagonizar “uma mudança na direção ao autoritarismo”. Nas 24 horas que se seguiram multiplicaram-se as denúncias de que o ato eleitoral foi marcado por irregularidades. A oposição pró-europeia e a Presidente do país não aceitam os resultados como legítimos.
A Comissão Central de Eleições da Geórgia anunciou no sábado o Sonho Georgiano como vencedor das eleições, com cerca de 54% dos votos. O partido segue, assim, para um quarto mandato e assegura 89 assentos dos 150 do parlamento — apenas um a menos face aos conquistados em 2020. No total, os quatro partidos da oposição pró-ocidentais só garantiram 61 lugares.
“Foi uma fraude total”, reagiu a Presidente Salome Zourabichvili, uma ex-aliada do Sonho Georgiano que se tornou numa forte crítica do partido, citada pela agência Reuters. Ao lado dos líderes dos partidos da oposição, a Presidente descreveu a votação como uma “operação especial russa” e apelou à população que saia esta segunda-feira às ruas em protesto contra os resultados.
Também a líder do Movimento Nacional Unido (MNU), Tina Bokuchava, sublinhou que não reconhece “os resultados distorcidos de eleições roubadas”. Juntamente com a Coligação pela Mudança, o partido anunciou que vai boicotar o parlamento.
Charles Michel pede a Tbilissi que investigue irregularidades nas eleições de sábado
Observadores das eleições relataram várias irregularidades durante a votação de sábado, admitindo que podem ter afetado os resultados finais. Denúncias rejeitadas pelo primeiro-ministro, membro do Sonho Georgiano, que comemorou uma vitória “esmagadora”. “Irregularidades acontecem em qualquer lado”, disse este domingo em entrevista à BBC, insistindo que de 3.111 secções de voto, houve incidentes em “apenas algumas secções.”
Irakli Kobakhidze acusou a oposição de mentir, argumentando que também descreveram as eleições de 2016, 2020 e 2021 como falsas. “É claro que agora eles não têm outra saída. Têm de dizer aos seus apoiantes que ou eles próprios estavam a mentir ou o governo falsificou as eleições”, afirmou. Este sábado foi usado pela primeira vez um sistema eletrónico de contagem de votos que, sublinhou, tornava a eleição impossível de adulterar: “Não há espaço para manipulação”.
O grupo International Society for Fair Elections and Democracy (ISFED) relatou uma série de irregularidades, incluindo suborno, intimidação e fraude eleitoral. Defendeu que o resultado “não pode ser visto como um reflexo verdadeiro das preferências dos eleitores georgianos”.
Já segundo a Missão Internacional de Observação Eleitoral, “o dia da eleição foi geralmente bem organizado e administrado de forma ordeira, mas marcado por um ambiente tenso, com frequentes falhas no sigilo do voto e várias inconsistências processuais, bem como relatos de intimidação e pressão sobre os eleitores que impactaram negativamente a confiança pública no processo”. “Isso, juntamente com a ampla monitorização dos eleitores no dia da votação levantou preocupações sobre a capacidade de alguns eleitores votarem sem medo de retaliação”, refere o organismo.
A União Europeia (UE) já reagiu aos resultados das eleições, que tinham vindo a ser descritas por vários especialistas como determinantes para saber se o país se vai voltar para o Ocidente e, eventualmente, aderir ao bloco comunitário ou tornar a cair na órbita da Rússia. Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, apelou este domingo às autoridades eleitorais da Geórgia para que “investiguem” as “irregularidades”.
Esta mensagem foi reforçada num comunicado emitido esta tarde pelo Alto Representante da União Europeia (UE) para a Política Externa, Josep Borrell, e a Comissão Europeia. Pedem à Comissão Eleitoral da Geórgia e outras “autoridades relevantes” que “cumpram com o seu dever de investigar e julgar de forma rápida, transparente e independente as alegações de irregularidades”. Essas irregularidades “devem ser esclarecidas”, sublinha, descrevendo que se trata de “um passo necessário para reconstruir a confiança no processo eleitoral.”
Uma posição bem diferente foi assumida pelo primeiro-ministro húngaro, o único dirigente de um Estado-membro da UE que se mantém próximo de Moscovo. Viktor Orban foi rápido a parabenizar o partido no poder, tendo o governo anunciado entretanto que é esperado na Geórgia na segunda-feira para uma visita oficial de dois dias.
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