Foi descoberta uma valsa de Frédéric François Chopin, compositor polaco e pianista inigualável do período romântico, num cofre da Morgan Library and Museum, em Nova Yorque.

Tudo aconteceu num dia de final de primavera em que o curador Robinson McClellan estava a analisar uma coleção de recordações culturais — postais assinados por Picasso, cartas de Brahms e Tchaikovsky, entre outras —, até que se deparou com o objeto número 147: um manuscrito muito pequeno, conta o  jornal The New York Times.  Ele nem queria acreditar no que estava a ver, tinha à frente uma partitura com notas minúsculas e um nome no topo que não podia passar despercebido: “Chopin”.

Com a menção “Valse” (valsa) escrita em francês no cabeçalho, o curador ficou confuso: “Eu pensei, ‘O que é que está a acontecer aqui? O que é que isto pode ser?”, relatou McClellan ao jornal norte-americano. Olhava para a partitura mas não reconhecia a música.

Estava na dúvida sobre a realidade que se apresentava diante dos seus olhos: teria mesmo sido escrita pelo próprio Chopin?

McClellan, também compositor, decidiu imediatamente tirar uma foto da partitura, foi para casa e tocou-a no seu piano digital. Ao tocar a valsa, com um estilo invulgarmente vulcânico na abertura, com notas calmas e dissonantes, que irrompiam em acordes estrondosos, decidiu enviar a fotografia que tinha tirado a um estudioso de Chopin, Jeffrey Kallberg, da Universidade da Pensilvânia.

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Depois de analisar a partitura, incluindo a tinta e o papel, Kallberg chegou à conclusão inesperada de que a valsa era realmente autêntica: “Fiquei de queixo caído”, afirmou o estudioso: “Sabia que nunca tinha visto isto antes”.

A caligrafia e o estilo musical correspondiam aos do autor, segundo vários especialistas externos e segundo a Morgan Library and Museum são consistentes com as que Chopin usava: a invulgar apresentação do símbolo da clave de fá é semelhante a outro manuscrito de Chopin que está nas coleções de Morgan. Afinal, o curador tinha mesmo feito a primeira descoberta deste género há mais de meio século.

No entanto, esta valsa de Chopin é mais curta do que as outras escritas pelo compositor, tendo apenas 48 compassos com uma repetição, ou cerca de 80 segundos. A sua tonalidade de Lá menor tem marcações dinâmicas invulgares, como um forte triplo (volume máximo) perto do início.

Vários dedilhados e marcações de dinâmica vêm sugerir que Chopin pensou na hipótese de a peça vir a ser executada um dia, mas parecia ter dúvidas sobre esta valsa pois não assinou a partitura, como era seu hábito. O nome “Chopin” no topo do manuscrito foi acrescentado por outra pessoa, de acordo com a análise da caligrafia. E há alguns erros não corrigidos de ritmo e notas na partitura.

No entanto, o curador afirma que todos no museu têm “total confiança na conclusão”, acrescentando que  “agora é altura de a divulgar para que o mundo a veja e forme a sua própria opinião.”

A partitura terá sido escrita entre 1830 e 1835, durante a fase jovem-adulta do famoso compositor, que morreu em 1849, com 39 anos.

O manuscrito tinha sido adquirido por um colecionador de autógrafos, diretor da Escola de Design de Interiores de Nova Iorque. A. Sherrill Whiton Jr. obteve a maior parte da sua coleção na loja Walter R. Benjamin Autographs, na Madison Avenue, segundo os seus filhos. O colecionador “tocava Chopin a toda a hora” recorda o filho Paul Whiton, acrescentando que ninguém da família tinha noção da relevância do manuscrito.

Depois do colecionador morrer, um amigo próximo, Arthur Satz, comprou os materiais da coleção de Whiton, deixando depois o legado ao museu Morgan em 2019. Devido à pandemia, a coleção nunca tinha sido categorizada e ficou lá durante cinco anos antes de ser analisada.

O famoso pianista Lang Lang, fez uma gravação da valsa para o The New York Times no Steinway Hall em Manhattan e revelou que a obra lhe parecia de facto de Chopin, explicando que a abertura da peça evoca os invernos rigorosos do interior da Polónia: “Esta não é a música mais complicada de Chopin mas é um dos estilos de Chopin mais autênticos que se pode imaginar”.

Vários especialistas acreditam que Frédéric Chopin escreveu 28 valsas — de um total de 250 peças, a maioria para piano a solo  —  mas apenas oito foram publicadas ao longo da sua vida e nove depois de morrer, tendo as restantes 11 sido perdidas ou destruídas. As suas valsas oscilam entre energia e sofisticação — como a Grande Valse Brillante—, brincadeira e divertimento — como a Minute Waltz— ou meditações melancólicas — como a Valsa em Si Menor.

O The New York Times lembra que Chopin se sentia bem na intimidade dos salões, onde os fãs pediam pequenas composições, como a valsa encontrada no Museu Morgan em Nova Iorque. Ofereceu pelo menos cinco manuscritos da Valsa em Fá Menor a mulheres, tendo escrito a seguinte nota a uma mulher: “Por favor, guarde-a para si. Não gostaria que fosse tornada pública.”

E o jornal coloca mesmo a hipótese de a valsa de Morgan ter sido escrita neste contexto: numa pequena folha de pouco mais de 10 centímetros por cerca de 12 centímetros, precisamente o tamanho usado para presentes.

O manuscrito foi analisado por investigadores do museu sob luz infravermelha e ultravioleta, para verificar a existência de danos e alterações. Concluíram que a peça foi escrita em papel de tecido fabricado à máquina, com tinta de ferro do século XIX. Até mesmo o estilo musical correspondia ao de outros manuscritos de Chopin da década de 1830, tal como a sua famosa caligrafia pequena.

Há ainda outras possibilidades que ficam sempre em aberto, segundo os peritos: terá Chopin copiado a valsa de um colega, ou poderia este ser o trabalho de um aluno? São cenários pouco verosímeis, dizem, os especialistas, pelo que o mundo pode, quase 200 anos depois, tocar e ouvir uma nova valsa de Chopin.