A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, abriu este domingo a porta à discussão sobre o direito à greve nas polícias, com o tema reclamado pelos sindicatos a figurar entre os pontos em discussão nas negociações previstas para janeiro. Durante a campanha para as eleições legislativas, Luís Montenegro tinha acusado André Ventura de apresentar uma proposta irresponsável.
“Vamos começar no dia 6 de janeiro um conjunto de revisões e é um ponto que pode estar e estará, com certeza, em cima da mesa. Neste momento não vou dizer se sim ou se não, porque vai ter de ser submetido a um estudo”, afirmou a governante, em declarações a jornalistas no final do primeiro congresso da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), que decorreu este fim de semana na Faculdade de Direito de Lisboa.
A questão do reconhecimento do direito à greve na polícia foi também abordada pelo presidente da ASPP/PSP, que destacou que esse ponto é há muito tempo reivindicado pelos sindicatos e manifestou a sua satisfação pela abertura demonstrada pela ministra. Paulo Santos lembrou ainda que o acordo assinado em julho sobre o suplemento de condição policial já previa as negociações sobre outras matérias no início do próximo ano.
“Forçámos para que ficasse plasmado um processo negocial que, a partir de janeiro de 2025, pudesse permitir uma revisão da carreira, das tabelas remuneratórias e dos suplementos. Agora, com esta abertura da senhora ministra para se fazer uma discussão em torno do direito à greve, parece-nos importante acrescentar esse ponto como sendo imprescindível para que o sindicato possa ter a sua liberdade e a sua ação plena”, referiu.
O presidente da ASPP/PSP valorizou as conclusões do primeiro congresso realizado por este sindicato, centrado nos temas da condição policial ou do policiamento de proximidade, e realçou que os agentes vão continuar a lutar pelo direito à greve, salientando que isso mesmo foi reconhecido por diversos oradores especialistas em direito, como o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia ou o juiz conselheiro jubilado Bernardo Colaço.
“É um direito elementar, constitucional e mais uma vez confirmado por quem de direito e conhece bem a legislação. Não temos a greve barrada pela Constituição; temos, sim, uma interpretação que, na nossa opinião, é errada e vamos aproveitar esta ideia que foi lançada para promover uma discussão e todo o tipo de diligências que permitam à classe política consagrar um direito que para nós é elementar”, complementou.
Montenegro falou em “irresponsabilidade” e sedução de polícias
André Ventura trouxe o tema a debate ao colocar no programa do Chega uma alínea sobre o reconhecimento aos membros das forças de segurança do “direito à filiação partidária, bem como o direito à greve”. O partido argumentava que a “igualdade dos cidadãos perante a lei não pode ser cerceada ou diminuída pelo simples facto de exercerem uma determinada função profissional, muito menos quando esta se enquadra, de forma inequívoca, na tutela direta do Estado”.
Além das várias críticas públicas ao tema, Luís Montenegro e André Ventura debateram a questão durante um frente a frente para as eleições legislativas, na RTP, e o agora primeiro-ministro criticou amplamente a proposta do Chega. Montenegro começou por acusar o líder do Chega de “irresponsabilidade programática”, dizendo que neste caso havia também “irresponsabilidade programática que tem conteúdo político” — e deu o exemplo da filiação partidária e do acesso à greve como “duas coisas erradas, completamente erradas“.
“No caso do direito à greve, que é debatida há muitos anos e que coloca em causa o exercício de autoridade das forças de segurança, e no caso da GNR ainda tem um outro acrescento porque sendo uma estrutura militarizada significa que André Ventura defende também para as forças armadas igual direito”, explicou na altura.
E acrescentou: “Esta irresponsabilidade de em áreas fundamentais de soberania, onde é preciso assegurar a tranquilidade e a ordem, aquilo que André Ventura tem para propor ao país é sindicalizar ainda mais a atividade das forças de segurança.” Questionado pelo jornalista sobre se acha que esta é uma forma de seduzir as forças de segurança, Montenegro foi perentório: “Claro que é.”
Blasco espera para breve conclusões do inquérito sobre morte de Odair Moniz
Margarida Blasco manifestou também a expetativa de que “brevemente” haverá conclusões sobre o inquérito que ordenou à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) sobre as circunstâncias da morte do cidadão cabo-verdiano Odair Moniz, após ser baleado por um agente da PSP na Cova da Moura (Amadora).
A ministra criticou ainda os desacatos na sequência desse caso e lembrou o motorista da Carris que ficou gravemente ferido dias depois, ao ser atingido num autocarro com um cocktail-molotov.
“Os tumultos que ocorreram durante a semana passada foram provocados por pessoas que só estão a praticar crimes, não podemos dizer isto com outras palavras. Há um motorista da Carris ferido, um autocarro que estava a servir a comunidade… Tenho a certeza de que a comunidade está com a sua polícia, porque sabe que a defende quando chama”, disse.
Já sobre a relação da polícia com as comunidades de alguns bairros, como o Bairro do Zambujal ou a Cova da Moura, ambos no concelho da Amadora, Margarida Blasco reiterou que as pessoas dessas comunidades “conhecem a polícia” e que não se deve generalizar que estão contra os agentes.
MAI diz que vai rever policiamento de proximidade e promete mais investimento
O modelo de policiamento de proximidade pela PSP vai ser revisto, adiantou a ministra da Administração Interna, que defendeu a sua importância junto das comunidades e prometeu também um maior investimento do Governo.
“A PSP tem um programa há muitos anos que tem de ser revisitado e que é a polícia de proximidade. Isso passa por ter mais quadros formados e um diálogo que tem de ser feito com as autarquias, com a segurança social, com as associações dos bairros. Estou crente que esse trabalho vai ser feito”, afirmou Margarida Blasco, sublinhando: “É muito importante que o cidadão confie na sua polícia. O Governo confia na polícia”.
Em declarações aos jornalistas no final do primeiro congresso da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), que decorreu este fim de semana na Faculdade de Direito de Lisboa, a governante explicou que há 500 futuros agentes a serem formados neste momento e que essa revisão passa também por um reforço das condições dos polícias.
“Vamos fazer um investimento na formação e, para isso, precisamos de abrir concursos para agentes, para chefes, para oficiais. Estamos atentos e neste constante diálogo que temos com os sindicatos e os polícias, um dos programas que vamos reavivar é o policiamento de proximidade”, reforçou.
Entre os equipamentos que serão alvo de investimento estão bodycams, tasers e novas viaturas para a Polícia de Segurança Pública (PSP), mas Margarida Blasco lembrou que estas questões têm de passar por concursos públicos até poderem chegar aos agentes no terreno.
“Os concursos públicos são morosos e temos de cumprir a lei. Agora, há a nossa intenção de fazer um investimento em bodycams, tasers e no material que é necessário para a atuação da polícia. Obviamente que está inscrito e estamos à espera que os concursos terminem”, vincou, esclarecendo sobre os dois concursos públicos já impugnados relativamente às bodycams que a decisão está nos tribunais e que o Governo aguarda por esse desfecho.