Passaram 19 anos desde o último combate de boxe em que Mike Tyson participou. Na altura, em 2005, perdeu com o irlandês Kevin McBride, garantiu que tinha perdido toda a paixão pelo desporto e disse que ia dedicar-se a Deus. “Sou um caso triste, patético. Toda a minha vida foi um desperdício. Sou um falhanço”, acrescentou. Esta semana, Mike Tyson volta a lutar.

Atualmente com 58 anos, o norte-americano que foi campeão mundial indisputado entre 1987 e 1990 vai voltar aos ringues de uma forma, no mínimo, inesperada. Esta sexta-feira, madrugada de sábado em Portugal, Mike Tyson vai defrontar Jake Paul, um milionário youtuber que nos últimos anos tem organizado vários combates de boxe altamente publicitados e mediáticos. Em pleno AT&T Stadium, a casa dos Dallas Cowboys, no Texas, aquele que é considerado um dos melhores pugilistas de sempre vai interromper momentaneamente a reforma para enfrentar um adversário 31 anos mais novo.

E porquê? Poderia colocar-se a possibilidade de os motivos serem financeiros, até porque Mike Tyson fez capas de jornais e várias manchetes com dívidas milionárias e gastos erráticos. Nos últimos anos, porém, encontrou estabilidade. Além da lucrativa participação na saga “A Ressaca”, onde teve uma participação especial, Tyson tem tirado dividendos do sucesso do podcast “Hotboxin'”, que criou, mas principalmente das quintas de produção de canábis, sob a marca Tyson 2.0, que faturam centenas de milhões de dólares por ano. Os motivos, portanto, são ainda mais pessoais.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Para os meus filhos não sou ninguém. Mas nessa noite vão descobrir que o pai é muito especial. Vão perceber que é melhor não me falarem mal. Aprendi que sou mais duro do que aquilo que acreditava que era. Quando aceitei estar nesta luta, na verdade pensei: ‘Em que diabos estava a pensar?’. E agora que estou aqui… A luta é a festa. O trabalho duro já foi feito”, disse o norte-americano, que tem oito filhos, numa das sessões de apresentação do combate.

Desde o tal dia fatídico contra Kevin McBride, na verdade, a vida de Mike Tyson tem dado várias voltas. Depois de décadas de curvas e contra-curvas — incluindo um período na prisão depois de uma condenação por violação, o excessivo consumo de álcool e drogas e até a compra de um tigre de Bengala que só foi para o Jardim Zoológico quando atacou um intruso –, o pugilista encontrou um ponto de viragem na sequência da morte de uma das filhas, com apenas quatro anos, num acidente doméstico.

A partir daí, olhou para dentro. Para além das aventuras empresariais, que têm corrido bem, casou novamente, entrou nos Narcóticos Anónimos para controlar o abuso de substâncias e recentemente revelou que fuma o veneno de um sapo do Deserto de Sonora, descrito como o “Evereste dos psicadélicos”, para não ter de recorrer a antipsicóticos ou comprimidos para dormir. Agora, a troco de 15 milhões de dólares, aceitou voltar a lutar quase duas décadas depois naquele que está a ser considerado o combate do ano.

Do outro lado está, então, Jake Paul. Com 27 anos e sem experiência profissional no boxe, o youtuber norte-americano ficou conhecido em conjunto com o irmão, Logan, e nos últimos anos somou 11 combates — entre dez vitórias e uma derrota, sendo que a derrota foi mesmo a única luta em que defrontou um adversário mais novo. Jake Paul vai encaixar um valor bastante superior ao de Mike Tyson, algo como 40 milhões de dólares, e tem-se mostrado muito confiante na ideia de que irá derrubar o antigo campeão do mundo.

“A minha mãe está nervosa, não gosta de ver o Mike Tyson a atirar murros, porque fica um pouco assustada. Mãe, prometo-te que fui feito para isto, estou destinado a isto. Deus não me falha, o universo também não e eu, Jake Joseph Paul, vou fazer knockout a Mike Tyson. Está escrito nos livros de História”, disse o influencer, que tem sido um dos mais fervorosos apoiantes públicos de Donald Trump.

“A vida melhorou e as pessoas vêem a diferença”. Mike Tyson consome (e produz) veneno de sapo

Com os bilhetes totalmente esgotados e alguns a rondar os dois milhões de euros, o combate será transmitido em direto na Netflix a partir da 1h da madrugada deste sábado — sendo que Mike Tyson e Jake Paul só devem começar o combate por volta das 4h — e conta com regras especiais face à idade (e ausência competitiva) do antigo campeão mundial. O combate terá oito assaltos de dois minutos, os knockouts são permitidos e os dois pugilistas vão usar luvas de 14 onças, ao invés das tradicionais luvas de dez onças. A ideia de que Mike Tyson está a arriscar uma lesão grave, face à idade e ao precário historial de saúde nos últimos anos, tem sido sublinhando por inúmeros médicos — ainda que o norte-americano não pareça preocupado.

“Um pugilista pode recuperar facilmente de um knockout, mas em alguns casos as consequências são devastadoras. Existe o risco de desenvolver um hematoma subdural. Nas pessoas mais velhas, o cérebro tende a perder volume. Este facto torna as veias mais propensas à rotura. Sabe-se que o alcoolismo acelera o encolhimento do cérebro e Tyson tem isso como fator de risco do seu passado. Na meia-idade, aumenta a probabilidade de eventos cardíacos como arritmia, angina e enfarte do miocárdio. O exercício extremo pode levar à fibrose cardíaca”, disse recentemente o médico Stephen Hughes, ainda que sem grande reação por parte de Mike Tyson.

“Independentemente do quão velho eu sou, este tipo só tem dez ou 11 combates. Mesmo se eu só estiver a 10%, ele não consegue lá chegar. E estou a ser sincero”, disse o pugilista numa entrevista recente ao jornal The Telegraph. Certo é que, esta semana e quase 20 anos depois de ter entrado num ringue pela última vez, Mike Tyson vai lutar. E não parece disposto a perder.