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O investigador que quer ajudar a melhorar a vida social das pessoas com autismo

Ironia. Humor. Tristeza. Miguel Castelo-Branco está a desenvolver um dispositivo para melhorar as competências sociais de pessoas com autismo - que têm dificuldade em reconhecer as emoções dos outros.

Doutorado em Medicina e Biologia, Miguel Castelo-Branco é atualmente diretor do Instituto de Imagem Biomédica e Investigação Translacional de Coimbra. Em 2022 foi o vencedor d  Prémio Bial de Medicina Clínica, por 15 anos de trabalho sobre o autismo
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Doutorado em Medicina e Biologia, Miguel Castelo-Branco é atualmente diretor do Instituto de Imagem Biomédica e Investigação Translacional de Coimbra. Em 2022 foi o vencedor d Prémio Bial de Medicina Clínica, por 15 anos de trabalho sobre o autismo

Maria João Gala

Doutorado em Medicina e Biologia, Miguel Castelo-Branco é atualmente diretor do Instituto de Imagem Biomédica e Investigação Translacional de Coimbra. Em 2022 foi o vencedor d Prémio Bial de Medicina Clínica, por 15 anos de trabalho sobre o autismo

Maria João Gala

A conversa será sobre autismo, por isso, Miguel Castelo-Branco faz questão de começar com uma nota prévia que é, ao mesmo tempo, uma declaração de interesses e um aviso à navegação: “Tenho um filho com autismo, o Miguel, de 27 anos.” Esta não será, portanto, apenas uma conversa com um médico e investigador na área do autismo, mas também com um pai. “Trabalhar nesta área, também se tornou uma missão. Ou uma causa.”

Médico, investigador premiado e, atualmente, diretor do Instituto de Imagem Biomédica e Investigação Translacional de Coimbra (CIBIT), Miguel Castelo-Branco, de 57 anos, escolheu o curso de medicina aos 18 anos porque “queria compreender melhor o ser humano como um todo: na sua parte biológica, mas também nos aspetos do comportamento.”

O interesse que tinha pelas neurociências levou-o a escolher a neurologia como área de eleição, mas, pouco depois de ter feito o exame de acesso à especialidade, leu uma notícia sobre o programa de doutoramento em Medicina e Biologia da Fundação Calouste Gulbenkian. Acabou por deixar a especialidade e a atividade clínica suspensas e ingressou no doutoramento, cujo trabalho foi realizado no Instituto Max-Planck para a Investigação do Cérebro, em Frankfurt, na Alemanha.

Miguel Castelo-Branco e a equipa (como o médico Luís Pires) estão a fazer um ensaio clínico com cerca de vinte pessoas com autismo e vinte participantes sem o diagnóstico, para apurar a eficácia do dispositivo que estão a desenvolver

Maria João Gala

A pergunta que se impõe é o que surgiu primeiro: se o interesse no autismo ou o diagnóstico do filho. A resposta não é linear. “Eu já tinha interesse em perturbações do neurodesenvolvimento antes do diagnóstico do meu filho.” Na verdade — e curiosamente — começou por estudar, precisamente durante o doutoramento, a Síndrome de Williams, “quase o outro lado do espelho do autismo”. Trata-se de uma doença genética rara que faz com que os portadores, apesar das dificuldades cognitivas, sejam hipersociáveis, calorosos e extrovertidos. “Nesta altura, lembro-me de pensar na hipótese de estudar o autismo mas de achar que era demasiado complexo”, diz a sorrir. Ainda se dedicou ao estudo da neurofibromatose tipo 1 e, já depois de o filho ter o diagnóstico, ganhou coragem para começar a investigar em autismo. Em 2022 ganhou, de resto, o Prémio Bial de Medicina Clínica, por 15 anos de trabalho sobre esta condição.

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E afinal, o que é o autismo e o que o torna tão complexo? É uma alteração do neurodesenvolvimento que afeta a forma como a pessoa comunica, interage socialmente e processa o mundo à volta. Mas é uma palavra onde cabem situações muito diferentes, tanto é que a expressão correta usada para esta condição é Perturbação do Espetro do Autismo (PEA), exatamente porque as necessidades de apoio são diversas e podem ir de leves a severas, afetando cada pessoa de forma única.

Em termos práticos, isto significa que há pessoas com PEA que não conseguem desenvolver competências que lhes permitam uma vida autónoma e, outras, são perfeitamente funcionais e, frequentemente, muito bem sucedidas. Elon Musk, por exemplo, revelou há alguns anos ter Síndrome de Asperger, designação hoje em desuso mas que define um tipo de autismo altamente funcional.

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Apesar destas diferenças, que se explicam sobretudo por um nível intelectual mais baixo ou mais alto, quase todas as pessoas com PEA têm alterações sociais e emocionais. A percepção, interpretação e resposta aos estímulos sociais (uma conversa ou um simples cumprimento, por exemplo) incluem a capacidade de compreender as emoções, intenções e comportamentos de outras pessoas, bem com responder-lhes de uma forma que seja consideradas socialmente adequada. Ora, as pessoas com este diagnóstico têm dificuldades nesta interacção.

Um exemplo: se uma criança de oito ou nove anos vir um amigo a chorar vai interpretar isso como um sinal de tristeza ou angústia e, provavelmente, vai tentar confortá-lo, perguntar-lhe o que se passa e dar um abraço. Uma criança com PEA pode ficar parada a olhar para o amigo que chora, ignorar o seu choro e continuar a falar sobre um tema que lhe interessa.

Parece desinteresse ou frieza emocional, mas não é. Para alguém com PEA é difícil identificar e entender as emoções dos outros e interagir de uma forma que a maioria das pessoas considere adequada. É como se o mundo das interações sociais e das expressões emocionais dos outros fosse um idioma desconhecido, cheio de regras implícitas que são incompreensíveis.

Não há biomarcadores biológicos para o autismo”, diz o investigador. “O diagnóstico é clínico — e pode ser longo. Eu próprio andei à procura de respostas quando o meu filho era pequenino e ele teve um diagnóstico relativamente tardio, aos quatro anos.”

Mas receber o diagnóstico não é o fim de nada, antes o início de tudo, sobretudo da procura por soluções e terapias de reabilitação. O autismo não tem cura, mas há intervenções que podem melhorar significativamente a qualidade de vida e o desenvolvimento de competências, como algumas terapias comportamentais, terapia ocupacional e terapia da fala, entre outras. Mas tudo isto implica muito tempo e muito investimento porque são intervenções que precisam de ter continuidade. “No Sistema Nacional de Saúde, investe-se muito no diagnóstico, mas as pessoas precisam de mais do que um diagnóstico: precisam de intervenção e de reabilitação”, reforça o investigador.

A reabilitação traz resultados extraordinários. “Mas, para funcionar, tem de ser intensiva. Tem de se pensar nela como se pensa num treino desportivo: é preciso treinar várias horas por dia. E claro que as pessoas não podem ter um terapeuta três ou quatro horas por dia”, frisa o investigador. “O terapeuta pode e deve orientar, mas tem de haver outras ferramentas que complementem as sessões de terapias semanais. Ferramentas que se possam usar no dia a dia, em casa e que ajudem os pais.”

O projeto do investigador parece um “simples” jogo no computador — e isso é intencional. “Quando há prazer associado, isso catapulta a aprendizagem, por isso o dispositivo funciona como um jogo.” Mas o que acontecer é muito mais: através de um interface cérebro-computador, o utilizador está a aprender a modular a atividade do seu próprio cérebro

Maria João Gala

É isso mesmo que Miguel Castelo-Branco está a desenvolver: dispositivos que possam ser usados fora do contexto clínico, inclusive portáteis para melhorar a cognição social em pessoas com perturbações do espetro autista, que possa ser usado para fazer este treino em casa.

Para quem o usa, parece que se trata apenas de um jogo no computador — e isso é intencional. “Sabe-se que quando há prazer associado, isso catapulta a aprendizagem, por isso o dispositivo funciona como um jogo.” Mas o que está a acontecer é muito mais do que só jogar um jogo: através de um interface cérebro-computador que recorre ao neurofeedback, o utilizador está a aprender a modular a atividade do seu próprio cérebro. “É por isso que eu chamo ao neurofeedback uma espécie de autoestimulação cerebral: porque o utilizar está a estimular e a treinar uma área do cérebro para causar um efeito externo e tem feedback imediato.”

Em termos práticos e simples, o utilizador usa uma touca de eletroencefalografia (EEG) — que capta a atividade elétrica do cérebro — ligada a um amplificador de sinal para captar com precisão temporal as áreas cerebrais ativadas. O sistema é programado para monitorizar atividades cerebrais específicas e quando o software deteta a atividade desejada, dá a indicação que a detetou, mostrando ao utilizador que conseguiu atingir o objetivo. Aos poucos, a pessoa aprende a ajustar os seus pensamentos ou emoções para ativar essas áreas do cérebro de forma mais eficiente.

“Queria compreender o ser humano como um todo: na sua parte biológica, mas também nos aspetos do comportamento”, diz o cientista sobre a motivação para o curso de medicina “Tenho um filho com autismo, o Miguel, de 27 anos. Trabalhar nesta área, também se tornou uma missão. Ou uma causa”

Maria João Gala

Um exemplo: está um avatar no ecrã do computador com uma expressão neutra e é pedido ao utilizador que o ponha a sorrir, sendo que, para isso, aquilo que precisa de fazer é imaginar o avatar a sorrir. Quando consegue ativar a zona do cérebro necessária para o fazer, o avatar no computador sorri, o que é, por um lado, uma recompensa, por outro, uma indicação que teve sucesso na tarefa. Com a repetição este exercício ajuda o utilizador a modelar a própria atividade cerebral. “E com isto, estão a treinar a leitura de emoções e a orientação social”, resume o investigador.

Aquilo que Miguel Castelo Branco e a sua equipa estão a fazer neste momento é um ensaio clínico de fase II, com cerca de vinte pessoas com autismo e vinte participantes sem esse diagnóstico, para apurar a eficácia deste dispositivo que inclui três componentes: o software do jogo, o software que processa o sinal e o hardware (incluindo o amplificador de sinal que liga à touca de eletroencefalograma).

Se tudo correr bem e os resultados forem bons, toda esta tecnologia vai ser transformada em produtos que possam ir para o mercado: uma linha de jogos “sérios” para treinar várias competências; um dispositivo médico com neurofeedback, que possa ser usado em clínicas e por fim, noutra fase do projeco, um dispositivo que qualquer pessoa com autismo possa usar em casa, para treinar as suas competências.

Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. O projeto liderado por Miguel Castelo-Branco, do Coimbra Institute for Biomedical Imaging and Translational Research (CIBIT), foi um dos nove selecionados para financiamento pela fundação sediada em Barcelona, ao abrigo da edição de 2024 do CaixaImpulse Inovação em Saúde, um programa que promove a transformação do conhecimento científico criado em centros de investigação, universidades e hospitais em empresas e produtos que geram valor para a sociedade. As candidaturas para a edição de 2025 deverão abrir em breve. O investigador recebeu 149 mil euros para desenvolver o projeto ao longo de três anos. 

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