O jogo ainda não tinha começado, o “jogo” começou. Quando se preparava para deixar o restaurante onde se realizou o habitual encontro entre direções que antecede qualquer encontro europeu, Frederico Varandas, presidente do Sporting que estava acompanhado por outros dirigentes leoninos, foi alvo de críticas de alguns adeptos que estavam nas imediações do local. Durante largos anos, os lisboetas viveram um período quase “anormal” olhando para as últimas décadas de clube que podia gravitar entre amor, lua de mel, simpatia ou paz podre mas que tinha o ponto comum de não colocar em causa nada nem ninguém da cúpula dirigente perante aquilo que era a vida quotidiana em Alvalade. De repente, entre a saída de Ruben Amorim e as três derrotas consecutivas de João Pereira, tudo mudou. Agora chegava um momento chave na temporada.

Havia mais fundo para a queda: Sporting perde na Bélgica com Club Brugge e sofre quarta derrota consecutiva com João Pereira

“Acredito que nunca serei um problema para o Sporting”, dizia João Pereira no lançamento da partida frente ao Club Brugge, que poderia recolocar os leões no top 8 da Liga dos Campeões em caso de triunfo depois da primeira derrota na competição com uma goleada caseira frente ao Arsenal. Quando se falava em redenção, resposta e ponto de honra, Moreira de Cónegos acabou como mais um enorme balde de água fria em cima de um projeto futebolístico que andava à velocidade de uma locomotiva TGV mas que agora vai parando em todas as estações e apeadeiros. Após o primeiro desaire, houve (tímidos) aplausos. Após a segunda derrota, sentiu-se a sensação de impotência. Após o terceiro contratempo diante do Moreirense, a contestação mudou de tom, do Comendador Joaquim de Almeida Freitas a Alvalade. “Vou até ao fim”, garantia o técnico.

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“A vida nunca foi fácil para mim, se não aguentasse a pressão não estava aqui hoje. Quando comecei todos diziam ‘franzino, pequenino, refilão, só dá porrada, nunca vai vingar no futebol’. Tive a carreira que tive, que foi simpática para o que muita gente esperava. Quando comecei como treinador, os primeiros anos foram complicados. Ficámos quase em último com os Sub-23 do Sporting e dizia-se ‘Metemos um jogador que não percebe nada disto, não tem vida, mandem-no embora’. Ao fim de três anos, fizemos uma excelente época nos Sub-23, estivemos quase a ser campeões. A partir daí era ‘Se calhar já é bom, é o futuro do Sporting’. Chegámos à B e à Youth League, começou a falar-se da saída do Ruben e dizia-se ‘Se calhar já temos a pessoa certa para o lugar’. Agora, a pessoa já não presta. É normal haver críticas e dúvidas, eu é que não posso ter dúvidas. Não tenho. Estou confiante num bom jogo e num futuro melhor”, destacou.

Numa conferência bem mais genuína do que as anteriores, João Pereira escutava o coração ao pé da boca para refletir sobre o atual momento dos leões, recusando qualquer tipo de pressão extra ou receio de que a subida pudesse ser em forma de meteoro que rapidamente cai. “Tenho pressão todos os dias. Claro que quando uma Direção escolhe um treinador, escolhem para ganhar. Como o presidente e o clube vivem de vitórias, mais tranquilidade existe quando se ganha. Depois de três derrotas, claro que há apreensão mas o importante, e o que toda a gente sente, é que estamos todos juntos e ninguém abandona ninguém”, garantiu o treinador, que recusou qualquer tipo de ânimo mais exaltado ou tensão no balneário depois da derrota com o Moreirense: “Só existiu tristeza e deceção, pelo momento e pela derrota. Nada de mais”.

Era neste contexto que chegava a deslocação à Bélgica. Mais do que palavras, o Sporting precisava de atos. João Pereira falava em “falta de definição no último terço” mas havia muitos mais pontos erráticos face a uma equipa que estava a voar até à saída de Ruben Amorim e de repente perdeu-se numa ideia de jogo com nuances não percebidas nem interpretadas como o uso excessivo do corredor central, a falta de exploração da profundidade com Viktor Gyökeres e uma tentativa de ganhar a largura que demora a encontrar depois os efeitos práticos. Era contra tudo isso que o Sporting tentaria jogar, sabendo que acima do Clube Brugge havia um outro adversário a pesar ainda mais que era o próprio Sporting e os fantasmas que foi criando, agora com a dificuldade extra no meio-campo de não contar com Pedro Gonçalves, Daniel Bragança e Morita.

Tudo aconteceu aos leões, agora com dose reforçada. Depois de tantas ausências, Gonçalo Inácio lesionou-se no aquecimento, Eduardo Quaresma saiu com a cabeça aberta de um autogolo e ainda houve um lance que continua a levantar dúvidas anulado pelo VAR que transformou uma grande penalidade em livre direto (sendo que mais tarde Tzolis, com um amarelo, entrou em campo sem aparente indicação). É muito azar. No entanto, também não procurou a sorte. Aliás, mais uma vez, até de maneira mais vincada do que em Moreira de Cónegos, o Sporting só criou uma espécie de oportunidade na segunda parte quando já estava a perder e depois de os minutos irem passando sem uma única alteração na equipa frente a um Club Brugge que crescia e mexia para ganhar. Ganhou. Procurou a sorte que os verde e brancos nunca ambicionaram ter. E aquilo que era um ciclo virtuoso começa a ganhar contornos de masoquismo com o quarto desaire seguido.

Ficha de jogo

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Club Brugge-Sporting, 2-1

6.ª jornada da Liga dos Campeões

Jan Breydelstadion, em Bruges (Bélgica)

Árbitro: Anthony Taylor (Inglaterra)

Club Brugge: Mignolet; Seys, Ordoñez, Mechele; Skov Olsen (Talbi, 64′), Jashari, Vanaken, Onyedika, De Cuyper (Sabbe, 90+2′); Jutglà (Nilsson, 64′) e Tzolis (Nielsen, 81′)

Suplentes do Club Brugge: Jackers, Romero, Vetlesen, Vermant e Splieers

Treinador: Nicky Hayen

Sporting: Franco Israel; Eduardo Quaresma (St. Juste, 45′), Diomande, Matheus Reis; Geny Catamo, Hjulmand, João Simõs, Maxi Araújo (Ricardo Esgaio, 81′); Francisco Trincão, Geovany Quenda (Harder, 87′) e Gyökeres

Suplentes não utilizados: Kovacevic, Diego Callai, Debast, Marcus Edwards, Iván Fresneda, Alexandre Brito, Mauro Couto e Henrique Arreiol

Treinador: João Pereira

Golos: Geny Catamo (3′), Eduardo Quaresma (24′, p.b.) e Nielsen (84′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Skov Olsen (26′), Gyökeres (34′), Tzolis (43′), St. Juste (50′), Mignolet (52′), Maxi Araújo (81′) e Hjulmand (83′)

O Sporting sofreu a primeira grande contrariedade ainda antes do início do encontro, com mais um problema entre todos os problemas com que chegava à Bélgica. Com os regressados Franco Israel e Eduardo Quaresma a serem lançados de início a par do estreante João Simões, Geovany Quenda e Maxi Araújo, Gonçalo Inácio sofreu uma lesão no aquecimento e teve mesmo de cair também das opções iniciais, levando a que Matheus Reis saltasse para exercícios improvisados antes da entrada das equipas. No entanto, esta lei de Murphy foi abafada logo no arranque: após uma longa troca de bola a partir de trás variando entre os três corredores a “chamar” o Club Brugge e a ter posse pela certa, o passe entrou entre linhas em Gyökeres, o sueco assistiu Maxi Araújo para um remate cruzado ao poste e, na recarga, Geny Catamo fez sozinho na pequena área o 1-0, marcando aquele que foi o quinto golo mais rápido de sempre do Sporting na competição (3′).

João Pereira apresentava duas nuances táticas para tentar resolver aquele que tem sido um dos principais problemas desde que assumiu o comando dos leões: substituir o único jogador que não tem uma alternativa direta, Pedro Gonçalves. Assim, e ao quinto jogo, a solução foi diferente de todas as outras, mantendo Geny Catamo à direita, Maxi Araújo a fazer toda a ala esquerda e Geovany Quenda mais na frente do uruguaio mas com muita tendência para jogar por dentro e entre linhas, equilibrando o número de peças ao meio e dando apoio direto a Gyökeres. Foi assim que o jovem internacional Sub-21 ameaçou também ele a baliza num tiro que saiu ao lado após passe do sueco (17′) mas que, pela cadência do jogo e pelo controlo com bola, estava a ser uma aposta acertada. Problema? Maxi Araújo corria sempre o risco de ficar mais exposto no 1×1 a Skov Olsen, sendo que o empate nasceu dessa forma num cruzamento com remate de Tzolis que bateu em Eduardo Quaresma na área e foi para a baliza sem hipóteses para Franco Israel (24′).

Podia ter sido apenas um par de minutos: num lance que gerou muitas dúvidas e que não teve por parte da transmissão uma repetição que mostrasse de forma clara onde tinha sido cometido a falta, Maxi Araújo foi derrubado por Skov Olsen, Anthony Taylor marcou penálti mas o VAR reverteu a decisão para livre direto, que Gyökeres bateu forte mas por cima (30′). Começava aí mais uma série de “azares” do Sporting, que viu Eduardo Quaresma sair com o sobrolho aberto após um choque aparatoso com Tzolis e o mesmo Tzolis fintar um segundo amarelo ao entrar em campo após ser assistido sem que existisse uma aparente ordem nesse sentido (45′). Após dez minutos de compensação, o intervalo chegou mesmo com um empate e com Franco Israel a salvar os leões de males maiores ao defender com a cara uma “bomba” de Tzolis (45+10′).

O segundo tempo começou sem alterações das duas equipas mas com a mesma “confusão” em jogo que se tinha visto nos 45 minutos iniciais. Um exemplo: o primeiro amarelo depois do intervalo começou por ser atribuído a Francisco Trincão, depois passou para Geny Catamo e no fim foi parar a St. Juste, quase como se ninguém se conseguisse entender com algo que deveria ser mais fácil. De balizas, nada e só mesmo quando o mais inspirado de todos os jogadores apareceu é que houve perigo em mais uma diagonal de Tzolis a partir da esquerda para o meio antes do remate que saiu a rasar o poste da baliza de Israel (60′). Havia pouco ou nenhum Sporting em termos ofensivos, numa imagem que andava mais aproximada da pior versão de João Pereira no comando técnico do que aquela que tinha ficado do arranque da partida na Bélgica.

À exceção de um par de tentativas individuais de Geny Catamo na direita que quando deram cruzamento não tiveram de seguida finalização, o Sporting não existia no último terço e nem mesma as vezes sucessivas em que Gyökeres passava por Mechelen terminavam em algo que pudesse resultar em oportunidade. Apesar disso, os minutos passavam sem que João Pereira mexesse na equipa, tentando perceber aquilo que o jogo poderia dar em vez de ditar as leis do jogo. Nicky Hayen, ao invés, mexeu. Procurou algo mais. Ganhou: na primeira vez que tocou na bola, Nielsen recebeu de Vanaken descaído sobre a direita com St. Juste do outro lado a desfazer a linha e rematou cruzado para o 2-1 (84′). Francisco Trincão ainda teve um remate à figura de Mignolet após assistência de Gyökeres, Harder foi lançado mas não havia mais nada a fazer…