Gyökeres abria os braços em sinal de incompreensão, Conrad Harder levantava a mão chateado com o que via enquanto dizia “O que é isto?”, Hjulmand virava costas para agarrar nos companheiros e levá-los de volta para o balneário, St. Juste olhava de forma fixa para a bancada. Dentro de todos os problemas que gravitam à volta do Sporting desde a chegada de João Pereira (ou da saída de Ruben Amorim, até mais por aí), houve ainda forma como os adeptos reagiram à quarta derrota seguida com o Club Brugge e sobretudo o arremesso de uma tocha em direção do grupo deixou marca nos jogadores. Franco Israel, na zona de entrevistas rápidas, referiu que era compreensível os adeptos exigirem mais, “fintando” a maneira como essas manifestações de desagrado foram feitas, mas algumas das principais referências revelaram desagrado pelo sucedido.

Insultos a Varandas, tocha das bancadas, “O que é isto?” de Harder e o registo histórico de Pereira: 4 capítulos da crise após 4.ª derrota

Essa foi uma das diferenças em relação ao que se passou no balneário depois do encontro. Em Moreira de Cónegos, perante mais um desaire no Campeonato com reviravolta muito assente em erros individuais e coletivos facilmente percetíveis por todos, houve ânimos exaltados, jogadores a insurgirem-se sem um “alvo” em específico mas sempre com essa premissa de que a vontade da segunda parte e as bolas nos postes não chegaram para inverter o rumo dos acontecimentos, cabeças quentes que pior ficaram após terem visto um grupo de adeptos com tochas acesas a uma distância ainda considerável da saída da garagem. Agora, ainda na Bélgica, onde o Sporting fez o treino de recuperação sem mais dois lesionados (Gonçalo Inácio e Eduardo Quaresma), o ambiente era sobretudo de tristeza, quase de bloqueio perante o atual momento.

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Não se pode dizer que não exista no grupo de trabalho, neste caso entre os jogadores, o sentimento de que a “culpa” do atual momento também passa por eles. Seja pelo sentimento de orfandade deixado por Amorim quando saiu de Alvalade e que não conseguiu ser controlado de imediato em termos de liderança por João Pereira, seja pelas exibições individuais que deixaram de sair, seja pelo bloqueio mental generalizado que coloca a equipa a perder-se em interrogações nos momentos em que sofre abalos, ninguém se iliba a nível de responsabilidades. No entanto, e também num plano interno, todos entendem que isso não pode resumir a atual série de quatro derrotas consecutivas como não acontecia há mais de uma década. Aí, o cunho pessoal que o atual treinador quis colocar, seja porque a mensagem não passa, seja porque a ideia choca com as principais características de elementos que já mostraram tudo o que podem render, não passa ao lado.

Se não procuram a sorte, podem queixar-se do azar? (a crónica do Club Brugge-Sporting)

Há três grandes pontos na avaliação ao que era e ao que é o Sporting em campo. 1) ao contrário do que estava a acontecer, e que também ocorreu no reinado de Ruben Amorim sobretudo na primeira metade da época de 2022/23, a percentagem de oportunidades do adversário transformadas em golo subiu de forma exponencial; 2) sem ter jogadores que tenham propriamente características para interpretarem essa mudança na ideia de jogo, algo que as muitas lesões não ajudam, os leões jogam muito mais por dentro, não têm tanta largura no seu jogo, exploram menos a profundidade com Gyökeres e abusam de cruzamentos em encontros em que se consigam instalar no meio-campo contrário; 3) quando surgem as substituições, não se conseguem detetar resultados práticos das mesmas – após o lançamento de Ricardo Esgaio aos 81′ com o Club Brugge, Conrad Harder só entrou aos 87′ já com a equipa a perder e para ocupar um espaço colado à linha.

Os registos negativos são apenas reflexo de todo o atual período de convulsão que se vive em Alvalade e que fez com que João Pereira se tornasse o primeiro treinador da história do Sporting com quatro derrotas nos primeiros cinco jogos. No entanto, as estatísticas também ajudam a explicar o que se passa em campo. Um exemplo prático: o encontro na Bélgica foi aquele que teve a equipa leonina a fazer mais passes certos (605), sendo que muitos foram à saída do primeiro terço e poucos no último terço, mas terminou como aquele em que os verde e brancos fizeram menos remates, conseguiram menos tentativas enquadradas e tiveram o menor número de ações defensivas em todos os jogos da Liga dos Campeões esta temporada.

Cruzando esses dados com o discurso de João Pereira no final da partida, primeira na zona de entrevistas rápidas e depois na conferência de imprensa, percebe-se outro problema que também não passa ao lado de ninguém no plano interno: a comunicação não “pega”. Depois da intervenção com maior dose de genuinidade desde que assumiu o comando técnico dos leões na antecâmara da partida na Bélgica, o treinador falou de um Sporting com melhorias e que tinha sido a equipa em campo que mais tinha controlado e procurado na segunda parte. Questão? Os leões fizeram um único remate e à figura de Mignolet quando já estavam em desvantagem, sendo que esse momento de Trincão foi a única oportunidade depois do intervalo.

Em paralelo com isso, João Pereira assumiu-se como primeiro responsável por tudo o que está a acontecer, numa atitude com tanto de compreensível como de esperada. “Após quatro derrotas seguidas, o próximo passo é melhorar”, destacou o técnico. Após a derrota em Moreira de Cónegos, essa era ainda a ideia da SAD verde e branca: dar tempo ao antigo timoneiro da equipa B para passar as suas ideias, afirmar-se como líder dentro do balneário e passar o atual ciclo vicioso para virtuoso. Agora, depois de mais um desaire na Bélgica e sobretudo pelo pouco que a equipa voltou a produzir perante o potencial que tem e já demonstrou, outro cenário começa a desenhar-se – o que não significa que João Pereira tenha obrigatoriamente de sair, mesmo tendo um caminho cada vez mais “apertado”, como o próprio sabe. Nenhuma decisão foi ainda fechada.

“Há uma grande distância entre características teóricas e depois resultar. O João tem caráter, competência e conhecimento do jogo. Agora, tem mais duas características para aceitar este desafio: coragem e muita confiança em si próprio. Graças a Deus que temos este legado mas quem vai aceitar este desafio não entra num clube mal ou que não tem nada a perder. Risco? Alto risco é decidir-nos por algo em que não acreditamos. O risco está exatamente no mesmo. Percebo a estupefação de termos pago dez milhões há cinco anos e agora apostamos num treinador com zero jogos na Primeira Liga. Estou tranquilo com isso, o Sporting e o João também estão tranquilos com isso”, referiu Frederico Varandas na apresentação de João Pereira.

“Não tenho muitas dúvidas que daqui a quatro/cinco anos estará num dos mais poderosos da Europa”: como Varandas preparou João Pereira

“Uma das maravilhas de ser adepto e sócio é eles poderem desfrutar do presente. É o papel deles. Eu não desfruto do presente. O nosso papel enquanto administradores é estar a viver no futuro. Eu quando estou a viver no futuro estou já há vários anos preparado para se aquela peça sair que peça é que vai entrar. Com uma garantia para mim: a qualidade do processo de trabalho interno tem de se manter. Por isso, quando é que vou perder Rúben Amorim, se é este ano, se é para o próximo, eu oiço esta pergunta há mais de quatro anos. O que para mim se deve questionar é como é que um dos melhores treinadores do mundo está há cinco anos no Sporting, isso é que é fantástico”, tinha dito a 20 de outubro, numa entrevista à RTP. Uma semana depois, a era Amorim começou a cair. E é nessa perspetiva de tentar ver mais à frente que será tomada uma decisão no que toca ao futuro de João Pereira depois de quatro derrotas consecutivas.

“Reconheço que houve muita culpa própria do Sporting mas isto é a prova de que o jogo estava viciado à partida”, destaca Varandas

Do Sporting gerido de dentro para fora aos três cenários até ao final do ano

“A primeira coisa é que, enquanto esta Direção aqui estiver, sabem quando é que o Sporting será gerido de fora para dentro? Nunca. A segunda nota é que o presidente do Sporting não fala quando este ou aquele acha mas sim quando entendemos que é o momento certo para falar. Muito mais importante do que a habitual comunicação corriqueira para inglês ver, é a comunicação interna entre estrutura, treinador e jogadores. O presidente irá falar para fora sim mas quando entendermos que é o melhor momento para defender os interesses do Sporting”, tinha apontado o presidente dos leões à partida para a Bélgica, sem falar em nomes mas mostrando nas entrelinhas o contexto do momento que o clube estava (e está) a atravessar.

Um dos pontos que Frederico Varandas apontou sempre como uma espécie de “defeito crónico” do Sporting, numa ideia que tinha ainda antes sequer de pensar concorrer à presidência do conjunto de Alvalade, era a forma como havia muitas pessoas (ou demasiadas pessoas) a falar sobre o clube e sobre as decisões a tomar, algo que crescia consoante o momento que a equipa de futebol atravessava. Foi isso que sentiu durante os dias que antecederam a viagem para Brugge, não só em termos públicos mas também no plano interno com “pedidos” para que algo fosse feito para travar a queda livre dos leões. Agora, esse cenário adensou-se. Mais: tudo o que se passou na Bélgica trouxe “fantasmas” que pareciam há muito afastados.

Dos insultos que ouviu quando saía do restaurante onde se realizou o habitual almoço entre direções no dia do jogo (algo que acabou por relativizar no regresso a Lisboa, quando perante os microfones da CMTV atirou a frase “Não quer esperar por nenhum adepto de uma claque para insultar e fazer um grande momento de contestação? São 160 mil sócios do Sporting” antes de seguir para a zona de embarque) ao arremesso de uma tocha para o relvado quando os jogadores agradeciam no final do jogo o apoio dos adeptos, passando por mais um festival de pirotecnia na entrada das equipas que é tido no plano interno como algo “propositado” mesmo perante todos os avisos feitos pela UEFA, a forma como o descontentamento tem sido manifestado não passa ao lado do presidente leonino. Também isso faz com que, mais uma vez, tente contrariar essa franja para marcar uma posição de que as decisões são tomadas de dentro para fora e não o contrário.

“É triste atirarem coisas após tentares ganhar todos os jogos…”: o lamento de Gyökeres (que não marca de bola corrida há cinco semanas)

Apesar desse ponto de honra, o atual momento está a ser analisado por toda a estrutura, sendo que qualquer decisão sobre o futuro de João Pereira será sempre assumida pelo líder leonino. Todos percebem que, um mês depois do último encontro de Ruben Amorim em Alvalade, a equipa perdeu a ideia forte de jogo que estava enraizada, perdeu qualidade, perdeu valor em termos de mercado perante exibições aquém também no plano pessoal, perdeu parte da empatia que existia entre equipa e adeptos e perdeu tração numa ótica desportiva, quase deixando a mensagem a qualquer adversário de que é possível ser feliz por enfrentar um Sporting sobre brasas nesta altura. Ninguém esperava que tudo fosse igual numa fase inicial com João Pereira, ninguém imaginava que o cenário se tornasse tão negro em tão pouco tempo. Tudo isso está presente mas não sob a forma suficiente de avançar já com uma dispensa – até por não existir um sucessor.

Dois desaires na Liga, três derrotas consecutivas e um João Pereira ao nível dos piores de sempre: “Apesar de tudo, estivemos melhor”

A par dessa realidade, existe uma ideia paralela que também tem sempre peso: a forma como João Pereira foi apresentado, que está longe de fazer corresponder palavras e “atos”, e a maneira como Frederico Varandas quis defender que a saída de um treinador (Ruben Amorim) e de um diretor desportivo (Hugo Viana, no final da temporada) não abalavam uma estrutura que tinha sido montada e que era superior às pessoas levam a que qualquer decisão mereça uma maior ponderação por ser ainda mais sensível do que seria sempre. É nessa ótica que se abrem três possibilidades até ao final do ano que não abalam algo que, segundo soube o Observador, está completamente seguro: João Pereira fará os dois próximos jogos (pelo menos).

O primeiro cenário, que por todas as razões seria o que melhor cairia em termos internos, passava por uma reviravolta no atual trajeto. Ou seja, numa primeira instância o Sporting conseguir travar a atual série de maus resultados contra o Boavista e depois fazer disso uma rampa de lançamento que pudesse estabilizar a equipa para recuperar desta fase e ir trabalhando novas ideias em cima de vitórias. Um segundo cenário, em caso de novos insucessos, seria partir para uma troca interina que pudesse acrescentar algo de diferente à equipa na hipótese do atual momento se acentuar com mais resultados aquém das expetativas – a ideia que todos gostavam de evitar em Alvalade. Depois, abre-se um terceiro cenário que é quase “natural”.

A frase que gerou sorrisos, um conselho de Ruben para a vida e a emoção ao recordar sonho do pai: a apresentação de João Pereira

O efeito negativo do período de João Pereira no Sporting não se mede apenas nos resultados e tudo terá de ser analisado para se perceber o que falhou para tamanha queda no trajeto feito em 2024/25. Em paralelo, e numa ideia já antes expressa, Varandas quererá “viver no futuro”, preparando-se para a possibilidade de ter de alterar alguma peça que possa sair. Nesse contexto, e sem haver nesta fase qualquer tipo de contactos diretos, propostas ou acordos, a hipótese de começar a pensar numa sucessão de João Pereira caso o atual cenário se mantenha surge como uma possibilidade para jogar nos vários cenários. Aí, a prioridade deverá recair num treinador português apesar de terem sido tentados nomes estrangeiros em março de 2020 antes da chegada de Amorim. Há alguns perfis que agradam, há hipóteses que podiam ser interessantes caso pudessem aceitar o desafio mas, para já, em Alvalade tudo está focado numa só figura chamada João Pereira.