Três anos após a fuga de João Rendeiro e a descoberta do descaminho de 23 obras de arte da coleção do antigo presidente do BPP, que deu origem à Operação “D’Arte Asas”, o Ministério Público (MP) conseguiu encontrar o rasto e repatriar nos últimos meses do ano quatro novas peças que tinham sido desviadas para o estrangeiro pelo ex-presidente do BPP — falecido em maio de 2022 numa prisão na África do Sul.

O lote de obras desaparecidas estava avaliado em cerca de dois milhões de euros, tendo as peças sido anteriormente colocadas à guarda de Maria de Jesus Rendeiro, como fiel depositária das 124 obras apreendidas em 2010 ao ex-banqueiro.

Graças ao trabalho articulado entre o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e a Polícia Judiciária (PJ), segundo a nota divulgada pelo DCIAP, regressaram em dezembro a Portugal três obras de arte avaliadas em cerca de 378 mil euros que se encontravam em Londres.

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Das obras recuperadas, destacam-se um quadro sem título do pintor norte-americano Robert Longo, ilicitamente vendido em março de 2021 por 91.567,80€, bem como um banco em mármore branco intitulado “Selections from Truisms: A Lot of Professional”, da artista Jenny Holzer, adquirido em 2007 pelo ex-banqueiro pelo valor de 132 mil libras (sensivelmente 159 mil euros ao câmbio atual).

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Uma segunda peça de Holzer, um banco em mármore preto intitulado “Nothing Will Stop You” que foi adquirido em 2007 por João Rendeiro pelo valor de 133 mil dólares (quase 128 mil euros, segundo o câmbio atual), foi igualmente repatriado para Portugal.

O comunicado do DCIAP, emitido ao abrigo do inquérito da Operação “D’Arte Asas” que é liderado pela procuradora Inês Bonina, destaca que as diligências de recuperação das obras de arte envolveram a Polícia Judiciária, cuja equipa coordenada pelo inspetor Bruno Miguel foi importante para o sucesso da operação, e a “expedição de pedidos de cooperação judiciária internacional ao Reino Unido, EUA, França, Espanha, África do Sul, Suíça e Bélgica”.

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Para essa operação foi também crucial a colaboração da leiloeira Christie’s que devolveu as obras de arte. Também Maria Rendeiro, a viúva de João Rendeiro, teve um papel relevante ao não se opôr que o DCIAP ficasse com as obras.

Além destas peças, o DCIAP garantiu também em setembro passado a repatriação desde Nova Iorque do quadro “Rzochow”, do artista plástico norte-americano Frank Stella. A obra do influente artista contemporâneo (falecido aos 87 anos em maio de 2024) tinha sido vendida de forma ilícita por 68.750 dólares (cerca de 66 mil euros) em outubro de 2021.

Ou seja, a venda ocorreu poucas semanas após ser conhecida a fuga do antigo líder do BPP para a África do Sul para evitar a prisão. Quando o líder histórico do BPP saiu de Portugal, já tinha uma condenação a cinco anos e oito meses de prisão prestes a transitar em julgado, um segundo processo com uma condenação de 10 anos de prisão — e que coincidiu então com a revisão da medida de coação, na qual se previa a aplicação de prisão preventiva —, e foi condenado a mais três anos e seis meses de prisão num terceiro processo, a 28 de setembro de 2021.

João Rendeiro. “A minha ausência é um ato de legítima defesa”

Foi nesse mesmo dia, a 29 de setembro de 2021, que revelou publicamente que não tencionava voltar a Portugal para cumprir as penas de prisão. “De todas as vezes regressei a Portugal. Desta feita não tenciono regressar. É uma opção difícil, tomada após profunda reflexão”, anunciou, então, João Rendeiro, continuando: “A minha ausência é um ato de legítima defesa”.

Outras obras já tinham sido recuperadas pelas autoridades portuguesas

Em janeiro de 2022, as autoridades portuguesas conseguiram recuperar também um outro quadro da autoria de Frank Stella que pertencia à coleção de João Rendeiro e Maria de Jesus Rendeiro. “Piaski” tinha sido vendido em março de 2021 através de uma leiloeira norte-americana por 106.250 dólares (aproximadamente 102 mil euros, atualmente) e encontrava-se à data em exposição na galeria Charles Riva Collection, em Bruxelas (Bélgica), desde setembro de 2021.

O quadro teria sido uma das obras posteriormente localizadas por Maria de Jesus Rendeiro, mas a obra que indicou ao tribunal seria uma falsificação, tendo o original sido encontrado em solo belga.

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No ano 2021 foram ainda recuperados em território nacional outros quatro quadros alvo de descaminho da coleção. Entre estes estavam “Seraglio II”, do pintor português Julião Sarmento, “Dias Quase Tranquilos”, da artista Helena Almeida, um quadro sem título do artista Pedro Calapez, e “Lag-72”, do pintor contemporâneo alemão Frank Nitsche, que tinha sido comprado por 21.150 euros em 2005.

O processo “D’Arte Asas” surgiu em outubro de 2021, após a PJ ter descoberto numa diligência que tinham desaparecido da residência dos Rendeiro várias obras de arte apreendidas.

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Maria de Jesus Rendeiro foi constituída arguida pelos alegados crimes de descaminho, desobediência, branqueamento de capitais e falsificação de documento relativamente a obras de arte da coleção de João Rendeiro. Na investigação é ainda visada a família Florêncio de Almeida, do presidente da ANTRAL — (Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros), por uma série de negócios imobiliários com o casal Rendeiro.

70 milhões de euros bloqueados no segundo processo do BPP

O DCIAP indicou também que, no âmbito do segundo processo relacionado com o BPP, estão apreendidos ou arrestados bens e valores na ordem dos 70 milhões de euros.

Foi deste caso que resultou a maior condenação de João Rendeiro: 10 anos de prisão pelos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e abuso de confiança, num processo acerca da apropriação, em conjunto com outros ex-administradores do banco, de cerca de 30 milhões de euros de prémios do BPP.

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Entre os bens apreendidos destacam-se um apartamento na luxuosa Quinta Patiño, comprado em 2018 por 1,15 milhões de euros, um automóvel Mercedes avaliado em 50 mil euros e cerca de 500 mil euros em contas bancárias no estrangeiro. “Encontram-se, ainda, em curso diligências com vista à recuperação do produto do crime”, concluiu o MP.