Era véspera da véspera de Natal. No menu, Vitória-Nacional. O Dom Afonso Henriques, como habitual, praticamente cheio. Ouve-se o mítico “Sou Vitória” pelas vozes dos adeptos vimaranenses, com a ajuda de uma ténue trilha de fundo, inspirada em Sailing, de Rod Stewart. À frente do banco de suplentes do Vitória Sport Clube, de pé e mãos nos bolsos, está um homem de cabelo grisalho a apreciar o momento. Esse homem ainda não sabe – suspeita só –, mas daí a apenas 11 dias, vai estar exatamente no mesmo local, quem sabe na mesma pose, só que uns metros mais ao lado. Vai ouvir a mesma música, vai sentir o mesmo calor das bancadas, mas em vez de estar à frente do banco do Vitória, estará no adversário. Esse homem é Rui Borges e 11 dias bastaram para mudar a sua vida sem sair do sítio. Esta sexta-feira, o novo treinador do Sporting volta a Guimarães para defrontar o Vitória e na antevisão não escondeu o cariz especial do duelo.

O treinador do Sporting CP, Rui Borges, na conferência de imprensa de antevisão ao jogo com o Vitória de Guimarães, em Alcochete, 02 de janeiro de 2025. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Rui Borges fez a antevisão do jogo frente ao Vitória Sport Clube esta tarde

“Para mim, na minha cabeça, está bem ciente o carinho que tenho por eles e pelo clube. É um clube especial”, disse o treinador de Mirandela, na Academia Cristiano Ronaldo, em Alcochete. Um carinho que se formou rápido, já que foram apenas cinco meses à frente do clube vimaranense, num total de 30 jogos. Mas bastaram para criar uma ligação especial: “Tenho um carinho enorme pelos jogadores do Vitória, por toda a estrutura. Vão ficar para sempre, independentemente de onde esteja”, afirmou Rui Borges na antevisão, admitindo também que esse carinho pode não vir de todos os lados.

Acredito que uns [adeptos] percebam, outros nem tanto. Vivem muito o clube. Acredito que há malta que não tenha gostado tanto e entendo”, frisou Rui Borges antes da viagem para o Minho.

“Os adeptos do Vitória cultivam um bocadinho aquela ideia de ‘rei morto, rei posto’. E, portanto, a partir do momento em que Rui Borges saiu para o Sporting, eles estão é mais focados naquilo que Daniel Sousa pode aportar ao clube e não tanto num treinador que já não faz parte do presente”. Quem o diz é Abel Sousa, jornalista e comentador da Rádio Santiago, que costuma acompanhar as lides do Vitória. Indiferença será o sentimento principal, mas no futebol há sempre espaço para tudo na bancada. “Muito provavelmente, o que vamos assistir é uma reação positiva de parte de alguns, eventualmente mais negativa de outros, mas, na esmagadora maioria, creio que haverá alguma indiferença relativamente ao regresso de Rui Borges a Guimarães”, explica.

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Carlos Costa, vimaranense e adepto do Vitória, alinha com Abel Sousa. A indiferença será o ponto principal na receção ao antigo técnico. “O Rui Borges é um adversário. Posto isso, vai ser tratado como um adversário. Sem nenhuma animosidade especial, porque não há razão para isso, mas também sem louvores. Com certeza haverá aplausos, com certeza haverá assobios, mas nada de extraordinário se passará. A história do Vitória é centenária, com muitos treinadores. Temos casos recentes, como o Sérgio Conceição, o Rui Vitória, o Paulo Sérgio. Todos eles regressaram a Guimarães e, que eu saiba, nenhum foi maltratado”, prevê.

Rui Borges treinador do Vitória de Guimarães durante a conferência de imprensa de antevisão para o jogo da Liga Conferência com o Floriana, 30 de julho de 2024, no estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães. ESTELA SILVA/LUSA

Rui Borges numa pele que usou até há bem pouco tempo, em Guimarães

Agora, os aplausos, diz Carlos Costa, vão para Daniel Sousa, o atual treinador vitoriano, que vai fazer a estreia esta sexta-feira em Guimarães, no D. Afonso Henriques. Depois de uma passagem cheia de sucesso pelo Arouca e de uma falsa partida no Sp. Braga, o antigo adjunto de André Villas-Boas tem a grande oportunidade da carreira. Ou como admitiu Rui Borges na antevisão desta quinta-feira, uma sorte: “Ter a sorte de treinar no Vitória… Vivo bem com o carinho que tenho e terei, independentemente de haver gente a gostar mais ou menos”.

Na mesma antevisão, e ainda sobre Guimarães, o treinador dos leões foi questionado pela Rádio Observador sobre o mercado, numa pergunta feita vezes sem conta a Ruben Amorim nos últimos dias como treinador do Sporting. A Amorim perguntaram incessantemente se conseguia prometer não atacar Alvalade em janeiro, no mercado de inverno. O antigo treinador acedeu, apesar das recentes notícias que dão conta do interesse em Gyökeres por parte do Manchester United. Promessa quebrada? Rui Borges não correrá esse risco, porque sobre promessas só faz uma: trabalho. “Promessas só trabalho, não prometo mais nada. O futebol é feito disso. O Vitória está a fazer uma grande época, principalmente na Europa. Há jogadores muito bons lá, mas não é só para o Sporting, é para qualquer equipa. Por isso, se algum momento tiver de indicar algum, terei de indicar, sem qualquer problema. Se tivermos capacidade de chegar lá, já é outro assunto”, avisou.

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A “não promessa”, porém, não assusta os vitorianos. Para o adepto Carlos Costa, um possível assédio ao castelo em janeiro seria mais do que expectável e nada muda com as palavras do antigo treinador. “É natural que o Rui Borges, conhecendo o plantel do Vitória, possa indicar algum jogador. Não me espantaria. Não me põe mais ou menos aflito. Até porque nós sabemos que temos jogadores muito cobiçados, que estão na montra”, admite. O mesmo considera Abel Sousa, ainda que o jornalista vimaranense sublinhe que essa não tem sido a estratégia do Vitória: “Nos últimos tempos, o Vitória não tem vendido muito para o mercado interno. Não sei se por desinteresse dos maiores clubes nacionais ou por questões financeiras. Mas claro que vejo o Vitória com jogadores que poderiam reforçar o plantel do Sporting”, acrescenta.

Mas quem? Um nome claramente à cabeça: Tomás Händel. O médio português formado em Guimarães tem sido um dos destaques da equipa e ainda que Rui Borges tenha fugido ao convite para nomear as suas preferências do antigo plantel, para o jornalista Abel Sousa não há dúvidas: “O Händel é, à cabeça, o mais badalado. Muito provavelmente o Vitória vai fazer essa transferência no mercado de janeiro. Agora não sei é se vai fazê-la no mercado nacional ou se até já não estará sinalizado no mercado internacional”. O vitoriano Carlos Costa concorda e junta Alberto Baio e Manu Silva à equação: “Há um conjunto de jogadores com margem de progressão que podem caber no Sporting. Mas não me tira o sono, porque nós estamos habituados às vendas de janeiro”.

O jogador do Vitória de Guimarães Tomás Händel (D) disputa a bola com o jogador do Arouca Cristo González durante o jogo da Primeira Liga de Futebol, no estádio D. Afonso Henriques, Guimarães, 15 de janeiro de 2024. JOSÉ COELHO/LUSA

Tomás Händel está no topo da lista de potenciais jogadores a sair do Vitória no mercado de janeiro

Por enquanto, Rui Borges também não perde o sono com isso. O treinador do Sporting diz que se “agarra” aos que tem e que não se “queixa” quanto a isso. Por enquanto, o sono só é retirado pelo Vitória, no regresso a Guimarães, no jogo que vai pôr fim à primeira volta do campeonato, com o leão líder no primeiro jogo de janeiro. A partida está marcada para as 20h15 desta sexta-feira e pode acompanhá-la na Rádio Observador, com relato e comentários em direto, e em observador.pt no liveblog em direto.