O ex-Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, desafiou esta quinta-feira o Governo a nomear uma Comissão da Reforma Fiscal, que tenha os mesmos moldes da que foi criada em 1984 pelo Governo de Mário Soares. Num artigo de opinião publicado no Observador e assinado em co-autoria com ex-ministro da Economia Carlos Tavares, Cavaco Silva sugere que o Governo só vai ter condições para fazer uma reforma fiscal quando tiver uma maioria parlamentar e que, até lá, resta-lhe “minorar os estragos” e “preparar terreno para que uma verdadeira reforma fiscal possa ser feita no futuro, quando as condições políticas o permitirem”.
O artigo, que tem como título “Está na hora, é urgente“, alerta para a urgência de criar esse organismo, que “deve ser uma comissão especializada, integrando pessoas da mais elevada competência técnica, presidida por um professor universitário e dispondo dos meios indispensáveis para realizar o seu trabalho.” Os autores acrescentam ainda que “o relatório por ela produzido será um ativo da maior importância para qualquer Governo. É trabalho para um ano.”
Cavaco Silva e Carlos Tavares consideram que o atual contexto político apenas permite este primeiro passo, mas não uma reforma profunda — e dão como exemplo as mexidas em matéria fiscal desde que o novo Executivo tomou posse. Os autores classificam as alterações ao Orçamento do Estado para 2025 por via das chamadas coligações negativas como populistas. “Ao longo dos primeiros nove meses da legislatura ficou claro que é mais fácil formar na Assembleia da República maiorias parlamentares de partidos opostos para aprovar alterações populistas de impostos do que aprovar alterações estruturais indispensáveis para que Portugal se aproxime dos níveis de vida dos países mais ricos da UE”, escrevem no mesmo artigo.
Outro paralelismo feito por Cavaco Silva e Carlos Tavares com os anos 1980 é precisamente que a reforma fiscal só pode ser feita quando à AD tiver a maioria. Foi assim no tempo da governação de Cavaco Silva em que, lembram os autores, “só depois de o Governo do PSD de então ter passado a gozar de apoio maioritário na Assembleia da República, na sequência das eleições legislativas antecipadas de Julho de 1987, foi possível vencer os obstáculos à aprovação da legislação exigida pela concretização de uma reforma fiscal, considerada indispensável à modernização e desenvolvimento do país e aos desafios da integração europeia.”
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Ao longo do texto os autores registam ainda que a “coerência do sistema fiscal português”, atingida na reforma de 1989, ” foi sendo destruída ao longo dos últimos 30 anos através da introdução de numerosas alterações avulsas aos códigos do IRS e do IRC e do Estatuto dos Benefícios Fiscais, quase sempre ao sabor das circunstâncias conjunturais e dos ciclos políticos.” Os economistas acrescentam ainda que “a tributação das empresas assenta hoje num sistema de grande complexidade que ignora a realidade económica dos tempos modernos.”
Os autores elogiam ainda o atual ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, que consideram uma “pessoa de indiscutível competência“. Lembram que, além do que está plasmado no programa da AD, no livro Portugal: Liberdade e Esperança, o próprio Joaquim Miranda Sarmento defende a urgência de promover uma reforma fiscal. Recordam ainda que a Sedes fez o mesmo através do documento “Por uma verdadeira reforma fiscal”.
No mesmo artigo, Cavaco Silva e Carlos Tavares descrevem o atual sistema fiscal como “muito complexo, obscuro e injusto“. Falam também sobre casos mais específicos. Lembram, por exemplo, que quando foram criadas as taxas adicionais de solidariedade em 2012 (de 2,5% para rendimentos acima de 80.000 euros) e em 2013 (os 2.5% passaram para rendimentos acima de 80.000 euros e foi criada uma nova taxa de 5% para rendimentos acima de 250.000) era suposto serem “temporárias“, mas ainda se mantêm. E isso, explicam, torna a taxa marginal de IRS para este nível de rendimentos numa das “mais elevadas dos países da UE.”