Para além da promessa de Luís Montenegro feita durante a campanha eleitoral — para conter as polémicas declarações de Paulo Núncio — o PSD escudou-se no referendo de 2007 que descriminalizou a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) para votar contra todas as propostas, à esquerda e à direita. O PS deixou acusações de “hipocrisia” à bancada social democrata e recordou as posições de Leonor Beleza, Rui Rio e até Pedro Passos Coelho, mas todos os projetos acabaram rejeitados.

O debate arrancou com o resultado final já conhecido. O voto contra do PSD aos projetos da esquerda que pretendiam alargar o prazo para o aborto e os projetos do CDS e do Chega para impor mais restrições no acesso à IVG ditaram a rejeição de todas as iniciativas, mas os socialistas ainda fizeram um forcing final com Isabel Moreira a confessar que “não se percebe o que é que leva o PSD, institucionalmente falando, a insistir numa história de décadas sempre contra a autonomia das mulheres“.

Isabel Moreira recordou até as posições de figuras como Leonor Beleza, atual vice presidente do PSD, Teresa Leal Coelho, Rui Rio ou “Pedro Passos Coelho, até certa altura”, para lembrar à atual bancada social democrata que há quem, dentro do partido, tenha estado do lado do sim. Já no encerramento, a líder parlamentar Alexandra Leitão garantiu que “a filosofia da lei não é desvirtuada”, acusando o PSD de “hipocrisia” por votar contra a “correção de direitos”.

Depois de Hugo Soares ter anunciado o sentido de voto após uma reunião da bancada parlamentar que decorreu esta quinta-feira, no debate a defesa da posição do PSD ficou a cargo de Andreia Neto, que recuperou as declarações de Luís Montenegro durante a campanha para as legislativas, em que o agora primeiro-ministro garantiu que a AD não ia fazer qualquer alteração à lei do aborto, na sequência de umas polémicas declarações de Paulo Núncio em que deixou no ar a possibilidade de um novo referendo.

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Citando uma expressão utilizada por António Costa de que “palavra dada é mesmo palavrada honrada”, o PSD encontrou uma justificação para não alinhar à esquerda nem à direita e escudou-se ainda na pergunta feita no referendo em 2007, que especificava que a interrupção voluntária da gravidez era permitida até às 10 semanas. Para Andreia Neto, esta foi “a pergunta mais debatida, escrutinada e ponderada da história da nossa democracia“, e por isso, “a resposta já foi dada” e “os portugueses são soberanos”.

O Chega, num debate em que André Ventura não marcou presença, criticou, pela deputada Sandra Ribeiro, a “falta de alternativas que são dadas às mulheres que não a experiência traumática do aborto”, concluindo que “o Estado falhou”. Na reta final da discussão, Rita Matias levantou também um momento de maior burburinho ao “erguer uma bandeira branca” para apelar à votação unânime num projeto de recomendação — sem força de lei –, sobre a “maternidade vulnerável”.

Também a questão dos objetores de consciência foi alvo de alguns dos momentos mais acalorados do debate. O CDS, pelo líder parlamentar Paulo Núncio, defendeu que “a objeção de consciência dos médicos não é negociável. É matéria de juramento, de vocação e de lei” e que “obrigar profissionais a praticarem atos contra a sua consciência é um poder que este Parlamento não tem”.

Mariana Leitão, da Iniciativa Liberal, até defende a possibilidade da objeção de consciências, mas lembra que “este direito não pode conflituar” com o acesso ao aborto e que “nalgumas regiões, os hospitais têm tantos médicos objetores que as mulheres não conseguem aceder ao serviço mesmo cumprindo o prazo legal”. O Livre queria ir mais longe na imposição de regras para a objeção de consciência e lamentou que o Governo não tenha marcado presença, através do ministério da Saúde.

BE e PCP lembram que o PS teve oportunidade para mudar a lei. E PSD e CDS aproveitam a boleia

O Bloco de Esquerda e o PCP, que apresentaram projetos no mesmo sentido do PS para alargar o prazo legal para a IVG, não deixaram de criticar os socialistas por só agora terem avançado com estas iniciativas. A líder parlamentar do PCP, Paulo Santos, avisou que “existiram condições no passado recente para a resolução dos problemas que condicionam o acesso à IVG e até no alargamento do prazo” mas que “não foi essa a opção do PS“.

Já antes, numa questão colocada a Isabel Moreira, a deputada do Bloco de Esquerda, Isabel Pires lembrou que o PS “foi avisado durante os últimos anos” para a necessidade de alterar a lei que regulamenta o aborto em Portugal. Noutra fase do debate, a coordenadora bloquista, Mariana Mortágua recordou a “nossa vitória” em 2007 “contra o conservadorismo” que “permitiu salvar a vida de milhares e milhares de mulheres”.

O argumento de que o PS teve oito anos para propor alterações à lei — e os últimos dois em maioria absoluta –, foi também utilizado pelo PSD e pelo CDS com Paulo Núncio a acusar o PS de “tática política” ao propor estas mudanças agora “só porque mudou o Governo”.

No final, todos projetos foram rejeitados, com a iniciativa do Bloco de Esquerda, que queria ir mais longe e alargar para as 14 semanas o prazo legalmente permitido, a dividir as bancadas da Iniciativa Liberal e do PS — por exemplo, Isabel Moreira, votou a favor da iniciativa do Bloco, ao contrário da maior parte da bancada que se absteve. Já o PSD votou de forma unânime com alguns deputados a apresentarem declarações de voto, entre eles, Emídio Guerreiro.