A mulher de Javier está maravilhada. “Então e um pastelinho de Belém, não há?”, pergunta, depois de saber que o tuk-tuk onde ela, o marido e dois filhos vão fazer um passeio lhes oferece uma garrafa de água pelo percurso de uma hora. Eles e outros familiares, vindos de Granada, chegaram à Praça da Figueira e dirigiram-se imediatamente aos mais recentes veículos turísticos da capital. Os tuk-tuk são uma espécie de triciclo a motor com um número variável de lugares que estão a ganhar cada vez mais popularidade entre os turistas estrangeiros. Para Javier, a escolha foi “natural”. “Pareceu-nos mais cómodo e original”, explica, referindo que, por onde o tour vai passar – as ruas estreitas da Mouraria – nenhum autocarro passaria.

“Isto é ‘bué’ de giro”, afirma uma muito entusiasmada Camila, motorista de tuk-tuk da empresa Tuk Guide Portugal, que é a que vai levar Javier e a família a conhecer a Lisboa medieval. A alegria do seu discurso reflete aquilo que diz ter sido uma das grandes vantagens da chegada dos tuk-tuk à cidade: a possibilidade de os turistas fazerem passeios com pessoas jovens, que falam várias línguas e que têm formação específica para falar sobre os locais históricos de Lisboa. Algo que muitos taxistas não têm, pelo que Camila rejeita as acusações que as associações de táxi têm feito a este meio de transporte.

Joaquim Martins, taxista com pouso habitual no Largo do Chiado, não tem dúvidas: os tuk-tuk são “uma praga”. E não é o único a pensar assim. “Esta merda devia ser toda incendiada”, grita um taxista da Praça do Comércio que pede para ser identificado apenas como sr. Nogueira. Um colega, que não quis dizer o nome, acrescenta: “Isto só se resolve com os táxis parados e atirando essas merdas todas ao rio”. Segundo relatam, isso até já aconteceu junto às Docas com dois tuk-tuk.

Mais moderado, Fernando Manuel, condutor de táxi há cinco anos, explica que o negócio não foi grandemente prejudicado pelo aparecimento dos tuk-tuk – “isto já estava mau” – mas admite que há “concorrência desleal”. Tudo porque, refere, “um táxi tem de ir à inspeção de seis em seis meses”, os taxistas têm de tirar um curso que “custa cerca de 800 euros” para poderem transportar passageiros e, porque a sua carta de condução é profissional, “o limite de álcool é de 0,2 g/l”.

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Mas essas nem são as principais queixas dos taxistas. O principal problema, refere Florêncio de Almeida, presidente da ANTRAL, é não haver limitação dos percursos que estes novos meios de transporte podem fazer. “O mercado é livre, ninguém o pode contestar. Tem é que haver regras. Isso é um problema grave. É concorrência ilegal”, afirma, peremptório. “Não é possível que um táxi não possa andar a angariar clientes no meio da rua e estes serviços o façam”, afirma Florêncio de Almeida, que acusa os tuk-tuk de pararem à porta dos hotéis e do aeroporto a recolher turistas. “E até na Ponte 25 de Abril” já foi avistado um veículo, diz.

Trocas de acusações

No site da Tuk Tuk Lisboa, empresa há mais tempo a operar tuk-tuk na cidade, estão disponíveis cinco circuitos, um dos quais é o “personalizado” em que o visitante da cidade “tem a liberdade de parar onde quiser” e escolher “o seu próprio itinerário”. Os responsáveis da empresa não estiveram disponíveis para prestar esclarecimentos ao Observador. Outra companhia, a Eco Tuk Tours Lisboa, especializada em tuk-tuk amigos do ambiente, tem igualmente uma modalidade “à la carte”, que permite o aluguer de um veículo por tempo indeterminado.

Não é o caso da Calessino City Tour. Hugo Fernandes, proprietário e motorista do único tuk-tuk que a empresa tem, garante que só faz “percursos pré-definidos”. E brinca: “Se eu levasse pessoas ao aeroporto, gastava-se o gasóleo só a ir lá”. Também a Tuk Guide Portugal não faz circuitos que não estejam programados. Ainda esta terça-feira, refere uma colega de Camila que pede para não ser identificada, recusaram-se a levar uns passageiros ao aeroporto. E acusa os taxistas de terem uma condução perigosa. “Eles às vezes metem-se mesmo à frente” dos tuk-tuk para provocarem acidentes, acusa.

Segundo Florêncio de Almeida, que teve uma reunião com a Câmara Municipal de Lisboa no passado dia 12 de agosto, o município informou a ANTRAL de que seriam 173 os tuk-tuk a andar atualmente por Lisboa, propriedade de três empresas licenciadas para tal. Na Rua do Comércio, esta terça-feira à tarde, eram visíveis dez tuk-tuk de, pelo menos, cinco empresas diferentes, à espera dos turistas, que se concentravam na paragem dos autocarros turísticos. Alguns desses turistas, questionados pelo Observador, afirmaram que preferem os autocarros pela possibilidade que têm de entrar e sair do veículo durante 48 horas por 25 euros. Um circuito de tuk-tuk custa, no mínimo, 45 euros por hora.

À ANTRAL, o município garantiu “que o assunto vai ser discutido futuramente” pelo executivo camarário e pelos deputados da assembleia municipal, refere Florêncio de Almeida. Ao Observador, a câmara afirmou não ser possível confirmar o número de veículos e empresas a operar no setor dado a Florêncio de Almeida, porque o licenciamento desta atividade cabe ao Turismo de Portugal.

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É na Rua do Comércio que se concentram a maioria dos tuk-tuk à espera de turistas

Já há meses, num parecer subscrito tanto por esta associação como pela Federação Portuguesa do Táxi (FPT) e entregue à Câmara Municipal de Lisboa, ambas as organizações classificam a liberdade de trajetos como “um claro incentivo à prática de transporte ilegal”. O “alargamento de licenciamentos a coberto de uma natureza turística que introduz uma sobre-capacidade instalada no mercado”, diz o documento, fez com que tuk-tuk e riquexós se tenham tornado concorrência direta aos táxis, o que originou a “redução da sua rentabilidade e maior dificuldade de rejuvenescimento das frotas e qualificação do pessoal”, lê-se na revista Táxi, editada pela FPT.

Os circuitos de tuk-tuk, passando pelos miradouros da cidade e/ou os seus monumentos mais importantes, podem durar de uma a três horas e têm preços compreendidos entre 45 e 100 euros. Segundo o presidente da ANTRAL, “quatro horas num táxi em Lisboa não custam mais do que 80 euros”.