Espanha vai voltar a ter eleições legislativas a 20 de dezembro, naquela que será uma das votações mais importantes desde que existe democracia no país. Primeiro, em termos históricos: os espanhóis vão escolher o próximo governo pouco depois do 40º aniversário da morte de Franco, que deu início ao processo de transição democrática. Depois, pela fase que o país liderado por Mariano Rajoy atravessa. O pico da crise parece estar pelas costas, numa altura em que a economia espanhola voltou ao crescimento, mas o desemprego continua nos 21,1% — só a Grécia tem uma cifra pior em toda a Europa.
Para já, as sondagens preveem uma vitória do Partido Popular — uma meia-vitória para o partido no poder, uma vez que deverá ficar longe da maioria absoluta. Essa é uma das certezas da campanha eleitoral, que arrancou oficialmente na segunda-feira e que ficou marcada pelo debate transmitido no site do El País. Rajoy, preferiu não comparecer — mas ficou com as orelhas a arder. E foi deixada uma tribuna vazia, para assinalar a sua ausência.
O debate
Na terça-feira, quando o tema era o rescaldo do debate, Rajoy visitou um lar de terceira idade em Valladolid — jogou duas partidas de dominó com alguns dos utentes, acabando por perdê-las. Comentar o debate foi coisa que não fez. “Houve uma discussão prévia e bastantes dirigentes do partido que achavam que ele devia ter ido ao debate a quatro do El País agora admitiram que ele fez bem em não participar naquela luta de galos para saber quem ficará em segundo e quem vai ser o líder da oposição depois das eleições”, disse um “responsável máximo” do PP ao El País na terça-feira.
Assim, sobraram Pedro Sánchez, do PSOE; Albert Rivera, do Ciudadanos; e Pablo Iglesias, do Podemos.
O debate ficou marcado por algumas trocas de acusações de parte a parte, onde foi visível que, de entre todas as combinações possíveis entre os candidatos em estúdio, é o socialista Sánchez e o catalão Rivera que têm maior proximidade de ideias. O esquerdista Iglesias ficou em desacordo com os outros dois em várias ocasiões.
Combate ao terrorismo
Foi assim quando se discutiu o combate ao terrorismo e a hipótese de Espanha entrar na coligação de combate ao auto-proclamado Estado Islâmico. Rivera disse que “da mesma maneira que combatemos unidos contra os fascistas e ganhámos, agora temos de nos unir para lutar contra os terroristas“. Sánchez falou a favor de um acordo para “atualizar os mecanismos do Estado de direito para lutar contra um novo tipo de terrorismo e que não se esqueça nem das vítimas nem da comunidade muçulmana”. Já Iglesias disse que “os bombardeamentos não serviram para nada, nem no Iraque, nem na Líbia” e defendeu antes que fossem atacadas “as vias de financiamento dos terroristas”. O líder do Podemos defendeu ainda a realização de um referendo antes de ser tomada uma decisão quanto ao bombardeamento do Estado Islâmico.
Independência da Catalunha
O mesmo bloco PSOE e Ciudadanos também ficou claro quando o debate passou para o tema da independência da Catalunha. Rivera, cujo Ciudadanos começou como um partido regional da Catalunha e agora confirma cada vez mais a sua dimensão nacional, deixou palavras ásperas ao presidente do governo regional da Catalunha, Artur Mas: “Conheço-o bem. Não quer que o convençamos”. Por isso, sublinhou que a manuntenção da Catalunha em Espanha é uma questão de cumprir “a lei”. Tanto o líder do PSOE e como o do Ciudadanos — que são ambos a favor da permanência da integridade territorial espanhola — disseram que fazer um referendo à independência seria como “atirar a toalha ao chão”. Diferente opinião teve Iglesias: “A Espanha é diversa e pluri-nacional. Achamos que os catalães devem decidir o seu futuro votando, e quem diz isto não quer que a Catalunha saia de Espanha”.
Ainda assim, os três candidatos juntaram-se de forma excecional quando o tema era a Catalunha. O alvo foi o grande ausente da noite, o primeiro-ministro, Mariano Rajoy. “Com mais quatro anos de Rajoy era capaz de haver independentistas até em Valladolid”, gracejou Iglesias. Rivera por sua vez disse que o independentismo catalão ganhou força depois de o PP ter enviado o estatuto catalão para o Tribunal Constitucional. E Sánchez criticou o impasse de Rajoy, dizendo que este “não fez nada na Catalunha nos últimos quatro anos, mesmo que há muito tempo se oiçam os alarmes”.
Economia e emprego
Houve, porém, um tema em que o PSOE e o Ciudadanos demonstraram algumas diferenças, a par do Podemos: a economia e o emprego. O tema não é de somenos: a taxa de desemprego espanhola está nos 21,6%. O líder dos socialistas disse que anular a reforma laboral do PP “não é uma opção, é uma obrigação”, dizendo que esta apenas criou “mais desemprego e desigualdade”. Iglesias deu pouco valor a esta promessa: “Há muitas dúvidas sobre se vocês vão anular a reforma laboral”. Já Rivera insistiu na “medida-estrela” do Ciudadanos, que é a criação de um contrato único para todas as relações laborais que venham a ser firmadas doravante. Esta medida consiste na criação de um regime em que os contratos deixam de ser distinguidos entre temporários e sem termo, passando a funcionar numa lógica de antiguidade. Assim, os despedimentos poderão passar a ser feitos sem custos de indemnização até uma fase do contrato (o Ciudadanos ainda não definiu qual) e, a partir daí, com o passar do tempo, o despedimento passará a ser cada vez mais caro à entidade patronal. “O modelo atual está obsoleto. Um jovem que entre no mundo laboral terá um contrato fixo”, disse Rivera. Iglesias discordou: “O problema do emprego não tem nada a ver com o tipo de contrato”. E Sánchez reforçou: “Há uma direita que está a propor um contrato único que pretende generalizar a precariedade. Porque se te despedem antes do tempo, custa menos”.
No final do debate, cada candidato teve o habitual minuto final para deixar as últimas palavras aos espectadores daquele que foi o primeiro debate de umas eleições legislativas espanholas transmitido pela internet. Rivera fez alusão a uma das questões centrais do Ciudadanos, que é a permanência da Catalunha em Espanha, apelando a que se recupere “o orgulho de ser espanhol com um novo projeto comum para Espanha”. Já Iglesias pediu aos cidadãos que lessem os programas e distinguissem entre os “imobilistas e aqueles que querem uma mudança”. Sánchez garantiu aos espectadores que o PSOE é capaz de “liderar a Espanha das oportunidades”: “Porque sabemos fazê-lo e vamos voltar a fazê-lo”.
Sondagens apontam para cenário de negociações
Embora haja variações entre as várias sondagens, há um dado que parece ser inegável: nenhum partido vencerá com maioria absoluta. A confirmar-se a previsão dos estudos de opinião, os dias seguintes à eleição serão de negociações entre vários partidos, em que cada um tentará usar a aritmética para seu benefício.
No que diz respeito a sondagens, foi a da Metroscopía, para o El País, que causou mais espanto. Isto porque apontava para um empate técnico entre o PP (22,7%), o Ciudadanos (22,6%) e o PSOE (22,5%). Mais atrás, mas ainda com uma votação relevante, ficou o Podemos com 17,1% dos votos. Por fim, a Esquerda Unida aparece com 5,2%.
Ainda assim, a maioria das sondagens tem apontado para um cenário (ligeiramente) diferente. A média das sondagens divulgadas na última semana coloca o PP à frente com 27,5%, seguindo-se o PSOE com 21,7%. Depois, entre os dois partidos emergentes, o Ciudadanos aparece melhor, com 19,5%. O Podemos tem uma média de 15,1%.