O Governo e a administração do Banif estão no sprint final de um contrarrelógio que, na realidade, é uma maratona que já dura há quase dois anos. A urgência que se acentuou nos últimos meses deve-se a dois fatores, indissociáveis um do outro: a deliberação de Bruxelas sobre a legalidade da ajuda de Estado ao banco e, por outro lado, a alteração do enquadramento legal na Europa que fará com que, se o problema se arrastar para 2016, os depositantes estejam em risco de se verem envolvidos na resolução do banco. Ainda assim, o Governo garante que os depósitos estão seguros. Em que ficamos?

Os depósitos estão em risco?

Desde 1992 que o regime geral que rege as instituições financeiras em Portugal admite perdas para depositantes com mais de 100 mil euros. Isto é, no caso de falência de um banco, o Fundo de Garantia de Depósitos – obrigatório na lei europeia mas de responsabilidade nacional – apenas garante até 100 mil euros. Durante a crise financeira, contudo, em Portugal e no resto da Europa isso nunca aconteceu, por receios em torno da estabilidade financeira global. Daí os resgates multimilionários que vários bancos portugueses e europeus tiveram nos últimos anos.

Foi, portanto, precisamente por causa desses resgates onerosos que desde 2012 começaram a desenhar-se novas regras que procuram minimizar o risco de novos resgates (bail out) à banca. Essas regras já começaram a ser introduzidas de forma faseada na legislação dos países mas só a 1 de janeiro de 2016 a Diretiva para a Recuperação e Resolução Bancária (BRRD, na sigla original) entra em vigor de forma plena em todos os países.

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O Governo garantiu que está a acompanhar, “como lhe compete, a evolução destes processos, garantindo a confiança no sistema financeiro, a plena proteção dos depositantes, as condições de financiamento da economia e a melhor proteção dos contribuintes”. Mas, segundo as novas regras, esta garantia do Estado só pode valer, caso o Banif seja alvo de uma resolução, se essa resolução ocorrer ainda este ano. Se uma resolução surgisse já em 2016, o Estado não teria como garantir os depósitos acima de 100 mil euros – devido à mudança nas regras europeias.

O governo garante “plena proteção” aos depositantes. Mas, segundo as novas regras, esta garantia do Estado só pode valer se, caso o Banif seja alvo de uma resolução, essa resolução ocorrer ainda este ano. Se uma resolução surgisse já em 2016, o Estado não teria como garantir os depósitos acima de 100 mil euros – devido à mudança nas regras europeias.

Afinal, que é isso da “resolução”? Seria igual ao BES?

O Banco Espírito Santo foi alvo de uma resolução numa altura em que a nova legislação europeia já estava parcialmente vertida para a lei portuguesa. A resolução é uma alternativa à nacionalização e à liquidação, que passa por uma intervenção do Estado e do regulador numa instituição em risco, podendo tomar várias medidas como a separação dos ativos do banco – a fim de tentar gerir o processo de uma forma que melhor proteja os contribuintes (mais do que numa nacionalização) e a estabilidade do sistema financeiro (eventualmente mais do que numa liquidação).

Foi isso que aconteceu no BES em 2014. Mas, na altura, porque as regras ainda não estavam totalmente aplicadas, foi possível fazer uma resolução em que foi injetado no banco um montante de capital que permitiu proteger todos os depósitos. Ou seja, em teoria se a resolução do BES ocorresse no próximo ano seria admissível que fosse necessário o Fundo de Resolução injetar menos dinheiro no Novo Banco, porque parte do buraco seria coberto com os depósitos acima de 100 mil euros.

No caso do Novo Banco, foi possível fazer uma resolução em que foi injetado no banco um montante de capital que permitiu proteger todos os depósitos. Ou seja, em teoria se a resolução do BES ocorresse no próximo ano seria admissível que fosse necessário o Fundo de Resolução injetar menos dinheiro no Novo Banco, porque parte do buraco seria coberto com os depósitos acima de 100 mil euros.

Mas todos os depósitos do BES, de mais ou menos de 100 mil euros, passaram automaticamente para o Novo Banco, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com os acionistas do BES e com alguns tipos de credores, cujos investimentos ficaram no banco mau (BES) e não foram protegidos. Com a nova legislação, a este grupo de risco vão juntar-se, numa ordem predefinida, os outros credores e, também, os depositantes com mais de 100 mil euros na instituição.

Os depositantes são, em teoria, os últimos a serem beliscados, mas passam a estar na lista. Em circunstâncias normais, a menos que os reguladores evoquem riscos graves para o sistema financeiro, os depositantes com mais de 100 mil euros podem ser visados.

É provável que o Banif seja alvo de uma resolução?

É aqui que se junta o segundo fator que justifica a urgência em torno do Banif. É que, quando o banco foi intervencionado pelo Estado português, foi pedido – tal como nos outros bancos – um plano de reestruturação que visava garantir que o banco não estava a ganhar uma vantagem concorrencial por estar a ser ajudado pelo Estado. Ao contrário do que aconteceu com os outros bancos, contudo, o plano do Banif nunca foi aprovado, apesar de o banco já estar a avançar com algumas medidas nele contidas, como o fecho de balcões e vendas de ativos.

E porque é que nunca foi aprovado? Porque o Banif, representado pelo seu maior acionista (o Estado), nunca conseguiu chegar a acordo com Bruxelas sobre as métricas subjacentes à reestruturação. Do lado de Bruxelas acreditou-se sempre que as propostas partiam de pressupostos de rentabilidade que colocavam um grande ponto de interrogação sobre os planos. Assim, e porque o Banif falhou no final de 2014 com o reembolso dos últimos 125 milhões de euros que o Estado tinha emprestado, Bruxelas viria a abrir uma “investigação aprofundada” cujas conclusões podem surgir em breve e que poderão obrigar a medidas mais duras, isto é, potencialmente a uma resolução do banco.

O Banif, representado pelo seu maior acionista (o Estado), nunca conseguiu chegar a acordo com Bruxelas sobre as métricas subjacentes à reestruturação. Do lado de Bruxelas acreditou-se sempre que as propostas partiam de pressupostos de rentabilidade que colocavam um grande ponto de interrogação sobre os planos.

O que está fora de questão é novos empréstimos CoCo, porque as regras mudaram e, claro, porque Bruxelas não deixaria arrastar ainda mais o problema sabendo-se que não há acordo sobre o plano de reestruturação. Se houver uma resolução, entretanto, será mais um encargo para os outros bancos nacionais – que compõem o Fundo de Resolução e que já têm o problema do Novo Banco em mãos. Quanto a esta questão, contudo, não há muito que possa adiantar-se nesta fase.

Como é que chegamos até aqui?

Além de emprestar 400 milhões de euros (dos quais faltam pagar os tais 125 milhões) – um empréstimo que os bancos têm de remunerar com taxas de juro muito elevadas, de quase 10% – o Estado teve mesmo, no caso do Banif, de entrar no capital da instituição. Nos outros bancos, isso só ocorreria se estes não tivessem conseguido pagar este empréstimo e isso levasse a que este pudesse ser convertido em ações – ou seja, nacionalização, mesmo que parcial.

No caso do Banif, mais grave do que dos outros bancos, foi necessário, além do empréstimo, fazer um aumento de capital em que o Estado injetou 700 milhões de euros, o que foi demolidor para os acionistas existentes porque o Estado acabou, aí, por ficar com uma participação de 99% e diluir os restantes. Entretanto, essa posição foi reduzida para cerca de 60% graças a um aumento de capital do banco que ajuda a perceber porque é que as ações estão a cotar a níveis tão ínfimos como seis centésimas de cêntimo.

O problema é que o Banif tardou a recuperar a rentabilidade operacional, mais do que os outros bancos. Mas, sobretudo, tem tido muita dificuldade em fechar vendas de ativos internacionais e da seguradora Açoreana, o que complica a obtenção de encaixes que permitissem, por exemplo, pagar os 125 milhões que faltam sem que isso colocasse o banco numa situação de solvabilidade perigosa.

A maior dificuldade tem sido, contudo, encontrar um investidor para o próprio banco – que esteja disposto a comprar as ações que o Estado comprou com a sua injeção de 700 milhões de euros em troca de ações do Banif.

Há interessados? Porque é que eles não avançam?

Depois de uma primeira investida na primavera que não deu frutos, pretendia-se no final de outubro que avançasse um dos “mais de dois investidores de várias geografias” que estão interessados no banco. Entre estes estão chineses, mas nenhum dos que foram à fase final da compra do Novo Banco (Anbang e Fosun), apurou, na altura, o Observador. Tem-se falado de muitos interessados, o Expresso avançou que a Apollo, o fundo americano dono da Tranquilidade e que foi um dos candidatos ao Novo Banco, estaria entre os grupos que consultaram o dossiê. Foi noticiado, também, que o Santander pode estar a olhar para este processo.

Tem-se falado de muitos interessados, o Expresso avançou que a Apollo, o fundo americano dono da Tranquilidade e que foi um dos candidatos ao Novo Banco, estaria entre os grupos que consultaram o dossiê. Foi noticiado, também, que o Santander pode estar a olhar para este processo.

O Banif é um banco, como vários outros em Portugal, que tem sido duramente penalizado pelo crédito malparado e pela reavaliação de ativos imobiliários. Além disso, sabe-se que terá perdido 100 milhões de euros de um empréstimo a uma empresa do Grupo Espírito Santo, a Rio Forte. O banco liderado por Jorge Tomé já confirmou um “processo formal” para a venda da instituição, mas a elevada quantidade de ativos imobiliários potencialmente problemáticos está a inibir os interessados.

É por essa razão que o Banif já propôs ao governo a transferência destes ativos – que ascendem a um total de 700 milhões de euros – para um veículo, libertando o Banif desse risco e tornando-o muito mais atrativo para a venda. Mas não é claro se Bruxelas admitiria tal hipótese, porque pode argumentar-se que isso seria uma ajuda de Estado inapropriada. Foi, contudo, mais ou menos isso que aconteceu em Espanha, durante a crise financeira, em que os bancos puderam livrar-se dos ativos imobiliários e colocá-lo num banco malo comum, o SAREB.

Este é o Plano B que está em cima da mesa para o caso de não ser possível vender o banco de forma direta. Neste caso, se o Estado vier a ter um prejuízo com o capital que injetou no banco, poderá tentar recuperar uma parte não só com o fruto da venda mas, também, enquanto acionista, com o que vier a conseguir rentabilizar deste veículo. Sublinhe-se novamente, contudo, que este plano teria de ser aprovado não só pelo Governo mas, também, por Bruxelas.

Voltando aos depósitos, de que montantes falamos?

Os últimos dados que existem sobre os depósitos no Banif, relativos a final de setembro, já davam conta de uma queda no volume de depósitos (numa altura em que estes subiram nos outros bancos rivais). Os resultados do Banif nos primeiros nove meses davam conta de uma quebra de quase 5% dos depósitos na instituição.

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No final de 2014, os recursos próprios do Fundo de Garantia de Depósitos somavam o montante de 1.540,4 milhões de euros, cerca de um quarto daquele que era o montante em depósitos do Banif em setembro. O Fundo financia-se graças às contribuições das instituições de crédito mas, em caso de necessidade, pode obter empréstimos caso seja necessário. Eis o que diz a legislação:

“Se os recursos existentes se revelarem insuficientes para fazer face às suas obrigações, o Fundo de Garantia de Depósitos pode obter contribuições especiais junto das instituições participantes, e ainda recorrer a empréstimos, incluindo junto de outros sistemas de garantia da UE, do Banco de Portugal e do Estado, que aliás também pode prestar garantias ao Fundo para obtenção de financiamento. Além disso, pode ser determinado que, para além das contribuições especiais, as instituições participantes disponibilizem ainda garantias, pessoais ou reais, necessárias à viabilização dos empréstimos”.

É mais do que provável que o valor de depósitos do Banif esteja mais baixo neste momento, porque foi a partir de outubro que o Banif se viu mais intensamente colocado no centro da agenda mediática – o que, no caso de um banco, raramente é algo positivo. No final de outubro, o banco viu-se envolvido na discussão política e o Observador preparou este texto: Banif. Como é que se vai descalçar esta bota?

Pedro Ricardo Santos, gestor da corretora XTB Portugal, diz que “de acordo com a atual legislação, depósitos estarão assegurados pelo Fundo Garantia de Depósitos. Contudo, ativos de risco, na generalidade, não estão cobertos pelo Fundo. De qualquer modo, devido aos recentes casos da banca portuguesa, será muito reduzido o número de clientes que detenham ainda ativos com este grau de risco. Por outro lado, os grandes depositantes terão já tomado precauções no sentido de assegurar a diminuição do risco dos seus depósitos”.

Não existem, contudo, dados mais atualizados do que estes sobre depósitos. Nem existe uma desagregação dos depósitos passíveis ou não de serem alvo do bail in (antónimo de bail out), por serem de um montante inferior ou superior a 100 mil euros, por titular e por instituição.

Para o pior cenário: como funciona a garantia de depósitos?

O Fundo de Garantia de Depósitos é o mecanismo que salvaguarda o reembolso do seu dinheiro em caso de colapso de uma instituição financeira. O fundo garante o reembolso até 100 mil euros por titular e instituição. Isto significa que se tiver, por exemplo, 150 mil euros numa conta num banco onde é único titular apenas terá direito ao reembolso de 100 mil euros. Mas se tiver os 150 mil euros divididos em contas de dois bancos diferentes (75 mil euros em cada um) conseguirá receber a totalidade do montante. Se a conta tiver mais que um titular são assegurados 100 mil euros por cada um.

Se tiver 200.000 euros numa conta e existirem dois titulares, ambos têm direito a receber 100.000 euros cada. Os 100 mil euros de reembolso são garantidos por depositante e por instituição. Assim sendo, os 200 mil euros desta conta com dois titulares teria o reembolso na totalidade assegurado. Estão previstos prazos para o reembolso, que se procedem de forma faseada. Desta forma, num primeiro momento, até um prazo máximo de sete dias, é paga uma parcela até 10 mil euros. O remanescente é pago até ao prazo máximo de 20 dias.

Mais informação prática sobre o Fundo de Garantia de Depósitos pode ser encontrada no site da instituição: aqui.