Quando Donald Trump surgiu finalmente na corrida republicana à Casa Branca – Trump fez-se saber “presidenciável” por três ocasiões, em 2000, 2008 e 2012, mas só em julho de 2015 se decidiu a avançar de uma vez por todas –, poucos analistas acreditariam que hoje, a poucos meses da eleição, Trump seria o favorito dos republicanos para defrontar Hillary Clinton ou Bernie Sanders.
Até ver, Hillary leva a dianteira, depois de vencer nos caucus do Iowa e do Nevada (perdeu nas primárias do New Hampshire) e vai-se afastando aos poucos do senador socialista do Vermont, mas a sua nomeação não é ainda uma certeza como era no começo.
Voltando a Donald Trump. Era tudo uma questão de tempo até cair, certo? Até Trump ser Trump. Os favoritos no verão (há mais de meio ano, portanto) eram, e por larga margem, Hillary Clinton, do lado democrata, e Jeb Bush, no Partido Republicano. Trump foi Trump: mal-humorado, excessivo, sarcástico, irascível e tantas vezes xenófobo. E continua a sê-lo — até o Papa Francisco disse de Trump que este não é o cristão que faz crer ser. Mas pelos vistos os republicanos gostam que Trump seja Trump. Tanto, que é cada vez mais improvável que ele caia.
Aliás, nas próximas semanas, mais do que definir-se se é ou não Trump a ganhar a nomeação do Partido Republicano – a Convenção Nacional Republicana é em meados de julho –, o que vai ser definido é quem fica desde já fora da corrida e quem será o seu adversário republicano final. Será Marco Rubio? Será Ted Cruz? Ben Carson e John Kasich já quase só contam para a estatística.
Um adversário que no começo se previu ser difícil para Donald Trump, Jeb Bush, pelo apelido que carrega, pela experiência política como governador do estado da Florida, pela angariação de fundos que conseguiu – Bush sai da corrida com mais de 150 milhões de dólares em donativos –, simplesmente não o foi.
Bush acabou por desistir depois de (mais) uma derrota estrondosa, agora nas primárias da Carolina do Sul, onde foi o quarto mais votado (tal como no New Hampshire e no Iowa), mas com apenas 7,9% dos votos e longe dos 32,5% de Trump.
Mas a sua saída não tem o peso das demais até aqui – Chris Christie, Carly Fiorina, Rick Santorum, Rand Paul, Mike Huckabee, George Pataki, Lindsey Graham, Bobby Jindal, Scott Walker e Rick Perry também já desistiram da corrida. Tem muito mais, porque o seu eleitorado tenderá a derivar para algum lado. E essa derivação de apoios sentir-se-á sobretudo na chamada Super Tuesday, já a 1 de março, em que 12 estados vão a votos, muitos deles no Sul, onde os Bush (os George, pai e filho) são habitualmente fortes.
Se o eleitorado de Bush pender para Trump, como ele acha que vai acontecer – “Eles não percebem que à medida que vão desistindo, eu vou ficando com muitos desses votos”, disse numa entrevista –, os demais candidatos republicanos podem bem arrumar as malas, pois Trump está a caminho da nomeação. Se é que não está desde já: há 36 anos que todos os candidatos que vencem as primárias do New Hampshire e da Carolina do Sul (como Trump venceu) conseguem a nomeação. E entretanto, esta quarta-feira de madrugada, Trump somou mais uma vitória, desta feita no Nevada.
Mas o eleitorado de Bush pode votar em Marco Rubio, também ele da Florida, ou até num candidato menor como John Kasich, por ser o único senador ainda na corrida. Se os votos caírem para o lado de Rubio, este será o mais do que provável adversário de Trump até ao final. Mas, até ver, só Ted Cruz é que bateu o pé a Trump, no caucus do Iowa. E Cruz espera garantir muitos dos 152 delegados do Texas, a sua terra natal, que representam uma parcela significativa dos 588 lugares em disputa nos 12 estados, e assim distanciar-se de Rubio, o “menino bonito” do partido.
Uma coisa é certa: dificilmente alguém vencerá Trump no um-contra-um eleitoral. Isto entre republicanos, claro. Quando a disputa for entre partidos, Hillary vencerá, certo? Mais ou menos. No verão, quando os candidatos surgiram aos molhos, uns atrás dos outros, era mais certo do que é hoje – e nem se colocava a questão de ser Hillary contra Trump, mas contra Bush. Em maio de 2015, por exemplo, Hillary Clinton tinha 52,9% das intenções de voto, contra os 33,6% de Donald Trump. Passado quase um ano, as sondagens de fevereiro de 2016 continuam a dar a vitória a Hillary (só a da Suffolk/USA Today dá a vitória a Trump por 45% contra 43% dos votos), mas o distanciamento é cada vez menor e os indecisos cada vez mais.
É precisamente aqui, na subida de popularidade de Trump e na queda de Hillary, que entra outro milionário ao barulho: o independente e ex-mayor de Nova Iorque, Michael Bloomberg. Será que avança? Ele diz que talvez, mas só depois da Super Tuesday. Mas poderá ser só fogo-de-vista.
Os meus milhões valem mais do que os teus. E se Bloomberg avançar como independente?
Não é propriamente uma novidade. O nome de Michael Bloomberg (curiosamente, tal como o de Donald Trump) foi várias vezes, em 2008 e 2012, ventilado como possível candidato presidencial. Sempre como independente, ou num denominado third party. Mas Bloomberg nunca avançou. Aliás, foi mesmo apoiante da reeleição de Barack Obama em 2012.
Este mês, em entrevista ao Financial Times, Bloomberg falou pela primeira vez da sua possível candidatura, não negando que esta possa vir a avançar nas próximas semanas. Porquê? Porque Bloomberg está desiludido: com Trump, com Hillary, com todos os candidatos à Casa Branca. “O nível do discurso, da discussão, é aflitivamente banal, um ultraje, um insulto aos eleitores”, afirmou o ex-mayor de Nova Iorque, concluindo: “Eles [eleitores] merecem muito melhor do que isto.”
Mas antes mesmo da entrevista ao Financial Times, já em janeiro o New York Times, citando fontes próximas de Michael Bloomberg, garantia que este estaria na disposição de investir mil milhões de euros da sua fortuna (avaliada pela Forbes em 37 mil milhões; oito vezes superior à do também milionário Donald Trump) numa candidatura presidencial sua, livre de partidos.
Ao Financial Times, Bloomberg não confirmou nem desmentiu, mas admite: “Estou a escutar com atenção o que os candidatos dizem, o que os eleitores das primárias querem. Se sou candidato? Estou a estudar todas as opções.”
Michael Bloomberg, 73 anos, sempre se fez saber democrata. Contudo, ao candidatar-se pela primeira vez a mayor de Nova Iorque, avançou com o apoio do Partido Republicano. Isto em 2001. Em 2005, foi reeleito para o cargo, também como republicano, mas afastar-se-ia do partido pouco depois, em 2007, desavindo com o Comité Nacional Republicano. Candidatou-se uma terceira vez em 2009, venceu novamente, mas aí assumindo-se como independente. Como agora quer ser.
E Bloomberg é realmente capaz de angariar votos de um e de outro lado, baralhando as contas finais. É que ao mesmo tempo que é “democrata” em temas como o meio ambiente e as armas, também é “republicano” quanto ao mercado livre, que defende – mas esta não é uma questão de oito ou oitenta: Bernie Sanders é crítico do mercado livre, de Wall Street, da alta finança; Hillary Clinton não.
Voltando à “baralhação” que um third party (ou um independente) pode trazer à eleição. A história diz-nos que, mais do que haver um vencedor independente – que nunca houve –, estes são sobretudo candidatos que retiram votos a algum dos outros, o democrata ou o republicano. Em 1992, por exemplo, o milionário texano Ross Perot concorreu como independente, chegou a estar à frente de George Bush e Bill Clinton nas sondagens, mas acabou por ser terceiro, com 18,9% e quase 19,7 milhões de votos. Clinton foi eleito, Bush perdeu e viu muitos dos eleitores republicanos votar em Perot. Na eleição de 2000, outro candidato – neste caso não independente, mas apoiado pelo Green Party –, Ralph Nader, terá contribuído para a derrota de Al Gore diante de George W. Bush, ficando com muito do eleitorado que defende (tal como Al Gore) as questões ambientais.
Mas recuemos mais ainda na história. O próprio Theodore Roosevelt, na eleição de 1912, à qual concorreu como progressista — ele que foi eleito em 1904 como republicano –, teve que dividir os votos com o candidato republicano William Howard Taft (e com o socialista Eugene V. Debs), o que abriu caminho à vitória do democrata Woodrow Wilson.
Michael Bloomberg, para além de dinheiro, vai necessitar de assinaturas para ser candidato. Muitas. Mas ainda tem tempo para as recolher em todo o país. Apenas num estado, o do Texas, o prazo limite para a recolha é junho. Os restantes têm-no entre agosto e setembro. Quanto à quantidade de assinaturas, a Califórnia é o estado onde são necessárias mais: 173.039 no total. Onde são necessárias menos é no Tennessee: apenas 275. Aliás, somente quatro estados exigem mais de 50 mil: a Califórnia, a Florida (119.316), a Carolina do Norte (89.366) e o Texas (79, 539). Os restantes estados só exigem cinco mil – ou menos.
As sondagens não são favoráveis a Bloomberg. As que foram recolhidas em janeiro dão conta que, quer avance contra Trump, Hillary ou Sanders, o ex-mayor nunca chegaria sequer aos 15% na votação. Hillary não se pronunciou sobre a possível candidatura de Bloomberg. Trump mostrou-se “muito feliz” com tal possibilidade, enquanto Sanders foi crítico. Muito crítico: “[Se Bloomberg for candidato] é sinal de que estamos a passar de uma democracia para uma oligarquia.”
No Nevada, Trump ganhou outra vez e manteve a sua dinâmica de vitória até à Super Tuesday
Marco Rubio e Ted Cruz apostavam tudo no Nevada, onde os caucus republicanos se desenrolaram esta madrugada, esperando beneficiar do voto hispânico (que representa mais de um quarto da população), filhos que são de pais cubanos. Ainda assim, Donald Trump venceu e manteve a sua dinâmica de vitória (os americanos chamam-lhe momentum) a poucos dias da Super Tuesday.
Mas os caucus do Nevada são apenas uma gota no oceano das primárias. Os delegados eleitos neste estado representam 5% dos 588 em disputa. A Super Tuesday, por sua vez, representará 1/3 destes. E é portanto aqui que os candidatos vão apostar as suas fichas.
Trump é favorito? É. Trump está em vantagem? Sim, está. Mas Ted Cruz, sobretudo ele, tem uma palavra a dizer. É que seis dos 12 estados que vão a votos no dia 1 de março são do sul — o tal Sul dos eleitores “Bush”. E Cruz, ultra-conservador, crítico do aborto, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, do “Obamacare”, Cruz que é apoiado pelo Tea Party no Texas, está em clara vantagem sobre Trump ou Rubio.
Por outro lado, Trump está na “pior fase” da sua campanha, talvez. As últimas semanas foram de acesa polémica. Como ele gosta, afinal. No último debate televisivo foi vaiado quando criticou a família de Jeb Bush – sobretudo a administração de George W. Bush –, viu Ted Cruz acusá-lo de, em tempos, defender o aborto e o planeamento familiar, até com o Papa Francisco (que criticou a sua postura anti-imigração) e com a gigante norte-americana Apple trocou farpas.
Mesmo assim, Trump venceu na Carolina do Sul. E prepara-se para continuar a vencer. Isto da “má fase”, quando assunto é a popularidade de Trump, também tem que se lhe diga. Certo é que Cruz e Rubio não a aproveitaram. Ainda.
Não há dúvidas (ou se as há, são poucas) de que Donald Trump vai chegar à Convenção Nacional Republicana com a maioria clara de delegados eleitos, deixando a decisão sobre o nomeado do Partido Republicano para as Presidenciais “facilitada” na reunião de julho, em Cleveland, no Ohio. O próprio presidente do Comité Nacional Republicano, Reince Priebus, admitiu recentemente à ABC que não se oporá à nomeação de Trump: “Se os delegados forem acumulados de uma forma a que um destes candidatos se torne o nomeado, é nosso dever apoiar esse nomeado e iremos fazê-lo. Portanto, sim, estamos preparados para apoiar qualquer candidato nomeado.”
Trump é imparável? Sim. Entre republicanos, sim. Se contra Hillary ou Sanders também o será, a 8 de novembro se vai saber. Aí se vai eleger o 45.º Presidente da história dos Estados Unidos da América.