A Comissão Europeia alertou esta sexta-feira para os riscos para a meta do défice associados à falta de acordo político para a aplicação de mais medidas de consolidação ainda este ano, a eventuais derrapagens na despesa e aos riscos para as perspetivas económicas, e diz que apesar de o nível de dívida públicas ser sustentável, a trajetória pode ficar “fora de controlo” caso aconteçam choques que consideram plausíveis.

Na apreciação da economia portuguesa hoje divulgada à luz do procedimento relativo aos desequilíbrios macroeconómicos, a Comissão faz um conjunto de alertas, muitos deles que tem vindo a fazer já desde o resgate à economia portuguesa (e alguns anteriores a esse período), não deixando, no entanto, de fazer referências ao atual cenário político em Portugal.

Diz a Comissão Europeia, que não conta ainda nas suas projeções com as medidas adicionais que foram acrescentadas depois de enviado o Esboço do Orçamento para Bruxelas, que, mesmo assim, “as perspetivas orçamentais enfermam de riscos de deterioração”.

Os três principais riscos, dizem, estão nos riscos de deterioração devido às incertezas que pesam sobre as perspetivas macroeconómicas – em especial devido a evolução da economia dos principais mercados para as exportações portuguesas -, a possíveis derrapagens na despesa e “aos riscos de não haver acordo político sobre ulteriores medidas de consolidação para 2016”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A Comissão não deixa ainda de deixar um “puxão de orelhas” ao anterior Governo, lembrando as derrapagens na despesa, em especial outras despesas de capital, remunerações e consumo intermédio, e ainda outras receitas que não derivadas de impostos, que terão impedido durante o ano passado que a redução fosse maior, ou seja, que cumprisse as regras.

Os técnicos lembram também que no ano passado o esforço de consolidação que vinha sendo feito durante o resgate evaporou-se, dando lugar a um “relaxamento pró-cíclico da política orçamental”. O resultado final foi um agravamento do saldo estrutural em 0,5% do PIB durante o ano de 2015, quando o mínimo que Portugal devia fazer era reduzir precisamente em 0,5 pontos percentuais.

A viagem ao passado do ajustamento das contas públicas continua com os técnicos a dizerem que a consolidação orçamental nos últimos anos “assentou essencialmente em medidas de incremento da receita em detrimento de reduções de despesas permanentes”, beneficiando ainda das condições favoráveis do ciclo económico, entre elas das condições de financiamento favoráveis. Recorde-se que o desenho do programa de resgate, do qual a Comissão Europeia também foi responsável, defendeu desde o início que a consolidação devia ser feita precisamente ao contrário, ou seja, através de reduções da despesa e estas deviam ser permanentes.

Dívida pública é sustentável, mas…

Não é uma análise nova, mas envolve palavras fortes e também aqui a Comissão Europeia volta a fazer referência ao atual quadro político em Portugal. Dizem os técnicos que a dívida pública portuguesa é demasiado elevada, muito acima dos valores de referência do Pacto de Estabilidade e Crescimento (ultrapassou os 130% do PIB no ano passado, quando a regra é não passar de 60%), mas que para já é sustentável.

Ainda assim, diz a Comissão, há riscos e caso se materializem podem ter consequências muito gravosas. “Ainda que a dívida pública seja considerada sustentável em cenários plausíveis, o seu comportamento é vulnerável a choques adversos. (…) Globalmente, a análise da sustentabilidade da dívida revela que a trajetória de estabilização da dívida do cenário de base é sólida em toda uma série de cenários razoáveis, mas certos choques plausíveis poderiam deteriorar consideravelmente o comportamento da dívida pública portuguesa”, dizem os técnicos.

E que choques são estes? Menos crescimento nominal (ou seja, não é só o crescimento económico real, mas também o fator preço associado à inflação, por exemplo), aumentos acentuados das taxas de juro e um abrandamento dos esforços orçamentais. Estes três fatores, diz a Comissão, “podem colocar o rácio da dívida pública fora de controlo”.

“Uma trajetória insustentável da dívida poderia ter um impacto muito adverso na estabilidade económica de Portugal e repercussões negativas para o exterior por via do risco soberano”, diz o relatório.

Para reduzir o elevado nível de dívida, a Comissão defende que são necessários “esforços adicionais de consolidação orçamental e reformas estruturais favoráveis ao crescimento para salvaguardar a sustentabilidade das finanças públicas”.

Portugal, dizem, terá de fazer “um esforço de ajustamento significativo, que exige a manutenção firme das condições conducentes à redução da dívida durante as próximas décadas”.

Críticas ao aumento do salário mínimo

Também não é de hoje o descontentamento da Comissão Europeia em relação aos aumentos do salário mínimo. Esse descontentamento foi tornado público logo quando o anterior Governo decidiu aumentar o salário mínimo para os 505 euros e voltou a ser sublinhado no relatório hoje publicado.

No entender da Comissão Europeia, os aumentos do salário mínimo, caso não sejam acompanhados por ganhos de competitividade, “podem agravar as perspetivas de emprego da mão-de-obra menos qualificada e provocar uma deterioração da competitividade, além de comprometerem a capacidade das empresas para a desalavancagem”, este último um dos grandes problemas que dizem estar a prejudicar a capacidade da economia portuguesa de crescer.

Reversão da privatização da TAP é risco para o défice

A inversão, ainda que parcial, da privatização da TAP, entretanto concretizada, é vista com preocupação em Bruxelas, que deixa alguns reparos ao Governo.

Segundo os técnicos da Comissão, “a inversão parcial da privatização da transportadora aérea TAP pode implicar riscos orçamentais suplementares”, sendo que no caso das concessões de transportes urbanos em Lisboa e Porto é tido como tendo “um impacto orçamental imediato durante o ano de 2016, uma vez que as economias que supostamente estas concessões trariam não se materializarão”.

A Comissão diz que a conclusão destas privatizações seria bom para as contas públicas e para o mercado, em termos de concorrência, mas agora que as prioridades políticas mudaram, diz que estas decisões têm de ser acompanhadas de “planos concretos para compensar um potencial impacto orçamental negativo” e garantir a sustentabilidade financeira das empresas públicas.

“As escolhas políticas no setor dos transportes precisarão de ser secundadas por medidas que assegurem a viabilidade financeira destas empresas públicas”, diz o relatório.