“Porque estamos aqui?” Barack Obama aproveitou a deslocação à cidade de Hiroshima para recordar os mortos — os mais de cem mil, japoneses, coreanos e até americanos (presos de guerra) que morreram no ataque nuclear norte-americano. “As suas almas falam connosco e pedem-nos um olhar para aquilo que somos hoje”. E os mais de 60 milhões de mortos da segunda guerra mundial — mas também para sublinhar as lições da história. E para que Hiroshima (e Nagasaki) não sejam apenas conhecidas com o fim da guerra, mas “como o começo do nosso despertar moral”.
De todas as cidades no mundo que tem memoriais que contam as histórias de heroísmo desse conflito,” é a imagem de uma nuvem em forma de cogumelo que subiu nestes céus que mais nos lembra a contradição do ser humano”.
Obama realçou que é a mesma capacidade de nos destacarmos da natureza que nos dá também a capacidade de destruição maciça. Num discurso sobre as grandes contradições da humanidade, o presidente norte-americano foi deixando perguntas e frases fortes:
“E quantas vezes os progressos materiais e sociais nos cegam perante estas verdades? Salientou a facilidade com que “aprendemos a justificar a violência em nome de uma causar maior”, e lembrou ainda que “cada grande religião promete um caminho para o amor e a paz, mas nenhuma religião foi poupada a fiéis que defendem que a sua fé é uma licença para matar”.
Ao mesmo tempo que assinalou os feitos recentes das sociedades, lembrou que essas histórias de sucesso das nações são também usadas para “oprimir e desumanizar os que são diferentes”. “As guerras da idade moderna ensinam-nos esta verdade. Hiroshima ensina-nos esta verdade”. Daí que, avisou Barack Obama, o progresso tecnológico sem ser acompanhado de um progresso humano e social condena-nos.
“A revolução científica exige também uma revolução moral. E é por isso que aqui estamos, para nos forçar a imaginar o momento em que a bomba caiu”, para lembrar todos os inocentes que foram mortos em todas as guerras. O presidente americano sublinhou que temos a responsabilidade de olhar nos olhos da história e perguntar: o que devo fazer diferente para evitar tamanho sofrimento?
Obama assinalou escolhas já feitas que deram esperança, citou as relações de amizade entre os Estados Unidos e o Japão, mas também a União Europeia. Foram criadas instituições e promovidos tratados para evitar a guerra, para restringir, e no limite eliminar, as armas nucleares. Defendeu um caminho que leve à destruição desses arsenais, que impeça a sua proliferação e que caiam nas mãos de fanáticos assassinos. Mas isso não chega.
Obama lembrou que até as armas mais simples e as bombas caseiras podem causar violência a uma grande escala. “Temos de mudar o nosso quadro mental” para prevenir o conflito e usar a diplomacia para pôr fim a uma guerra quando ela já começou. “Os países devem ser definidos não pela sua capacidade de destruir, mas pelo que constroem”.
Num apelo àquilo que como espécie nos torna únicos, o presidente americano realça:
“Não estamos geneticamente condenados a reproduzir os erros do passado, podemos escolher e contar aos nossos filhos uma história diferente. Uma história mais parecida com uma comédia, onde a guerra é menos provável e a crueldade menos aceite”.
Invocando a frase fundadora da Constituição americana — Todos os homens nascem iguais e com direitos inalienáveis — Obama admitiu que não é fácil concretizar esse ideal, mas defendeu que nos devemos manter fiéis a uma história que vale a pena.
Lembrando uma vez mais, que aqueles que morreram em Hiroshima “eram iguais a nós”, Barack Obama assinalou que as pessoas normais preferem que a ciência se foque em melhorar a vida e em eliminar a vida. “E quando as escolhas feitas pelos líderes refletem esta sabedoria simples, então a lição de Hiroshima foi aprendida”.
O mundo mudou aqui, repetiu. Mas para isso é preciso que no futuro, Hiroshima e Nagasaki não sejam apenas conhecidas como os marcos do final da segunda guerra, mas como o “começo do nosso despertar moral”.
A visita é histórica e carregada de simbolismo. Barack Obama é o primeiro presidente americano a visitar o local da primeira bomba atómica, lançada pelos EUA sobre a cidade japonesa em 1946, há 70 anos, no final da II Guerra Mundial. Morreram 100 mil pessoas naquele dia, 6 de agosto, e mais pelo menos 40 mil nos anos seguintes, devido aos efeitos da radiação nuclear.
Apesar de todo o significado da presença de Obama no memorial às vítimas do ataque americano, e do discurso pacifista, o presidente americano não pediu desculpas, preferiu focar-se nas lições que devemos tirar de Hiroshima. A visita de Obama foi rodeada de apertadas medidas de segurança e esperam-no alguns protestos, mas o presidente dos EUA mesmo assim vai reunir-se com alguns dos sobreviventes.