Fora dos centros urbanos, há um evento que tem colocado a aldeia de Cem Soldos, em Tomar, nas bocas do mundo: o Bons Sons nasceu em 2006 e, dez anos depois, parece ter-se afirmado no circuito dos festivais de verão — longe do aglomerado de pessoas, da confusão citadina e das grandes marcas. O lugar e as pessoas determinam a essência do festival: uma igreja, uma casa mortuária e uma sala de catequese são os albergues de artistas, espetadores e membros da organização, já os habitantes da aldeia e os voluntários “constroem” a comunidade do Bons Sons.

A logística e tudo o que congrega o perímetro de Cem Soldos, entre 12 e 15 de agosto, são da responsabilidade destes festivaleiros. Mais do que a dinâmica do evento, que não deixa a música portuguesa fora da equação, há pormenores que importam e marcam a diferença. O Observador falou com Luís Ferreira, diretor do festival Bons Sons, que ajudou a desvendar o que caracteriza o festival de Cem Soldos. A organização garante que é o ambiente ideal para “viver a aldeia”.

A debulhada e o rock partilham o palco

O Bons Sons tem oito palcos distribuídos pelo recinto do festival — que corresponde exatamente à dimensão da aldeia — sendo que um deles é o Palco Eira. Alguns dos espaços são uma homenagem a personalidades que dinamizaram o concelho de Tomar, um dos exemplos é o Palco Lopes-Graça, um compositor e músico português do século XX nascido nesta localidade. Quando falamos de eira, falamos de agricultura e de debulhada (desfolhar), uma das práticas tradicionais de Cem Soldos. O terreno utilizado outrora para secar os legumes e os cereais é, durante o Bons Sons, um palco dedicado à música portuguesa. “Transformamos um espaço comunitário de trabalho num espaço festivo”, afirma Luís Ferreira.

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O lounge dos artistas é na sala da catequese

Numa aldeia não se poderia ter o mesmo tipo de logística de uma cidade, porém isso não significa que a mesma fique aquém das expectativas — pelo menos, originalidade não falta. “Tirar partido de estar numa aldeia” é uma máxima que o diretor do festival pretende ver aplicada a cada edição. A igreja, a sala de catequese e a junta de freguesia são os lugares onde os artistas descansam e se preparam para as atuações. E desengane-se quem pensar que os camarins ficam restritos a estes lugares: Luís Ferreira confirma que “há habitantes que oferecem as suas casas”.

A casa mortuária é ocupada pela equipa técnica

Não é por falta de melhor, mas a verdade é que a casa mortuária — por mais assustadora que possa parecer para alguns — tem servido na perfeição para alojar todo o equipamento técnico do festival. Ainda ninguém reclamou do facto e, longe do calor abrasador de Cem Soldos em agosto, o lugar até então conotado com a morte recebe o lufa-lufa e a correria dos técnicos.

Quem chegar primeiro ao cruzeiro fica com a melhor vista

O cruzeiro, para quem não está familiarizado, é uma cruz grande de pedra ao ar livre. Em Cem Soldos, ele está em frente à igreja da aldeia e Luís Ferreira garante que quem chegar primeiro — e até, quem tiver coragem para subi-lo (com precaução) — pode usufruir de uma melhor vista para o Palco Tarde Ao Sol. O espaço não se distancia da fachada da Igreja de São Sebastião e para quem prefere uma visão privilegiada dos concertos, pode ser uma boa opção. Basta apressar-se para não perder o lugar.

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Alguns concertos acontecem junto à igreja da aldeia © Carlos Manuel Martins

O lagar do azeite é um armazém de bebidas

O lugar onde se pisam as azeitonas parece ser um lugar adequado para guardar as bebidas disponibilizadas durante o festival. “É um espaço amplo e fresco para todos os barris de bebidas, que são distribuídos por todos os serviços”, explica o diretor do Bons Sons.

Os artistas utilizam as casas de banho para crianças

No ATL de Cem Soldos, a energia do festival não escapa e a organização aproveita todos os espaços livres, não só para dar genuinidade ao Bons Sons, mas também para contornar os custos elevados da logística. “Com um perfil desenhado para crianças, os artistas acabam por usufruir de sítios não tão habituais”, diz Luís Ferreira. Já no que toca à restauração, a aldeia não consegue assegurar diversidade nos estabelecimentos. Portanto, o restaurante oficial do festival é o ATL: é ali que “As cozinheiras de Cem Soldos preparam pratos típicos para os músicos”.

Os balneários do campismo são construídos pelo Sr. Jacinto

O Sr. Jacinto é um dos muitos habitantes da aldeia que põe “as mãos à obra” para erguer o festival Bons Sons: os balneários do campismo são uma das obras feitas pelos serralheiros de Cem Soldos. Luís Ferreira assume que o Bons Sons é o “orgulho de um festival feito com mão-de-obra da terra” e também uma das imagens de marca da qual não querem prescindir. Mas além das estruturas de ferro, há entre os habitantes outras especialidades com importância, como os engenheiros informáticos que se disponibilizam para ajudar.

O tixão e o mouchão são as bebidas oficiais

Podem ser nomes estranhos para os festivaleiros que vão pela primeira vez aos Bons Sons, mas para os naturais de Cem Soldos e o para o público repetente, o tixão e o mouchão são bebidas irrecusáveis — sobretudo quando o calor do Ribatejo aperta e convida a um refresco. Ambas são bebidas típicas da região de Tomar e Luís Ferreira garante que “não são muito alcoólicas”. Se tiver curiosidade em provar, basta dirigir-se a um dos bares do Bons Sons.

Tomar: Festival Bons Sons em Cem Soldos

As canecas de alumínio também estão presentes © Henriques da Cunha / Global Imagens

E não falta o bolinho de todos os santos

O chamado “bolinho de todos os santos” é um bolo seco típico da região de Tomar, cuja importância histórica remonta a uma tradição do dia 1 de Novembro (Dia de Todos os Santos). Feito artesanalmente por novos e velhos, tornou-se um dado adquirido do Bons Sons. Antes e durante o evento, a produção é feita em grande escala por vários habitantes. O diretor do festival refere que o bolinho de todos os santos é um “importante ganha-pão para muitas pessoas”.

O festival tem uma “tixa”

A “tixa”, ou melhor, a lagartixa, é um dos animais que não passa despercebido pelas ruas de Cem Soldos. Por essa razão, o festival adotou a “tixa” como mascote e o merchadising aproveitou a deixa para criar uma série de produtos — t-shirts, pregadeiras, porta-chaves e ganchos. Milhares de réplicas, de todas as cores e feitios, são feitas pelos habitantes e voluntários do Bons Sons. “Nós acreditamos que a “tixa” representa o festival: é uma criatura que está sempre a dançar, que nunca pára”, diz Luís Ferreira.

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A tixa é a mascote do Bons Sons © Divulgação

É um festival de verão com uma lareira cor de rosa

O Sport Club Operário de Cem Soldos (SCOCS) é a associação responsável pela organização do festival — os lucros revertem para vários projetos sociais da aldeia — e a sua sede não passa despercebida aos olhos de quem vem de fora. Ainda inacabada, mas bem no coração de Cem Soldos, uma lareira cor-de-rosa está a ser construída na sede da associação. Ao falatório em redor da mesma, já ninguém escapa. A cor berrante que o diga.

O armazém de cereais é um centro de exposições

A secagem dos cereais era dos um principais propósitos deste armazém, mas no Bons Sons a funcionalidade é outra: o espaço torna-se um centro de exposições, que vai desde a pintura às instalações sonoras. “Cem Soldos, 100 Sons”, de Luís Antero, é um dos projetos que estará no armazém de cereais — lá dentro será possível ouvir os sons da aldeia e conhecer a identidade do lugar. No futuro, os sons poderão ser alojados num arquivo online.

O auditório é no centro de saúde

Luís Ferreira garante que o funcionamento do centro de saúde não sai prejudicado pelo festival. Uma das salas vai receber espetáculos de música experimental, sessões de cinema e programação para os mais novos. Durante o ano, o centro de saúde é também o local escolhido para a sede do grupo de teatro de Cem Soldos.

Podem ver-se concertos à janela

A organização garante que acontece mesmo: há habitantes da aldeia de Cem Soldos que abrem as suas portas para que os festivaleiros possam ter uma vista privilegiada sobre o festival. Caso não sejam convidados, Luís Ferreira garante que “se pedirem com jeitinho”, as janelas tornam-se uma hipótese para escutar a música e ver as atuações.

Há laranjeiras nos restaurantes

Não é apenas no ATL que as refeições são asseguradas, os naturais de Cem Soldos dão uma nova vida aos espaços privados, com restaurantes de comida caseira e árvores de fruto a servir de paisagem. “Esta aldeia é a utopia do que a vida em comunidade deveria ser”, diz o diretor do evento. Diz-se que no Bons Sons, a indiferença dos locais não entra no vocabulário. Luís Ferreira comprova: “É como uma senhora me disse no restaurante improvisado da sua casa — «isto não é meu, é nosso»”.

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Hora de almoço em Cem Soldos ???

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A comida é feita pelos habitantes da aldeia © Divulgação

Um festival de verão com roupa estendida

Numa aldeia não se poderia fugir ao fenómeno da roupa estendida, seja em estendais, varandas e janelas. O quotidiano dos habitantes da aldeia convive com a energia do Bons Sons, numa harmonia que a organização garante “nunca ter sido colocada em causa”.

A missa do domingo continua a realizar-se

Já aqui dissemos que um dos locais dos concertos é bem perto da Igreja de São Sebastião, mas o interior também não fica a salvo da música. O Palco MPAGDP (do projeto “A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria”) acontece dentro da igreja e interliga-se com as celebrações religiosas. A missa de domingo continua a ocorrer durante o festival e até o pároco da aldeia ajuda à festa — “o padre de Cem Soldos ajuda-nos a montar e desmontar as estruturas de ferro do palco”, refere Luís Ferreira.

Tem de se ter cuidado com os vasos de flores

“Pois, convém ter cuidado”, explica o diretor do Bons Sons. Os festivaleiros até podem sentir-se em casa, mas é necessário ter alguma precaução com a propriedade dos habitantes de Cem Soldos. A genuinidade considerada como das mais-valias do evento acarreta atitudes cautelosas e respeitadoras dos festivaleiros.

Festival Bons Sons

O convívio entre festivaleiros e cem-soldenses © Henriques da Cunha / Global Imagens

As bandas de garagem tocam numa… garagem

A ideia não é de agora, a edição do ano passado já tinha esta iniciativa: no Palco Garagem, as pessoas que tenham um projeto original — individual ou em grupo — podem atuar no Bons Sons mediante a inscrição diária junto da organização. O apoio e o equipamento técnico são fornecidos aos músicos, sendo que a originalidade das atuações mantém-se como regra de ouro. Se os músicos que fazem parte do cartaz quiserem aventurar-se numa jam session no Palco Garagem, podem fazê-lo.

Desta sexta-feira até à próxima segunda-feira, o festival Bons Sons está de regresso à aldeia de Cem Soldos, em Tomar. No cartaz, estão nomes como Sensible Soccers, Carminho, Jorge Palma e D’Alva. Os bilhetes diários custam 17 euros e para os quatro dias custam 38 euros.