António Domingues foi à Comissão de Inquérito, esta terça-feira, pouco interessado em falar do passado da Caixa — a sua melhor declaração, a esse respeito, foi “erros, todos cometemos. Até os cometemos no banco onde eu trabalhava [o BPI]”. Mas isso acabou por não ser um problema porque os deputados, de um modo geral, também não tiveram no topo das prioridades perceber o que levou a Caixa na situação atual e à injeção pública que está em preparação.
Várias vezes o presidente, José Matos Correia, do PSD, interrompeu os trabalhos para recentrar a discussão, que previsivelmente patinava para o plano de reestruturação que Domingues quer executar. A exceção foi o CDS-PP, que pediu esta audição e que procurou saber que parte do “montante elevado” da recapitalização diz respeito aos “erros” passados e quanto se deve à crise bancária e aos requisitos regulatórios. No final, o mesmo CDS colocou em causa aquilo que Mário Centeno disse, no final de julho, sobre não saber que António Domingues tinha contratado uma consultora e uma firma de advogados para o ajudar a preparar o trabalho na Caixa.
Domingues afirmou que deu a informação em agosto ao ministro das Finanças de que as entidades McKinsey e o escritório de advogados Campos Ferreira, Sá Carneiro e Associados) estavam a tratar do assunto e que teriam de ser pagas pela Caixa. Desde maio que Domingues tinha reuniões com os reguladores e com o Governo, pelo que o CDS-PP não acredita que Centeno não soubesse já, a 24 de julho, que havia uma consultora e uma sociedade de advogados a trabalhar com o futuro presidente da Caixa.
A batalha das auditorias: PSD desafia Centeno a “emendar a mão”
A batalha das auditorias externas à gestão da Caixa foi uma das questões que marcou a audição e que pôs a descoberto uma aparente contradição do ministro das Finanças.
António Domingues começou por dizer aos deputados que não foi incumbido na qualidade de novo presidente do Conselho de Administração da Caixa de realizar a auditoria independente que o Governo tinha aprovado, em junho, em Conselho de Ministros. E mais: que não concordava que fosse a Caixa a pedir essa auditoria (e a pagá-la), avançando mesmo que chegou a falar com o governador do Banco de Portugal nesse sentido. Na opinião de António Domingues, deve ser o supervisor a contratar uma auditora para avaliar os atos de gestão da Caixa desde 2000, e não a própria Caixa a fazê-lo, como o Governo sugeria nessa resolução. A decisão governamental não teve, três meses depois, qualquer consequência.
O PSD não perdoou o desfasamento entre o que o Governo aprovou e o que o novo presidente da Caixa executou. Já margem da audição, o deputado social-democrata Hugo Soares sugeriu que o pedido de auditoria aprovado pelo Governo possa ter sido um “logro do ministro das Finanças” para a maioria de esquerda não aprovar o pedido de auditoria externa feito inicialmente pelo PSD no Parlamento (isto porque, na altura, um dos argumentos usados pela esquerda foi o da redundância, uma vez que o Governo já tinha aprovado um pedido de auditoria ao mesmo objeto). Os sociais-democratas alegam que António Domingues lhes deu razão ao defender que deve ser uma entidade externa, como o Banco de Portugal, e não a própria Caixa a promover essa auditoria e desafiam agora o ministro das Finanças a “emendar a mão”.
“António Domingues disse que a auditoria não devia ser feita pela Caixa mas sim por entidades independentes, pelo que desafiamos o ministro das Finanças a emendar a mão e a cumpri a vontade do presidente da Caixa de promover uma auditoria verdadeiramente independente — que pode ser promovida pelo Banco de Portugal, pelo Tribunal de Contas, etc — só não pode ser feita por quem a paga que é a Caixa”, disse o deputado Hugo Soares.
Já o PS, questionado sobre a razão de António Domingues não ter dado sequência ao pedido de auditoria feito pelo Governo, preferiu pôr o foco noutro ponto: “A prioridade agora é encerrar o plano de recapitalização, que ainda não está totalmente fechado em Bruxelas”, disse aos jornalistas o deputado João Paulo Correia, sublinhado que António Domingues não está “nem há 30 dias à frente da Caixa”. João Paulo Correia lembrou ainda que a maioria de esquerda no Parlamento aprovou um projeto de resolução do BE para recomendar ao Governo a realização de uma auditoria forense (especial) à à carteira de crédito da Caixa Geral de Depósitos, querendo com isto dizer que também a esquerda é a favor de uma auditoria externa e independente.
Já sobre o facto de António Domingues ter dito que não foi “incumbido” pelo Governo de levar a cabo a auditoria, o PS preferiu abster-se de comentários e pôr o foco no encerramento das negociações para o plano de recapitalização.
Quem pagou a António Domingues de abril a maio? O BPI ou a Caixa?
Outra questão que marcou o debate foi a cronologia dos acontecimentos. Se António Domingues diz que foi convidado para a Caixa a 19 de março — mas só aceitou a 16 de abril –, e que foi a partir desse dia que cessou funções no BPI, porque é que a comunicação do BPI à CMVM sobre a renúncia de Domingues só data de 30 de maio?
A questão foi colocada pelo PSD, e António Domingues não soube responder. Disse que não via relevância nisso e que não se lembrava porque é que assinou a renúncia nessa data e não mais cedo. “Não sei explicar porque entreguei só em maio, a verdade é que deixei de participar em todos os órgãos em abril”, disse.
Os deputados do PSD reforçaram então que, tratando-se de bancos concorrentes, a questão era importante e perguntaram sobre se os restantes administradores que saíram do BPI tiveram atitude semelhante ou se pediram logo a demissão. Domingues respondeu apenas que os administradores que estavam no BPI e passaram a integrar o a administração da CGD “pediram a demissão de quadros do BPI”.
Os pecados capitais da banca
Domingues, ao seu jeito tímido, não quis entrar em polémicas e defendeu que “os pecados de capitais” da banca não foram exclusivos da Caixa: demasiada exposição a setores de atividade específicos, demasiada concentração do crédito a clientes específicos, a partes relacionadas. Estes fatores contribuíram para que os bancos ficassem no centro de uma “tempestade perfeita” quando as taxas de juro baixaram.
Ainda assim, a Caixa, pela sua dimensão e posicionamento de mercado, teve maiores dificuldades em responder às adversidades macroeconómicas — mais do que os rivais. Daqui para a frente, e apesar de o presidente da mesa o ter acautelado para o objetivo da Comissão de Inquérito, António Domingues não negou que a racionalização de custos é para continuar. Até porque o setor reduziu, nos anos da crise, os seus custos em 15% (em média), ao passo que a Caixa reduziu em 9%.
Ordem para recuperar o terreno perdido? António Domingues fala nos desafios que se colocam perante a banca europeia, a crise económica em Portugal e a revolução digital para dizer que é preciso continuar a reduzir pessoal e fechar agências, mas de forma “ponderada e gradual”.
A disputa entre os dois partidos com maior número de deputados — o PSD e o PS — foi política. O PS acusou o PSD de ter empurrado o problema da Caixa com a barriga (os socialistas lembraram, também, o Banif) e de ter tentado abrir caminho para a privatização do banco público. Os deputados do PS lembraram quando Passos Coelho se mostrou “preocupado” com o facto de não terem sido devolvidos os 900 milhões de empréstimo estatal.
Por seu turno, o PSD acusou o PS de penalizar a imagem da Caixa Geral de Depósitos nos mercados com o atraso na definição da equipa de gestão. Prova disso, diz o PSD, é a descida dos depósitos de particulares que está patente nos resultados semestrais da Caixa. António Domingues garantiu que a descida se deveu a clientes institucionais mas o PSD distribuiu a página do relatório e contas que mostra que esses estão numa rubrica diferente. Confrontado com os números, António Domingues prometeu que irá investigar e “reconciliar” entre aquilo que diz o quadro e o que lhe disseram — isto é, que os depósitos cresceram até junho e continuaram a crescer até agosto.
O “entusiasmo” de António Domingues
No bolso, António Domingues trazia duas mensagens que quis sublinhar. Por um lado, sublinhou a “equipa fantástica” que encontrou na Caixa Geral de Depósitos, manifestando grande motivação em liderar o banco nestes tempos difíceis. Além disso, salientou que apenas aceitou o desafio feito por Mário Centeno porque conseguiu a garantia de que a recapitalização da Caixa seria feita sem que fosse declarada ajuda de Estado — seria algo muito penalizador para o banco e para o país, porque teria de haver perdas para os credores (e depositantes com mais de 100 mil euros) e conversão forçada de dívida em capital.
Obtida a aprovação do plano, António Domingues manifestou intenção de promover a Caixa como um banco com “balanço limpo, que consiga regressar aos lucros rapidamente e que mantenha o acesso ao mercado”. Acesso ao mercado que, a propósito, será necessário para que o plano de recapitalização seja concluído com sucesso. Domingues manifestou que a sua equipa está a trabalhar serenamente na emissão de dívida subordinada, no valor de mil milhões, que faz parte do plano de recapitalização.