O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, recusou acumular a derrapagem do défice em 2015 (que passa de 2,5% para 2,7%) com uma redução da sobretaxa de IRS. Durante a reunião extraordinária do Conselho de Ministros, no sábado, este foi um dos principais argumentos do chefe do Executivo para travar a pretensão do vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, em descer um ponto percentual na sobretaxa, que é de 3,5%.

Segundo soube o Observador, Passos Coelho explicou aos seus ministros que Bruxelas não veria com bons olhos uma alteração na meta do défice conjugada com uma descida de impostos, pois isso significaria que essa derrapagem serviria exclusivamente para dar um bónus aos contribuintes. Numa altura em que Bruxelas continua a exigir austeridade a Portugal, o primeiro-ministro considerou mesmo que isso afetaria a credibilidade do país e que teria dificuldades em justificar uma opção desse género.

A discussão no Conselho de Ministros de sábado, que se prolongou ao longo de 18 horas, começou com a discussão artigo a artigo do Orçamento. Só não durou mais tempo porque a parte do IRS e da fiscalidade verde ficou de fora deste documento. A parte dedicada à redução da despesa “foi residual”, conforme relata fonte do Governo. O trabalho de corte na despesa tinha ficado praticamente concluído na reunião da quinta-feira anterior – em que não chegou a haver briefing.

A discussão sobre a redução da sobretaxa, por seu lado, foi o prato forte da reunião de sábado. Foi nesse dia que Portas e Passos acertaram a solução final que veio a ser adotada: um crédito fiscal que depende da arrecadação de receita de IVA e IRS e que só será devolvido em 2016 (trimestralmente, ao longo de 2015, cada contribuinte terá informação sobre a evolução desse crédito). Durante a última semana, a redução da sobretaxa foi estudada a nível técnico e havia mais soluções a serem equacionadas.

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Portas defendia a redução da sobretaxa (um ponto percentual seriam cerca de 200 milhões de euros a menos nos cofres das Finanças) como um sinal importante para os contribuintes de que os esforços pedidos ao longo do programa de assistência da troika tiveram um efeito, ajudar a sair do resgate, e que o país depois da troika estava a melhorar. É “a moderação fiscal” do CDS que embateu sempre na relutância de Passos e Maria Luís Albuquerque. “As posições estavam radicalizadas na opinião pública e Passos não podia aparecer desautorizado. A solução foi um gesto de magnanimidade do primeiro-ministro”, comentou ao Observador fonte social-democrata.

Parte da reunião foi dedicada aos cálculos de quanto podia crescer a receita fiscal (fruto do combate à evasão fiscal) para se saber qual a folga que existe em 2015. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio (CDS), foi chamado a explicar as contas. Participou mesmo num almoço a quatro com Passos, Maria Luís e Portas – o jantar foi pregos que vários ministros comeram junto à mesa de reuniões. Houve ainda outro secretário de Estado do CDS a entrar na sala do Conselho de Ministros: Morais Leitão. Já durante a semana que antecedeu o Conselho de Ministros extraordinário, tinha havido várias reuniões dos três principais governantes (primeiro-ministro, vice-primeiro-ministro e Finanças).

“Foi uma reunião relativamente tranquila para aquilo que se podia pensar”, afirmou ao Observador fonte do Governo. Portas não esteve isolado na discussão. Outros ministros levaram para a mesa propostas de cortes, que pudessem tornar possível a descida da sobretaxa, algumas até tecnicamente difíceis de executar. “Não houve de um lado os bons e do outro os maus”, resume um membro do Governo ao Observador.

Do lado do CDS, houve resignação e um rápido acerto de discurso. O porta-voz do partido, Filipe Lobo d’ Ávila, destaca ao Observador um Orçamento “equilibrado” e “com uma nova filosofia” em que se perceba que o dinheiro dos impostos não vai para um bolo indistinto. Os centristas aproveitam para destacar outros ganhos: o coeficiente familiar de 0,3% ou a descida de IRC em dois pontos percentuais. Na verdade, mesmo dentro do CDS havia quem desde a primeira hora não acreditasse que fosse possível qualquer descida da sobretaxa.

Na reação ao Orçamento, no início da semana, o PSD classificava de “inovadora” a solução para a sobretaxa e destacava que o documento era de “rigor” e não “eleitoralista”.