Responsável pelo fornecimento de qualquer coisa como 100 milhões de airbags defeituosos a grande parte dos fabricantes automóveis, a japonesa Takata Corporation acabou por ser processada nos Estados Unidos da América. Onde, depois uma intensa luta judicial, se declarou culpada, assumindo a indemnização decretada pelo tribunal: mil milhões de dólares, ou seja, cerca 947,5 milhões de euros – bem menos que os 4,3 mil milhões de dólares a que Volkswagen foi condenada, na sequência do escândalo Dieselgate… e do qual não resultou qualquer morte.

O acordo entre a Takata e a justiça americana foi alcançado no final de Fevereiro, num tribunal federal de Detroit. Aí, a empresa japonesa terá reconhecido perante um juiz o mau funcionamento dos seus airbags, responsáveis confirmados por 16 mortes (11 delas só nos EUA), mais de 180 feridos em vários pontos do globo e um total de 31 milhões de carros já recolhidos. Sendo que fala-se já em mais de 42 milhões de veículos afectados.

Especialista em cintos de segurança, airbags, cadeiras de crianças, volantes, electrónica e revestimento interior para automóveis, a empresa nipónica com sede em Tóquio vai agora ter de pagar indemnizações num valor total de mil milhões de dólares: 850 milhões aos fabricantes automóveis, 125 milhões às vítimas e 25 milhões ao governo norte-americano. Sendo que, no caso desta última verba, o valor decretado pelo tribunal acabou por ficar substancialmente aquém dos 1,5 mil milhões de dólares pedidos pela acusação, com a justiça a considerar que tal indemnização colocaria em risco a sobrevivência da empresa japonesa.

Recorde-se que, falando em nome da Takata Corporation, o seu director financeiro Yoichiro Nomura assumiu, perante o tribunal, que o comportamento da companhia em todo este processo havia sido “totalmente inaceitável”, ao mesmo tempo que assegurou que a empresa “está totalmente empenhada em garantir que tais situações não voltem mais a ocorrer”. Já o juiz responsável pelo processo, George Caram Steeh, considerou que, “embora o fim da Takata pudesse ser um final justo, tal não ajudaria ao pagamento das indemnizações às vítimas”.

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Os advogados da Takata reconheceram já, perante o tribunal, que a única forma de fazer face às indemnizações será através da venda da companhia. Isto, ao mesmo tempo que avançam novos processos, desta feita, contra três executivos da empresa, acusados de falsificar resultados de testes. Mas que ainda continuam no Japão.

Em condições normais e em caso de acidente, o airbag não explode, mas é sim inflado de forma extremamente rápida, com o gás resultante da combustão de uma mistura à base de sódio e potássio

Curiosamente, não foi esta a primeira vez que a Takata se viu acusada de colocar no mercado produtos defeituosos, que punham em causa a vida dos utilizadores dos veículos que recorriam aos seus equipamentos. Já em 1995, a empresa nipónica foi obrigada a realizar um recall nos EUA de 8,4 milhões de modelos equipados com cintos de segurança que apresentavam um erro de concepção, que os levava a não funcionar correctamente em caso de acidente.

As discrepâncias face ao caso Volkswagen

Apesar do valor da indemnização a que a Takata foi condenada poder parecer, à partida, elevado, a verdade é que, especialmente tomando em linha de conta os mortos e feridos que resultaram dos airbags defeituosos, este acaba por ser bastante inferior ao montante a que a Volkswagen, por exemplo, foi condenada a pagar na sequência do chamado caso Dieselgate. Do qual não resultou qualquer ferido ou vítima mortal.

Embora a condenação do fabricante alemão fosse já esperada, importa recordar que a Volkswagen foi obrigada pela justiça norte-americana não só a comprar de volta cerca de 20 mil carros que continham o software que adulterava os valores das emissões quando em banco de ensaio, e a reparar os restantes mais de 50 mil, como teve de ainda de pagar cerca de 4,3mil milhões de dólares em indemnizações aos proprietários dos automóveis. Ao todo e segundo avança a Associated Press, um prejuízo de mais de 21 mil milhões de dólares.

Comparar a penalização aplicada à europeia VW, com aquelas a que foram sujeitas recentemente a GM e a Toyota – a primeira americana e a segunda japonesa, mas ambas poderosos fabricantes de veículos nos EUA –, em casos ainda mais graves do que a Takata, tornam curioso o carácter discricionário da justiça americana.

A Toyota, por exemplo, foi condenada a pagar 1,2 mil milhões de dólares em 2014, pelo mau funcionamento do acelerador, defeito que tentou ocultar e em relação ao qual mentiu em diversas ocasiões, e que provocou 89 mortos e levou a um recall de 10 milhões de automóveis.

Enquanto isto a GM, a braços com defeitos no sistema de ignição de alguns dos seus modelos, provocou a morte de 169 pessoas e pagou apenas 575 milhões de dólares aos familiares das vítimas. Contudo, neste processo que culminou em 2014, o fabricante previu mais 1,5 mil milhões de dólares para eventuais compensações aos accionistas, que processaram a GM pela incorrecta gestão do problema, o que provocou uma quebra no valor das suas acções.

Fabricantes automóveis. Vítimas ou culpados?

Uma das notas deste processo prende-se com a pretensão, por parte dos fabricantes automóveis, de que o proferimento da sentença fosse adiado, com base no argumento de que também eles seriam vítimas da empresa nipónica. O que o tribunal rejeitou, por entender que, se estes “foram culpados ou vítimas, será algo a apurar noutros processos judiciais”.

No caso dos airbags da Takata, a corrosão deteriora a caixa que contém os químicos que vão gerar a combustão, enfraquecendo-a e fazendo com que ela não suporte a pressão e expluda, projectando pedaços de metal

Aliás, várias dezenas de processos deram já entrada num tribunal de Miami, levantados por proprietários norte-americanos de veículos atingidos pelo problema, nos quais acusam empresas como a Honda, a Nissan, a BMW, a Ford, a Mazda e a Toyota, além de outros fabricantes, de terem tido conhecimento dos problemas com os airbags da Takata, muitos anos antes de eles se terem tornado públicos. E de, ainda assim, terem continuado a utilizá-los.

Os queixosos alegam, nos processos interpostos, que as marcas em questão terão agido de forma “imprudente” e focadas apenas “nos preços baixos dos airbags da Takata, assim como na possibilidade de, caso deixassem de utilizar estes equipamentos, não conseguirem garantir fornecimento suficiente”.

Confrontada com estas alegações, a Honda respondeu já, através de comunicado, que as conclusões que suportam estas acusações são “enganadoras”, acrescentando que “a acusação de que a Honda optou por utilizar airbags Takata, mesmo sabendo do risco que tal acarretava, apenas porque eram mais baratos, é categoricamente falsa”. Já a Toyota e a Nissan terão declinado fazer qualquer comentário.

A verdade é que, segundo o The New York Times, a Takata tinha conhecimento, já em 2004, dos eventuais problemas com a deflagração violenta dos airbags, que levava à projecção de estilhaços de metal, tendo mesmo realizado testes para tentar encontrar uma solução para o problema. Mas, ainda assim, não só nunca informou as autoridades, como continuou a fornecer airbags defeituosos aos diversos construtores. Acusação que a Takata inicialmente contestou, mas que em Janeiro de 2017 admitiu, perante o juiz, ter conhecimento do problema há mais de 15 anos e nada ter feito para prevenir os acidentes.

Além dos muitos mortos, os airbags defeituosos provocaram uma quantidade ainda maior de feridos graves, que ficaram marcados para a vida, como é o caso da jovem Stephanie Erdman, da cidade de Destin, na Flórida, envolvida num pequeno acidente com o seu Honda

O mesmo jornal americano acusa ainda alguns construtores de terem conhecimento dos riscos associados aos equipamentos da Takata e ainda assim terem continuado a comercializar veículos com airbags defeituosos, como é o caso da Honda, que em 2004 se terá deparado com um acidente envolvendo um Accord, cujo condutor foi ferido pela projecção de pedaços de metal do airbag.

A maior chamada às oficinas na história da indústria automóvel

O juiz responsável pelo caso estimou que os custos decorrentes da troca dos airbags defeituosos serão “cinco, seis, ou até mesmo nove vezes mais altos que os 850 milhões de dólares estipulados na indemnização”. Assumindo mesmo que o valor poderá chegar aos 7,6 mil milhões de dólares – montante que confirma a teoria segundo a qual o recall resultante dos airbags defeituosos da Takata será mesmo o maior de sempre operado na indústria automóvel.

De referir ainda que alguns senadores americanos manifestaram-se já a favor de uma compensação mais elevada para as vítimas, ao mesmo tempo que defenderam, em declarações reproduzidas pelas agências noticiosas, que “nenhum fabricante automóvel deverá receber seja o que for de indemnização, antes de existir um entendimento total do seu envolvimento nesta fraude, assim como sobre as razões que levaram a que não conseguissem proteger os seus consumidores”. “Embora a assunção da culpa por parte da Takata seja uma boa notícia, isto não é, de forma alguma, o fim desta saga”, sublinham.

Recorde-se que a previsão dos próprios fabricantes é de que a recolha de automóveis com airbags defeituosos deverá continuar até 2020. Sendo que os reguladores norte-americanos já decretaram que as marcas estão obrigadas a substituir os airbags defeituosos, independentemente do que vier a acontecer à Takata.