Reportagem em Paris, França

Antes de Emmanuel Macron, Rihanna já tinha dito tudo. Essa mesmo: a cantora pop nascida na ilha Barbados. Momentos antes de o candidato centrista liberal discursar, num momento da noite eleitoral em que já se sabia que a segunda volta seria entre ele e Marine Le Pen, um DJ tomou conta da sala do Parc des Expositions, em Paris. Quando já tudo dançava agitando bandeiras francesas e também da União Europeia, Rihanna sai-se das colunas com esta: “We found love in a hopeless place“. É como quem diz: “Encontrámos o amor num lugar sem esperança”.

É aí, nesse lugar sem esperança, que se encontram de momento vários setores da política francesa. Começando pelo Partido Socialista, cujo candidato Benoît Hamon não consegui passar dos 6,3 (segundo as projeções) e teve assim o pior resultado de sempre de um candidato do seu partido. E acabando pel’Os Republicanos, de François Fillon, que não passou do terceiro lugar numas eleições que muitos lhe davam como garantidas até ele ser envolto numa sucessão de escândalos.

Agora, Hamon e Fillon tentam “encontrar o amor num lugar sem esperança” e apelam ao voto em Emmanuel Macron. E, sobretudo, contra Marine Le Pen e a Frente Nacional.

É um fim de um ciclo político. Até hoje, nunca tinha havido uma segunda volta sem a presença do PS ou da UMP (hoje Os Republicanos), ou pelo menos dos partidos que estiveram nas suas origens.

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“O Partido Socialista morreu! E eu não tenho pena nenhuma!”, diz Isabelle Mayneris, parisiense de 53 anos que sempre votou no candidato socialista na presidenciais. Até hoje, que votou em Macron. “Benoît Hamon e todos os extremistas que tomaram conta do PS não me representam”, afirma ao Observador, enquanto espera pelo discurso do candidato vencedor no meio da multidão.

Não muito longe está Hervé, de 52 anos. Até hoje, tinha votado sempre na direita – em 2012, escolheu Nicolas Sarkozy nas duas voltas. Agora, ajudou a esvaziar os partidos que eram poder e votou em Macron. “A direita entrou numa deriva identitária e até anti-europeia que simplesmente não posso apoiar”, disse. “É uma tristeza.”

Algures entre estes dois apoiantes de Macron, está um terceiro. Philippe Demarest é um eleitor de centro – e por isso é dos poucos que não teve de percorrer nenhuma distância ideológica para votar no candidato sem partido. “É a única maneira de unir o povo francês, sem andarmos a perder tempo com histórias de esquerda e de direita”, comentou com o Observador, momentos antes de serem conhecidos as primeiras projeções.

Agora, Isabelle, Hervé e Philippe encontraram o tal “amor” que Rihanna canta, algures no centro liberal. Contra a Frente Nacional.

“Mudámos a face da vida política francesa”

“Mudámos a face da vida política francesa”, congratulou-se Emmanuel Macron, que este domingo se tornou no primeiro candidato a chegar à segunda volta e umas Presidenciais em França, sem alguma vez ter sido eleito para um cargo público – foi ministro da Economia, por nomeação.

Mas há um dejá vu nesta mudança referida por Macron: 15 anos depois, França volta ao mesmo filme de 2002. Isto é, depois do fracasso da esquerda na primeira volta, a grande maioria dos partidos junta-se para evitar uma presidência Le Pen – nessa época de Jean-Marie (o pai), agora de Marine (a filha).

Do lado de fora vai ficar Jean-Luc Mélenchon, quarto classificado (com uma projeção de 19,2%), que recusou recomendar o voto na segunda volta – o que pode significar que, a acontecer, uma vitória de Macron não será uma simples conta de somar.

Porém, Macron não tem outra via para o poder além de juntar todos os esforços contra a Frente Nacional. Foi nesse sentido que falou, quando subiu ao palco do Parc des Expositions.

“Eu quero ser o Presidente de todo o povo francês, dos patriotas, face à ameaça dos nacionalistas”, disse, em alusão à Frente Nacional. No seu discurso, agradeceu a todos os candidatos que ficaram pela primeira volta e agradeceu ao público por aplaudi-los sem exceção.

Cerca de uma hora antes, Marine Le Pen disse: “Chegou a altura de libertar o povo francês das elites arrogantes que querem ditar-lhe o seu comportamento”.

“A extrema-esquerda pode deitar isto tudo a perder”

Nos próximos 15 dias, muito dificilmente o debate político francês fugirá destas duas dicotomias apresentadas pelos vitoriosos da primeira volta. De um lado, Macron quererá fazer valer os “patriotas” perante os “nacionalistas”. Por outro, Marine Le Len Pen tratará de colocar-se do lado do “povo” para se opor às “elites arrogantes”.

Segundo as sondagens, Macron tem o caminho aberto para a vitória, mas nunca a alcançará com a mesma proporção que Jacques Chirac conseguiu frente a Jean-Marie Le Pen, juntando 82,2% dos votos.

Ainda assim, Abdoul Guisse, de 23 anos, está hiper-confiante numa vitória do seu candidato, Macron. Assim que soube das projeções, saltou de alegria com os seus amigos, entre apoiantes do centrista. “Eu bem disse! Eu bem disse!”, atirou a um amigo, menos crédulo neste desfecho. Depois disso, explicou a sua confiança para daqui a 15 dias: “A Le Pen não tem uma base de apoio que vá muito para lá dos 21%. A partir de agora, com os votos da esquerda, vamos varrer isto!”.

Há quem esteja bem menos confiante nesses tais “votos da esquerda”. Isabelle fala em tom de desafio: “Se eles dizem que são de esquerda, é bom que não permitam a vitória a Le Pen”. E Hervé fala em tom de desespero: “A extrema-esquerda pode deitar isto tudo a perder. Espero que não. Mas pode”.