Quando em 2007 o então ministro da Economia Manuel Pinho travou um aumento de 17% no preço da eletricidade, a subida do petróleo, e o seu impacto no custo dos combustíveis usados para produzir energia, aparecia como o principal culpado. A conjugação da escalada do petróleo com a seca vivida nesse período gerou uma “tempestade perfeita” que levou à intervenção do Governo e à demissão do então presidente da regulador da energia.
O executivo de Sócrates atirou o pagamento de custos do sistema para a frente, criando o famoso défice tarifário que desde então não tem parado de subir. Nem os sucessivos cortes na remuneração das elétricas anunciados por este Governo conseguiram travar esta trajetória que em 2015 vai atingir os cinco mil milhões de euros, penalizando a fatura dos consumidores que em média subirá 3,3% no próximo ano.
No passado uma descida acentuada do preço do petróleo daria uma folga à subida imparável nos custos de energia. Só que isso não vai acontecer porque o sistema português praticamente deixou de usar gás natural para produzir eletricidade. O preço do gás natural está indexado ao petróleo, reagindo à evolução da sua cotação com seis meses de atraso. Mas se até 2008 as centrais de ciclo combinado eram a principal referência para fixar preços no mercado, porque eram a tecnologia mais eficiente, nos últimos anos estas unidades simplesmente pararam.
O aumento do preço do gás que se seguiu ao acidente nuclear de Fukoshima no Japão é apenas uma parte da explicação. A principal razão reside no aumento significativo do recurso às energias renováveis, o vento e a água, que abastecem uma fatia cada vez maior da procura de eletricidade, explica ao Observador fonte oficial da ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.
“Desde 2009 que se verifica um distanciamento progressivo entre a evolução dos preços de energia elétrica no mercado spot e a evolução do preço do petróleo, o que se deve ao facto de se assistir a um aumento contínuo do peso da produção em regime especial, em particular das renováveis, no mix de produção, acompanhado de um reforço na produção com origem na grande hídrica”.
Nos últimos 12 meses, as centrais a gás contribuíram com apenas 2,5% na produção de energia elétrica, acrescenta a ERSE.
Esta evolução resulta da combinação de dois fatores: uma política de apoio à expansão das renováveis e o facto dos últimos anos terem sido muito chuvosos, o que permite às grandes barragens operarem no máximo, dispensando a necessidade de ligar as centrais térmicas. E mesmo num ano com uma pluviosidade normal, a ERSE estima que o peso do gás no mix elétrico não ultrapasse os 5%. Isto significa que a descida de mais de 40% do preço do petróleo será pouco mais que irrelevante para a fatura elétrica portuguesa, embora deva ajudar a baixar o preço final do gás natural.
O insustentável peso do défice tarifário
Nos tempos que correm o maior stress para os preços da eletricidade resulta dos encargos crescentes com o défice na fatura elétrica. Nos preços do próximo ano, amortizar o défice (entre juros e reembolso de capital) custa 1,3 mil milhões de euros, o que equivale a 20% ou um quinto da fatura anual da eletricidade. Mas nem assim se consegue travar a dívida que continuará a subir, ameaçando exigir novos aumentos de preço bem acima da inflação nos anos seguintes.
A situação preocupa o Conselho Tarifário da Eletricidade, órgão consultivo do regulador que integra os vários antes do setor, que deixa vários alertas no parecer anual às tarifas propostas pela ERSE.
“Embora reconheça que os diversos mecanismos de diferimento e/ou alisamento de custos utilizados, com frequência, nos últimos anos tenham evitado uma significativa subida nas tarifas dos consumidores no próprio ano, o CT (conselho tarifário) também não pode deixar de exprimir a sua apreensão pelo volume e trajetória assumida”. A evolução dos custos associados ao serviço desta dívida dos consumidores ao sistema atinge em 2015 os valores mais elevados de sempre. São mais de 200 milhões de euros, só em juros, a recuperar nas tarifas do próximo ano.
O cenário é agravado pela estagnação do consumo de energia elétrica em Portugal que recuou para níveis de 2007. Quanto menos eletricidade é vendida, maior é o peso dos custos por unidade e mais alto tem de ser o preço. Os custos são pagos por todos os consumidores, incluindo os que passaram para o mercado liberalizado, uma vez que são imputados às tarifas de uso geral e acesso do sistema Esta fatura faz parte dos CIEG (custos económicos de interesse geral) que refletem as decisões de política energética que incluem ainda o subsídio às energias renováveis.
Industriais alertam para impacto na economia
No comentário ao parecer sobre os preços de 2015, a representante dos clientes industriais avisa que a “não serem tomadas medidas de contenção dos custos globais do sistema, ocorrerão novos aumentos das tarifas de acesso nos próximos anos, o que afeta a competitividade dum vasto conjunto de empresas, em grande parte exportadoras de bens transacionáveis”.
Este resultado poderá conduzir, por seu turno, “a reduções de consumo por diminuição da atividade e consequentes novos aumentos, já que o SEN (sistema elétrico nacional) não se ajusta à diminuição da procura”. Concluem assim que a progressão imparável nos “custos unitários das tarifas de acesso às redes é inaceitável colocando em risco o crescimento da economia nacional através da reindustrialização do país e consequente promoção do emprego”.
Preço da energia vai subir mais à noite
Nas tarifas já aprovadas para 2015, o conselho tarifário denuncia ainda uma subida muito acentuada do custo da energia nas horas e vazio (noite) quando se verificam menores consumos e que afeta mais os consumidores que têm tarifas bi-horárias e tri-horárias e empresas que fazem uso intensivo da eletricidade.
Segundo o Conselho Tarifário da ERSE, o aumento médio anual, no período de 1999 a 2015, situado entre os 10,3 e 5,6%, dependendo do nível de tensão, tem um impacto elevado sobre todos os consumidores, uma vez que não é possível atingir metas de eficiência energética que acompanhem e anulem os impactos dos aumentos verificados.
Considerando o “cenário de inflação esperada de 1%, estes são aumentos reais de custo. Aumentos desta magnitude poderão ter impactos muito nocivos nos consumidores, quer domésticos quer industriais, e poderão, a curto prazo, tomar o preço da eletricidade proibitivo para um grande número de consumidores e levar à perda de competitividade das empresas que utilizam intensamente energia elétrica nos seus processos produtivos. Pode ainda continuar a retrair o crescimento do consumo com efeitos indesejáveis na integração dos custos e consequentes novos incrementos das tarifas.