Os tempos muito conturbados que o Sporting viveu em termos desportivos, financeiros e sobretudo institucionais este século transformaram as Assembleias Gerais do clube no melhor barómetro para medir o pulso dos sócios leoninos. Recuemos até 2006: desde a reunião magna inicialmente marcada para a antiga FIL (que passou depois para o Pavilhão Atlântico, por haver o dobro de inscritos para um espaço que poderia albergar mais de duas mil pessoas) para a votação da venda do património não desportivo até ao ato marcado que nunca chegou a acontecer em pleno estádio José Alvalade e que precipitou as eleições antecipadas de 2013, houve um pouco de tudo: contestação, ânimos a ferver, discursos exaltados, pedidos de demissão. Depois, parou.

Desde a assembleia geral em que Bruno de Carvalho apresentou os resultados das negociações com a banca para fechar a reestruturação financeira que o ambiente mudou e, nos últimos anos, o número de sócios a participar no ato foi baixando (o que, em termos de grandes clubes de futebol, costuma ser mais vezes interpretado como sinal de acalmia do que outra coisa). Existe um sem número de razões para tal, desde a inexistência de uma oposição atuante à passagem em direto das intervenções iniciais do presidente leonino do canal do clube. Ao ponto de, nas derradeiras reuniões magnas, ter havido um pedido expresso do número 1 verde e branco para que os associados marcassem presença. Em termos internos, o clube foi readquirindo estabilidade.

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Esta tarde não se espera que, de repente, Bruno de Carvalho seja colocado em causa. Muito longe disso. Mas, nos últimos dias, têm surgido sócios de diferentes quadrantes a colocar em causa alguns dos pontos que serão sufragados, nomeadamente as alterações estatutárias. Basta atentar na página oficial do presidente do Sporting no Facebook para se perceber isso: desde 31 de janeiro, que coincidiu não só com o fecho de mercado mas também com a subida da equipa de futebol à liderança da Liga após o triunfo com o V. Guimarães por 1-0, as três publicações centraram-se apenas em explicações dos pontos que serão levados a votação.

Tendo como contexto a primeira intervenção do presidente verde e branco, que deverá voltar a centrar-se não só no trabalho feito pelo elenco diretivo mas também nas críticas a alguns associados que, nas últimas semanas, foram visados publicamente por Bruno de Carvalho, os primeiros cinco pontos deverão merecer triunfo com goleada pela quase unanimidade em seu torno: a atribuição a título perpétuo do número 9 ao goleador Fernando Peyroteo; a realização de uma auditoria de gestão ao mandato entre 2013 e 2017; a apresentação, pela primeira vez na história do clube, de um Relatório de Sustentabilidade do Grupo Sporting com pouco mais de 100 páginas; a autorização da aquisição de duas parcelas de terreno na Avenida Padre Cruz à Construz; e a possibilidade de negociação dos termos e condições da concessão a terceiros da construção e exploração de estabelecimento comercial num terreno de 3.300 metros quadrados também na supracitada Avenida Padre Cruz.

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A seguir surgirão o ponto seis, que versará sobre uma série de alterações nos estatutos do clube, e o ponto sete, que aprovará o respetivo regulamento disciplinar. E é aqui que as opiniões começam a diferir.

Um dos pontos que tem suscitado, de forma mais ou menos pública, alguma discussão está relacionado com o fim do método de Hondt na eleição do Conselho Fiscal e Disciplinar do clube, assunto que mereceu uma publicação de Bruno de Carvalho. “Porque fui apoiante do método de Hondt e não sou agora? Em nada ajudou os sportinguistas no seu mandato; a formação do Conselho Fiscal deverá ter em conta habilitações das pessoas como ROC, TOC ou advogado; nas últimas eleições, com método de Hondt, apenas entraram elementos da minha lista”, resumiu, deixando em aberto explicações mais fundamentadas para esta tarde. No entanto, existem vozes discordantes em relação a esta perspetiva, que defendem a relevância de manter o órgão o mais independente possível dos restantes, apontando também que, a existir essa necessidade de pessoas qualificadas em determinadas vertentes, era isso que deveria ficar nos estatutos e não a extinção em si do método de Hondt.

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Outro item tem a ver com a possível extinção do Conselho Leonino, órgão consultivo que reúne 50 associados fora membros por inerência. A ideia de Bruno de Carvalho, apoiado num crescente divórcio facilmente percetível entre grande parte dos sócios do Sporting e o órgão, é acabar com o atual modelo de órgão social e a criação de uma nova figura, uma espécie de conselho estratégico com número bem mais reduzido de elementos (nunca superior a 15) que reporta diretamente ao presidente do clube. Na prática, a ideia passa por criar uma equipa mais pequena e mais próxima da hierarquia da direção para ajudar no trabalho e decisões de temas específicos, sejam eles financeiros, desportivos (futebol e modalidades) ou de infraestruturas. No entanto, os mais de 20% que a lista independente ao órgão conseguiu em 2017; o fim das constantes fugas de informação interna; e a possibilidade de haver um espaço extra reunião magna para sócios que não tenham sido eleitos pela equipa “vencedora” são pontos que fundamentam a argumentação de quem não pretende acabar com o órgão social.

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Por fim, a possibilidade de sancionar quem “praticar atos ou adotar comportamentos, no âmbito da atividade de grupos reconhecidos ou identificados com o Sporting Clube de Portugal, ofensivos ou injuriosos de qualquer membro dos órgãos sociais do Sporting Clube de Portugal, ou em violação dos deveres previstos nos presentes estatutos” (inicialmente, a proposta falava na possibilidade de “criar ou fomentar a criação de grupos, dentro ou fora do clube, que por qualquer modo possam perturbar o trabalho dos órgãos sociais” mas foi porteriormente alterada), ao abrigo de um novo regulamento disciplinar que será votado nesta assembleia geral.

Fosse pelas queixas de falta de informação disponível (entretanto apresentada através do site oficial do clube), fosse pela substância do que estava em causa (também por isso houve a supracitada mudança), o ponto tem gerado muita discussão na blogosfera sportinguista, prometendo ser o principal foco de debate na reunião magna de hoje. Bruno de Carvalho, no longo post publicado esta sexta-feira à noite no Facebook, abordou alguns desses ângulos discordantes, mas deverá alongar a explicação esta tarde. “Esta redação já foi alterada e comunicada pelo clube. Isto serve para algo que deriva da lei – proteção da marca e sua utilização abusiva. Nada de mais! Erro de redação já corrigido”, defendeu, numa resposta a quem assumia que tal medida mais não era do que uma espécie de “censura” a quem fosse contra a direção. Mas é provável que justifique o porquê dessas alterações logo no discurso de abertura, que tem primado por uma série de revelações e críticas internas com nomes muito concretos…

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