O Presidente da República dirige-se esta quinta-feira aos portugueses na habitual mensagem de Ano Novo, a última que fará na plenitude das suas funções – em janeiro de 2016, Cavaco Silva estará no fim do seu mandato com a campanha eleitoral das presidenciais já em marcha. Tradicionalmente, o Presidente da República costuma aproveitar este discurso para fazer uma antevisão do ano político e dos desafios futuros para o país – e, na maioria das vezes, acerta.

2012 – “Situação social poderá tornar-se insustentável”

“A coesão social é da maior importância (…) Daí a insistência com que tenho sublinhado a importância da repartição equitativa dos sacrifícios exigidos aos portugueses (…) Este é um tempo de união de esforços”.

A troika estava em Portugal há poucos meses, desde abril de 2011, e o Presidente da República serviu-se das previsões oficiais – que apontavam para uma diminuição da produção nacional e para uma escalada acentuada dos níveis de desemprego – para deixar o alerta: era importante repartir equitativamente os sacrifícios exigidos aos portugueses. Cavaco Silva tinha razões para temer o pior: em 2012, a taxa de desemprego atingiu os 15,5%, um valor recorde desde 1983 – um número que só veio a ser ultrapassado em 2013.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“De nada adianta dividirmo-nos em lutas e conflitos sem sentido (…) Não é combatendo-nos uns aos outros que conseguiremos combater a crise”.

Assim pediu o Presidente da República. Todavia, os primeiros efeitos das medidas acordadas no memorando de entendimento começavam a fazer-se sentir nos bolsos dos portugueses e o anúncio do aumento da Taxa Social Única (TSU) dos trabalhadores para 18%, a par da redução da taxa aplicada às entidades empregadoras de 23,75% para 18%, fez estalar a contestação nas ruas.

A 12 de setembro de 2012, o movimento “Que se lixe a troika” organizou uma manifestação contra a troika e contra o Governo de Pedro Passos Coelho que contou, segundo números da organização, com mais de 500 mil pessoas só em Lisboa. Face à contestação generalizada, o Governo acabou por deixar cair a alteração na TSU.

“Um diálogo frutuoso com os parceiros sociais sobre as medidas dirigidas à melhoria da competitividade das empresas será certamente um contributo positivo”.

Desta vez, os conselhos de Cavaco Silva não caíram em saco roto: Governo, UGT e patrões assinaram o acordo de Concertação Social, classificado como “histórico” por Pedro Passos Coelho – entre as medidas acordadas entre Governo e parceiros sociais estavam a redução do número de férias e novos critérios para agilizar o despedimento de funcionários.

2013 – “Temos urgentemente que pôr cobro a esta espiral recessiva”

“A execução do Orçamento irá traduzir-se numa redução do rendimento dos cidadãos, quer através de um forte aumento de impostos, quer através de uma diminuição das prestações sociais. Temos urgentemente que pôr cobro a esta espiral recessiva”.

No discurso feito a 1 de janeiro de 2013, Cavaco Silva avisou para a necessidade de apostar na recuperação da economia porque a receita da austeridade – aumento de impostos e redução das prestações sociais – estava a alimentar a tal “espiral recessiva” que denunciara.

A mensagem do Presidente da República chegou pouco depois de Vítor Gaspar ter anunciado um “enorme aumento de impostos”, traduzido no Orçamento do Estado para 2013 (OE2013), que previa, entre outras medidas, a criação de uma sobretaxa de IRS de 4%. A sobretaxa sobreviveu às críticas, mas nas negociações caiu para 3,5%.

“Todos serão afetados, mas alguns mais do que outros, o que suscita fundadas dúvidas sobre a justiça na repartição dos sacrifícios”.

O Presidente da República até promulgou o OE2013, mas decidiu pedir a fiscalização sucessiva de algumas normas, motivado pelas dúvidas que tinha sobre a “justiça” social de algumas das medidas. O Tribunal Constitucional (TC) foi chamado a pronunciar-se e declarou inconstitucional a suspensão do pagamento do subsídio de férias a funcionários públicos e a pensionistas, os cortes nos contratos de docência e de investigação e a taxa sobre o subsídio de doença e de desemprego – só a contribuição extraordinária de solidariedade para pensões acima dos 1.350 euros teve o aval dos juízes do Palácio Ratton.

“A resolução dos problemas nacionais pressupõe diálogo e consenso, entendimentos feitos a pensar nos Portugueses e no País como um todo. (…) O país não está em condições de se permitir juntar uma grave crise política à crise económica financeira e social em que está mergulhado. Iríamos regredir para uma situação mais penosa do que aquela que nos encontramos”.

Apesar dos avisos do Presidente da República, o chumbo do Constitucional trouxe consequências políticas: no verão de 2013, e na sequência da demissão de Vítor Gaspar, Maria Luís Albuquerque foi nomeada a nova ministra das Finanças. O líder do CDS, Paulo Portas, desagradado com a nomeação de Maria Luís, apresentou o pedido de demissão que, assegurava, era “irrevogável”.

Nas 72 horas que se seguiram ao pedido de demissão do então ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, as taxas de juro das obrigações a 10 anos passaram de 6,524% para 6,62%, um acréscimo de aproximadamente 0,1 pontos percentuais, isto só na primeira hora – os juros da dívida continuaram a disparar até atingirem os 6,781%.

A 5 de julho, no entanto, Paulo Portas voltou atrás no pedido de demissão e permaneceu no Governo, mas com poderes acrescidos: depois da remodelação que fez cair Álvaro Santos Pereira, o democrata-cristão tornou-se vice-primeiro-ministro e Pires de Lima foi nomeado ministro da Economia.

Como resposta à crise governativa, Cavaco Silva tentou conduzir um compromisso de salvação nacional entre PSD, CDS e PS. António José Seguro, na altura secretário-geral dos socialistas, acedeu sentar-se à mesa das negociações, mas o acordo acabou por falhar – Seguro não concordava que se impusessem novos sacrifícios aos portugueses.

2014 – “O que fizermos este ano irá condicionar o nosso futuro durante muitos anos”

“Há razões para crer que Portugal não necessitará de um segundo resgate. Um programa cautelar é uma realidade diferente”.

Começava o ano de 2014 e com ele o aproximar do fim do programa de assistência da troikaCavaco Silva acreditava que o país não iria de precisar de um segundo resgate. E acertou. Mas defendeu um programa cautelar que não chegou a ser necessário.

“O desemprego manteve-se em níveis muito elevados. Muitos jovens tiveram de procurar no estrangeiro oportunidades de futuro que não encontraram no seu país”.

E tinha razão: em setembro de 2014, a taxa de desemprego atingiu os 13,6%, um valor ainda assim inferior àqueles registados em 2012 e 2013, e os dados de 2013 apontavam para números preocupantes de emigração – 128.108 pessoas deixaram o país nesse ano.

“Os níveis de confiança dos consumidores e dos empresários têm vindo a melhorar. Os exemplos que tenho encontrado, um pouco por todo o País, de jovens empreendedores que não se resignam, que não baixam os braços, devem ser motivo de inspiração para os Portugueses”.

Cavaco Silva deixou, no entanto, uma mensagem de esperança aos portugueses que viria a ser confirmada (em parte) pelos números: de acordo com Instituto Nacional de Estatística (INE), “o indicador de confiança dos consumidores aumentou em novembro, atingindo o valor mais elevado desde maio de 2002 e prolongando a acentuada tendência ascendente observada desde o início de 2013”.

Ainda assim, a confiança dos empresários portugueses não acompanhou o fenómeno e caiu ligeiramente depois de “ter estabilizado no valor máximo desde julho de 2008”.

“É uma ilusão pensar que, no dia em que encerrar o atual Programa de Assistência Financeira, todos os nossos problemas ficarão resolvidos e poderemos regressar a um período de despesismo e endividamento descontrolado (…) Exige-se a todas as forças políticas, sem exceção, que compreendam de uma vez por todas: o que está em causa é o futuro de Portugal, o futuro das novas gerações”.

Tal como previu Cavaco Silva, mesmo depois da saída da troika, as medidas de austeridade não conheceram grandes alterações: por exemplo, o Rendimento Social de Inserção e o Complemento para Idosos sofreram cortes de 2,8% e 6,7%, respetivamente.

Por outro lado, o Governo já anunciou que, em 2015, vai repor parte dos cortes salariais dos funcionários públicos com rendimentos até 1.500 euros. Para vencimentos acima desse montante, essa reposição será faseada: 20% dos cortes serão repostos em 2015, depois da decisão do Tribunal Constitucional que deixou passar os cortes para este ano, por causa das condições económico-financeiras, mas que chumbou a medida como estava desenhada para os anos seguintes.

Todavia, em 2015 a cor do Executivo pode mudar e António Costa apresenta-se com a alternativa socialista para suceder a Passos. Para já, o ainda presidente da Câmara Municipal de Lisboa não se compromete com a reposição integral dos cortes salariais em 2016 e até deixou em aberto a possibilidade de repor os cortes nos salários da função pública de forma gradual. “Se for possível [repor os salários], em 2016 a 100%” será isso que fará se for eleito primeiro-ministro, afirmou Costa em novembro deste ano, admitindo, ao mesmo tempo, que “se não for possível a 100% em 2016, que seja o máximo possível”.