Cancro. É uma palavra que muitos evitam pronunciar e uma doença que todos temem. Mas a verdade é que, sabendo pouco ou nada da doença, toda a gente já ouviu dizer que isto ou aquilo provoca cancro e que isto ou aquilo previne o cancro. Muitas dessas afirmações vão passando de geração em geração e cristalizam-se na sociedade. Tornam-se verdadeiros mitos.
O Observador decidiu falar com três especialistas para desconstruir algumas ideias feitas. Nuno Miranda, coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, Vítor Veloso, presidente do núcleo norte da Liga Portuguesa da Luta contra o Cancro e Luís Costa, diretor do serviço de oncologia do Hospital de Santa Maria.
E se por acaso é doente oncológico deixamos-lhe também um resumo dos direitos que tem a vários níveis (saúde, segurança social, fisco e habitação).
- Todos nós temos cancro.
Mito. Aqui os três oncologistas concordam: dizer que todos temos cancro em nós é mito. Mas há alguma discórdia quando se pergunta se todos temos células cancerígenas. Os oncologistas Luís Costa e Vítor Veloso acham que sim, já Nuno Miranda considera que “todos é um termo muito pesado”, até porque seria preciso estudar toda a população, ou uma grande amostra. O coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas prefere dizer que “algumas pessoas têm” células cancerígenas que nunca se vêm a manifestar como cancro e há casos de pessoas que até têm tumores malignos e que podem nunca dar sinais ao longo da vida.
- O cancro tem cura.
Verdade. O cancro tem cura. Na maioria dos casos existe um número “mágico” que são os cinco anos. Mas noutros tipos de cancro apenas passados 10 anos se pode dizer que as pessoas estão curadas. Já os tumores da mama, sobretudo os menos agressivos, podem reaparecer mais de 10 ou 15 anos depois, na mama ou noutro sítio. Resta ainda perceber se nesses casos se trata do mesmo cancro (e portanto uma recidiva) ou de um cancro novo. Já outros tumores muito agressivos, se não voltam a aparecer no espaço de dois anos, à partida estão curados.
- Vou ter cancro porque os meus pais e os meus avós também tiveram.
Mito, mas … a carga hereditária é seguramente importante e existem alterações genéticas que tornam as pessoas de uma mesma família mais sensíveis à ação dos carcinogéneos e mais suscetíveis a desenvolver cancro. Assim como há cancros que têm um padrão hereditário (alguns tumores da mama, ovário, próstata, cólon, entre outros). Ainda assim é mentira que uma pessoa que tenha na família pessoas que tiveram cancro venha obrigatoriamente a ter um também. Apenas 10% dos casos de cancro diagnosticados podem ser atribuídos a causa hereditária.
- As carnes vermelhas, os adoçantes, a soja e a carne fumada aumentam o risco de ter cancro
Verdade, mas … não podemos dizer que é o alimento em si que provoca o cancro, embora haja uma relação direta entre alguns alimentos e o aumento do risco do cancro. E por isso mesmo o Código Europeu contra o Cancro aconselha a evitar as carnes vermelhas, lembra Vítor Veloso. Já investigações mais recentes do cientista Harald zur Hausen, que foi laureado com o Nobel de Medicina em 2008 por ter descoberta que o papiloma vírus humano causa cancro do colo do útero, mostram que a carne vermelha consumida no mundo ocidental pode estar contaminada com um vírus que aumenta o risco de ter cancro, nomeadamente do cólon. Em relação à soja, Nuno Miranda afirma que não há nada que prove cientificamente a relação, apesar dos fitoestrógenos. Já os alimentos fumados são ricos em nitrosaminas que são oncogénicos e estão diretamente associadas ao aparecimento de cancro. Em Portugal, explica Nuno Miranda, há uma relação estatística entre o consumo de fumados e o cancro do estômago.
- Comer frutos vermelhos previne o aparecimento de cancro.
Verdade, mas … é preciso ter em atenção que os efeitos dos alimentos na prevenção do cancro só existem a longo termo. Tendo isto em atenção, é importante referir que os alimentos antioxidantes (como os frutos vermelhos) poderão ter um efeito de prevenção deste tipo de doenças, bem como uma dieta rica em fibra diminui o risco de cancro colo-retal. Já o café, segundo os estudos estatísticos feitos em Portugal, é um fator de proteção em relação ao cancro da mama. As mulheres que bebem dois ou mais cafés por dia têm menos hipótese de ter cancro da mama. No caso dos homens, há provas que o tomate, sobretudo cozinhado, diminui o risco de cancro da próstata.
- A pílula provoca cancro.
Mito. Neste momento não há evidência científica que a pílula aumente o risco de incidência do cancro, embora já tenha havido dados a favor desta teoria. Acontece que antigamente as pílulas tinham uma dosagem hormonal muito superior.
- Os desodorizantes antitranspirantes aumentam o risco de vir a ter cancro da mama.
Mito. Os oncologistas contactados não conhecem qualquer relação entre o hidróxido de alumínio presente em alguns desodorizantes e o aparecimento do cancro.
- Fazer a depilação com cera nas axilas aumenta a hipótese de vir a ter cancro da mama.
Mito. Não existe qualquer estudo que demonstre a relação entre uma coisa e outra.
- Depilação a laser pode aumentar a probabilidade de vir a ter cancro da pele.
Mito. Também nada está provado sobre isto.
- Fazer solário faz mal.
Verdade. A falta de controlo e de calibragem dos aparelhos, bem como a ausência de pessoal qualificado, e os períodos de exposição muito exagerados, tornam os solários uma arma perigosa que aumenta o risco de aparecimento de cancro.
- Escaldões na infância e adolescência dão origem a cancros de pele em adulto.
Verdade. Quem, em criança ou na adolescência, apanhou muitos escaldões é quase certo que terá cancro da pele em adulto. É que nesse período as células estão mais sensíveis aos efeitos dos raios UV e manifestam-se tardiamente, Mas, a “memória está lá” e a radiação vai-se acumulando ao longo dos anos. Nas pessoas mais morenas o risco é menor.
- O telemóvel pode provocar cancro.
Controverso. Este é um daqueles casos que levanta dúvidas. Depois de muitos estudos sobre o assunto, os mesmos não demonstraram um aumento da incidência dos tumores, afirma Nuno Miranda, até porque as radiofrequências são muito baixas. Já Vítor Veloso diz ser uma questão controversa, pois já houve estudos em que se concluiu que havia relação. Luís Costa diz não ter provas que faça mal, mas prefere ser cauteloso e aconselha que as crianças, por exemplo, não usem telemóvel.
- Não se deve aquecer comida no micro-ondas.
Mito. Aquecer a comida no micro-ondas, embora não seja um método muito eficaz para esterilizar a comida, não tem efeitos cancerígenos. Posto isto pode aquecer, mas tenha em atenção que o melhor é usar recipientes em vidro ou em plástico próprio para micro-ondas pois os outros plásticos contêm ftalatos que, em tempos, e em ambiente de laboratórios, se veio a verificar que podiam ser cancerígenos.
- Comer comida queimada provoca cancro.
Verdade. A comida carbonizada é mais rica em nitrosaminas, que são compostos químicos cancerígenos. Assim como usar o mesmo óleo para fritar as batatas em várias vezes não é aconselhável.
- Fazer exames como raio-X, mamografias, e outros, provocam cancro.
Verdade. Esse tipo de exames tem riscos conhecidos. E apesar de usarem hoje doses de radiação muito menores do que no passado, o risco é real. O mesmo se aplica a exames como a cintigrafia. Já nas ressonâncias e nas ecografias esse risco não existe.
- O stress aumenta o risco de vir a ter cancro.
Verdade. Na medida em que o stress altera a imunidade dos indivíduos, diminuindo as defesas físicas, fará, no mínimo, “um pouco mal”, refere Nuno Miranda.
- Um doente oncológico tem vários benefícios
Verdade. Os doentes oncológicos, e principalmente se tiverem um atestado a comprovar uma incapacidade igual ou superior a 60%, têm direito a uma série de benefícios, que estão compilados no recém-criado site Onco+. Nós deixamos-lhe aqui um resumo:
- Desde logo no que diz respeito aos cuidados de saúde: se forem doentes oncológicos não pagam taxa moderadoras nas consultas de oncologia e outras relacionadas com o cancro, e se tiverem 60% ou mais de incapacidade ficam completamente isentos de taxas moderadoras, enquanto durar a incapacidade. Os benefícios estendem-se ainda aos transportes para consultas, e à comparticipação de medicamentos, sendo que os tratamentos são completamente gratuitos.
- Os direitos estendem-se ainda a matéria de natureza fiscal. Para pessoas com grau de incapacidade igual ou superior a 60% está prevista a isenção do pagamento do imposto único de circulação no caso dos veículos das categorias A,B e E. Se o doente ficar com deficiência motora, de caráter permanente, com limitação igual ou superior a 60%, fica também isento do pagamento do imposto sobre veículos. Também ao nível do IRS, quer do ponto de vista dos descontos, quer das deduções, há benefícios.
- Ao nível da Segurança Social, está prevista a atribuição de um subsídio de doença, bem como uma proteção em caso de invalidez.
- Também ao nível da habitação há benefícios. Por exemplo, para crédito para aquisição ou construção de habituação própria permanente, as pessoas com grau de incapacidade igual ou superior a 60% beneficiam de um sistema de juros semelhante ao que é atribuído aos trabalhadores das instituições bancárias.