Morreu esta segunda-feira, num hospital em New Haven, Connecticut, o crítico literário norte-americano Harold Bloom. A morte foi confirmada pela mulher, Jeanne Bloom, noticia o The New York Times. Harold Bloom tinha 89 anos e era considerado um dos críticos mais influentes da segunda metade do século XX. A sua última aula universitária, em Yale, foi dada na passada quinta-feira.

Devoto em absoluto de William Shakespeare — a quem chegou a chamar “Deus” —, leitor compulsivo confesso, Bloom privilegiava, enquanto crítico, o gosto clássico, tanto na origem geográfica dos escritores (maioritariamente ocidentais) quanto na sua dimensão histórica. Aquilo que mais o ocupava e interessava era mesmo a reflexão sobre o “cânone ocidental”, para usar a expressão que utilizou para dar título a uma das suas obras ensaísticas mais famosas, publicada em 1994, na qual analisava as obras que considerava cimeiras na história da literatura europeia e americana.

Especialmente avesso à avaliação das obras literárias tendo como critérios o posicionamento ético e político e as origens do seu autor, rejeitando em absoluto a função da arte como doutrinação, Harold Bloom foi um grande defensor “da superioridade literária de gigantes do Ocidente como Shakespeare, [Geoffrey] Chaucer e Kafka”, como lembra o The New York Times.

Os seus críticos, que Bloom incluía na lista de seguidores da “Escola do Ressentimento” (que cunhou), notavam que as grandes referências do erudito nova-iorquino eram sobretudo “brancas e masculinas”, acrescenta o jornal — mas não só, eram maioritariamente autores que não lhe eram contemporâneos. Entre os escritores com os quais conviveu temporalmente, poucos o cativaram. Philip Roth e Samuel Beckett são alguns exemplos dos poucos a quem reconhecia genialidade. Geoffrey Hill, Iris Murdoch, Cormac McCarthy e o português José Saramago (a quem, num momento de arrebatamento, chegou a chamar o maior romancista vivo e que numa entrevista considerou “um homem notável” e “homem iluminado”) também lhe mereceram elogios, assim como Eça de Queirós, por exemplo — que incluiu, tal como Fernando Pessoa e Luís Vaz de Camões, entre os cem autores maiores da história da literatura mundial, na obra Génio.

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Perante a limitação do tempo eram os clássicos, sempre, que lhe ocupavam mais tempo. A Os Maias, por exemplo, chamou “um dos mais notáveis romances europeus do século XIX”, comparando-o com os maiores romances da história literária europeia.

Nascido em East Bronx, Nova Iorque, posteriormente formado na universidade de Yale, na universidade de Cambridge e na universidade de Cornell, ganhou proeminência no meio literário durante a década de 1960. Desconfiado do cristianismo e do judaísmo, viu em “A Bíblia” uma obra literária que colocava a par de outras grandes obras históricas de ficção e teve no romantismo um período histórico de que era maior fã do que muitos dos seus colegas. Em 1994, ganhou fama com Western Canon: The Books and School of the Ages, um dos seus livros traduzidos para português (com o título Cânone Ocidental), a par de outros como Shakespeare (traduzido com o mesmo título), How to Read and Why (Como Ler e Porquê), Genius: A Mosaic of One Hundred Exemplary Creative Minds (Génio), Where Shall Wisdom Be Found (Onde Está a Sabedoria?) e The Anxiety of Influence (A Angústia da Influência).

Além dos ensaios e das obras de crítica literária, publicou ainda um único livro de ficção: um romance intitulado The Flight of  Lucifer, sequela de uma obra do escritor inglês David Lindsay que o fascinou. De acordo com o The New York Times, tratava os seus alunos, rapazes e raparigas, por “querido” e “querida” — e despedia-se deles com um beijo no cimo da cabeça.