O presidente do Tribunal Constitucional (TC) afirmou sexta-feira à noite que os juízes vão analisar se o pedido de aclaração do Governo sobre o acórdão relativo ao Orçamento do Estado para 2014, que deu entrada nesse dia, cumpre os pressupostos e depois decidirão se “satisfazem ou não esse pedido”.

“Soube pelo meu gabinete que vai dar entrada hoje o pedido de aclaração, assim que entrar será tratado nos termos normais jurídico-processuais. É o que se chama um incidente pós-decisório”, afirmou Joaquim Sousa Ribeiro, em declarações à RTP à chegada ao aeroporto de Lisboa, vindo de Angola, onde participou na III Assembleia da Conferência das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Oficial Portuguesa.

“O Tribunal depois decidirá se este satisfaz os pressupostos para tomar conhecimento do pedido e, em caso afirmativo, se há de satisfazer ou não esse pedido”, acrescentou, escusando-se a fazer mais comentários.

O juiz do Tribunal Constitucional João Caupers, por sua vez, recusa a existência de “pressões” sobre o TC mas referiu que governantes e comentadores fizeram declarações que visaram responsabilizar aquele órgão pelo eventual incumprimento do programa de resgate financeiro.

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“Não se tratou de ‘pressões’ em sentido próprio, mas antes da criação de um ‘clima’ propício fazer recair sobre os ombros do Tribunal – em lugar do executivo ou do legislador – o fardo do eventual incumprimento das medidas previstas no programa de assistência financeira internacional”, disse no relatório sobre a III Assembleia da Conferência das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Portuguesa, que decorreu em Benguela, Angola, entre 2 e 5 de junho, e que foi publicado este sábado no site do TC.

O relatório incide na descrição dos direitos fundamentais na Constituição Portuguesa, na sua aplicabilidade, na relação da legislação portuguesa e internacional, entre outras questões, sob a forma de pergunta/resposta.

À questão sobre se existem pressões sobre o TC, o juiz conselheiro começou por referir que “não existem pressões diretas” sobre o TC ou sobre os seus juízes mas assinalou que “no atual contexto de crise económico-financeira” em que várias medidas orçamentais vieram a ser sujeitas a fiscalização da constitucionalidade, “houve declarações públicas, por parte de membros do Governo, de comentadores políticos e mesmo de representantes das instituições europeias no sentido de `alertar´ para as `consequências´ de uma eventual declaração de inconstitucionalidade por parte do Tribunal”.

Estas declarações davam “a entender que uma tal declaração poria em causa o programa de assistência financeira a Portugal, levando à adoção de medidas alternativas mais penosas para os cidadãos”, descreveu.

“Após a prolação de acórdãos que declararam inconstitucionais algumas dessas medidas, os mesmos atores fizeram declarações no sentido de que a subsequente aprovação de novas medidas penosas para os cidadãos se tinha tornado necessária para “compensar o chumbo do Tribunal Constitucional”, acrescentou, registando a “criação de um clima propício” a fazer recair sobre o TC eventuais consequências negativas do incumprimento do memorando.

Quanto à relação entre o Tribunal com os poderes executivo, legislativo e restantes instituições judiciais, o juiz conselheiro afirmou que “o Tribunal nunca se sentiu afetado na sua independência, imparcialidade ou serenidade para decidir”.

O juiz conselheiro escreveu ainda que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades e afirmou que isso “não tem sido posto em causa”.

“O estatuto dos juízes do Tribunal Constitucional, bem como as regras constitucionais e legais relativas à designação dos juízes do Tribunal, asseguram suficientemente as garantias de independência e imparcialidade e evitam satisfatoriamente que os juízes sejam vulneráveis a tentativas de os pressionar”.

O presidente do TC, Joaquim Sousa Ribeiro, e os conselheiros Maria José Rangel de Mesquita, Lino Rodrigues Ribeiro e João Pedro Caupers, integraram a delegação portuguesa ao encontro de Benguela, que discutiu o tema “Jurisdição Constitucional e Proteção dos Direitos Fundamentais”.

João Caupers foi o mais recente juiz a tomar posse no Tribunal Constitucional, no dia 6 de março, tendo sido escolhido pelos 10 juízes eleitos pela Assembleia da República.